Quem Sou Eu? escrita por Paula Freitas


Capítulo 1
Quem sou eu?


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Lá estava eu, vendo minha vida passar diante dos meus olhos, depois de fugir como nunca, de me sentir finalmente livre, estava preso de novo, mas agora, em meu carro capotado. Continuava respirando meus últimos suspiros ou meus suspiros de uma última vontade, a qual, assim como eu estava prestes a morrer: a vontade de viver para me descobrir. E até naquele momento em que achei que a morte me levaria, queria perguntar a ela: Quem sou eu?

Era uma noite chuvosa quando nasci, não importa o ano, mas não estava frio, era quente como os braços de minha mãe que me seguraram por alguns minutos antes de perderem as forças por completo. Ela já não estava mais lá. Na velha fazenda da família, rica, porém antiga, só alguns empregados que acompanhavam aquela triste noite em que nasci e minha mãe morreu. Quando meu pai chegou, o velho rígido conhecido como coronel na cidade demonstrou pela primeira vez que tinha lágrimas nos olhos quando pôs-se a chorar pela perda da mulher que amava.

O tempo passou. Eu cresci. E mesmo sabendo que não era o culpado pela morte de minha mãe, não podia deixar de sentir remorso quando meu olhar se cruzava com o olhar frio de meu pai. Tentava agradá-lo, ser como ele queria, mas nem isso dava calor ao seu olhar. Por outro lado, eu sabia como esquecer tais sentimentos, quando me divertia gastando tudo que podia como um verdadeiro filhinho de papai. Vivia nas farras, vivia sorrindo. Só que não. Por dentro havia uma angústia, um vazio.

Nunca gostei de estudos, mas um dia li uma frase que falava sobre a vida e decidi que era de encontrar a minha. Eu já me via desesperado com aquela situação, mas aquela frase de Cora Coralina me fez refletir profundamente, respirar e enxergar no fundo da minha alma. A frase dizia: “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.

Fui falar para meu pai que eu havia pensado muito e chegado à conclusão de que queria viajar, encontrar um rumo, encontrar a mim mesmo. Eu queria muito descobrir por onde caminhar, o que semear, o que poderia colher no futuro.

Depois de uma discussão com meu pai sobre os mesmos assuntos de sempre, eu sem saber o que fazer do futuro e ele dizendo que eu não tinha futuro, saí feito louco com meu carro. Não sabia para onde ia, mas sabia onde queria chegar. A qualquer lugar que me mostrasse quem sou eu.

Porém, agora, cá estou. O carro capotou. O sonho acabou?

Não... Não deixo de querer saber quem sou. Até o último suspiro, a última gota de suor, a última lágrima... Que ainda espero que não sejam as últimas.

Agora, abro os olhos e me vejo de branco, me sentindo estranho e sonolento. Estaria no paraíso? Será que é isso quem sou? Um cara destinado a morrer jovem? Um velho se aproxima. Mas... É meu pai! Teria ele morrido também? Ainda tenho sono, mas antes de adormecer novamente, ouço a voz grave do velho dizer-me: Durma meu filho! Você sobreviveu!

Sim. Eu ouvi. Minha vida continua. E minha pergunta também. Quem sou eu? Ainda tenho tempo para descobrir. A vida continua.

Após a recuperação voltei para casa. Arrependido pelo que tinha feito, mas ainda sentindo um vazio.

Quem sou eu? Qual meu caminho? O que devo plantar nesse caminho? O que poderei colher? Essas perguntas ainda rondavam minha mente enquanto me recuperava daquele acidente. Foi quando meu pai, agora um pouco mais atencioso comigo, até olhava para mim quando falava, disse que contrataria um fisioterapeuta para me ajudar na recuperação. Aliás, o acidente havia me deixado numa cadeira de rodas, temporariamente, pois teria que fazer um longo tratamento para voltar a ter forças suficientes para andar.

Passava meus dias no quarto ou na varanda, meu lugar favorito, do qual olhava as estrelas e pedia para cada uma delas um pouco de luz em minha vida. Foi assim que, um dia, no qual as estrelas se escondiam atrás do brilho imenso da lua cheia, eu a vi. Ela vinha andando pelo meu jardim iluminado pela luz da lua e era tão bela quanto as flores que perfumavam a noite. Vestida de branco, pensei que fosse um anjo para finalmente me levar para algum lugar, mas... Bem, não estava totalmente errado.

Aquele anjo de branco era a fisioterapeuta que meu pai havia acabado de contratar. Veio conhecer a casa, iria passar muito tempo conosco.

No dia seguinte, comecei com os exercícios. Ela me ajudava em tudo. Sei que era seu trabalho, mas ela fazia mais do que sua obrigação. Ela também cuidava da minha alma. Fazia-me tão bem. Sua companhia era o que realmente estava me curando. Aos poucos, descobria que talvez eu fosse simplesmente um homem destinado a viver um grande amor.

Mas, um dia, me decepcionei quando tomei coragem para perguntá-la se ela já havia amado alguém. Ela me respondeu que tinha o amor de sua vida. Entristeci-me, mas, ela continuou a falar desse amor e eu sorri quando soube que se tratava do filho dela. Ela me contou que ela havia se apaixonado pelo pai do garoto, mas ele a abandonou, depois ela soube que ele havia falecido. Ela era mais admirável para mim. Era uma mãe solteira e uma mulher batalhadora. Pedi a ela para conhecer seu filho. Outro dia, ela o levou. Era um menininho adorável e simpático como a mãe. Tinha sete anos. Muito falador, queria brincar comigo o tempo todo. O menino havia gostado mesmo de mim. Mas, o que me fez mais surpreso foi o fato de que ele também estava numa cadeira de rodas.

Ela me contou que ele havia nascido com uma má formação nas pernas e que só andaria um dia com a ajuda de próteses. E que ela havia estudado para se tornar fisioterapeuta, principalmente, por causa dele. Eu, que já estava quase dando os primeiros passos após o acidente por causa de todo o esforço e dedicação com o qual ela me tratava, fiquei emocionado. Não apenas pela história do menino, não pelo sentimento que já tinha por ela, mas algo mais tocou meu coração. Era inexplicável, mas pela primeira vez eu havia passado um dia sem fazer a mim mesmo a pergunta que guiava minha existência: quem sou eu? Teria descoberto, afinal? Mas, qual era a resposta para minha pergunta?

No dia seguinte, após passar um dia aprendendo como brincar numa cadeira de rodas com o filho da minha adorada fisioterapeuta, eu acordei diferente. Estava disposto, estava feliz como nunca. Da cama, percebi a janela que, entreaberta como eu costumava deixar, já deixava entrar a luz da manhã. Ouvi risadas de criança. Era o menino que já brincava no jardim. Ouvi também a voz de sua mãe que lhe dizia de longe: - Cuidado, meu filho, o jardim é cheio de pedras!

Num impulso, levantei meu corpo da cama e arrastei as pernas para fora. Fiquei sentado na beira da cama e puxei minha cadeira de rodas que estava ao lado. Quando estava me ajeitando para sentar na cadeira, ouvi o grito de cuidado da mãe para o menino seguido do choro da criança. Ele devia ter caído. Podia ter se machucado. Fiquei preocupado e sem pensar empurrei minha cadeira de rodas para longe. Apoiei-me na cama e usei todas as minhas forças para me levantar. Minhas pernas pareciam não ter força para pisar no chão. Mas, a ouvi perguntando preocupada se o filho estava bem, e o menino que não parava de chorar!

Respirei profundamente e me segurei num móvel do meu quarto. Coloquei os pés firmes no chão e senti o frio do chão. Senti mexer meus dedos levemente. Então, senti que poderia levantar dali. Respirei profundamente mais uma vez e, apoiado no móvel, puxei meu corpo para frente. Minhas pernas tremiam. Havia uma sensação de dormência nos meus pés, mas eu conseguia senti-los. Levantei-me. Estava finalmente de pé sozinho outra vez. Agora, tinha que respirar profundamente mais uma vez, o desafio era dar o primeiro passo.

Levantei devagar o pé esquerdo e dei um passo. Quase caí. Segurei-me nos móveis, pois não podia desistir. Levantei o pé direito e dei um passo. Consegui. Equilibrei-me. Dei outro passo. Sorri. Eu estava andando novamente.

Soltei os móveis e continuei dando minhas lentas passadas, com cuidado para manter o equilíbrio. Cheguei a janela e abri. Para minha surpresa eles estavam bem à frente, no jardim. O menino havia tropeçado com a cadeira nas pedras e havia se machucado um pouco. Nada grave, um joelho ralado. Mas, devia arder, ele ainda chorava e sua mãe o consolava limpando o machucado. Quando ele olhou para frente, apontou para mim. Lá estava eu de pé, olhando para eles da janela. Segurava-me na janela para não cair. Mas, minha vontade era de soltar e até correr se pudesse, quando ela me viu e sorriu para mim.

O filho dela também sorriu para mim e eu sorri para eles. Entendi, finalmente, uma das possíveis respostas para minha eterna pergunta, quando o menino olhou para sua mãe e exclamou: - Mãe, ele está andando! Então, eu vou andar também!

A mãe sorriu com lágrimas nos olhos depois da afirmação daquela criança. Eu também sorri chorando. Porque foi assim que eu compreendi quem sou eu.

Sou um ser capaz de trazer uma força para alguém, uma lição, um sorriso. Sou alguém que passou a vida inteira procurando a felicidade, mas não sabia que tinha a vocação de levar um pouco de felicidade, mesmo que por um instante. Alguém que podia alegrar o rostinho inocente de um menino que poderia viver chorando, mas sorria. Alguém que podia, mesmo que por alguns segundos, levar um sorriso de fé ao rosto de uma mãe batalhadora. Alguém que podia perdoar um pai que sempre fora rígido e frio. E, enfim, alguém que podia recomeçar através do próprio esforço, como havia acabado de fazer e como havia feito depois daquele acidente.

Não desisti de viver para me descobrir. Não desisti de me descobrir para poder viver sabendo quem sou. Agora, acredito que sei. Meu nome não importa, mas pode me chamar de...

... Esperança.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Comentem!



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