Iridescente escrita por André Tornado


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Outra das ideias que tive para o projeto conjunto "Melody's Briefs", mas este ficou guardado na gaveta. Até hoje. Baseado na canção dos Linkin Park, Iridescent, em português Iridescente, o que significa toda as cores do arco-íris. Do álbum A Thousand Suns, digam o que disseram, o melhor álbum dos LP. Basta a revisitação das palavras de Oppenheimer, depois da primeira deflagração de uma bomba atómica em 1945, para arrepiar: Now I became death, the destroyer of worlds (Agora tornei-me na morte, a destruidora de mundos).



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A derrota era uma sensação amarga, dura, mas a seu modo reconfortante, lembrando-lhe da impossibilidade do caminho que ele escolhera. Ou que tinham escolhido para ele. Chegava a aceitá-la, a desejar fazê-lo, para ser capaz de recuperar a alma estraçalhada por tantas ambições desfeitas. A derrota fazia parte dos seus genes.

Não havia nada naquele deserto fabricado pela destruição das máquinas impiedosas. Ferro retorcido e entulho fumegante vestiam as crateras que cicatrizavam num solo árido. No cenário soprava um vento mesquinho. Não era frio, mas ele tinha os ossos gelados. E ele debruçava-se sobre aquele mundo, contemplando-o num silêncio medonho.

When you were standing in the wake of devastation

When you were waiting on the edge of the unknown

And with the cataclysm raining down

Insides crying “Save me now”

You were there impossibly alone.

Quando estavas de pé na esteira da devastação

Quando estavas à espera na fronteira do desconhecido

E com o cataclismo a chover

O interior a gritar “Salva-me agora”

Tu estavas ali totalmente sozinho.

Não havia salvação possível, ou sequer redenção. Com tantas derrotas, ele tinha falhado redondamente e definitivamente. Tinham havido muitos sacrifícios, provavelmente demasiados, mas ele não era capaz de se mover o tal milímetro urgente para fazer a diferença e salvar o que ainda restava para ser salvo.

Encafuava-se numa redoma exígua de terrores antigos sempre que escapava de mais uma batalha, para lamber as feridas e aumentar a sua frustração, o seu medo e o seu desespero.

Ele queria muito fazer qualquer coisa definitiva que servisse como catalisador para um momento maior, que lhe desse algo como esperança num futuro que não teria como cenário aquele deserto desolador que cheirava a pestilência e a ruína. Mas naquele momento em que contemplava as suas derrotas, colecionadas pacientemente pela paisagem esventrada de um planeta esgotado, não tinha sequer coragem para pensar num caminho diferente, numa outra possibilidade.

Entregou-se, simplesmente, ao frio e ao desespero.

Do you feel cold and desperation?

You build hope but failure’s all you’ve known?

Sentes frio e desespero?

Construíste esperança, mas o falhanço é tudo o que conheces?

Olhou para os céus desmaiados e tristes. Nos seus olhos refletiam-se seguramente com a mesma cor e tristeza. Enojou-se por se estar a sentir fraco ao ponto de ter algumas lágrimas a criarem uma película trémula que lhe velavam o céu. Ele chorava.

Estava demasiado sozinho e sem forças para continuar a lutar.

Não tinha alcançado nada, não se podia orgulhar de nada. A sua honra estilhaçava-se, no momento em que compreendia que não devia deixar-se abater, pois devia fazer jus ao seu sangue guerreiro e à sua herança real.

Remember all the sadness and frustration

And let it go

Let it go

Lembra-te de toda a tristeza e frustração

E liberta tudo isso.

Liberta tudo isso.

A voz do seu mestre falava-lhe através do vento, alma perdida que vinha visitá-lo quando ele contemplava o mundo arruinado, consequência das suas múltiplas desistências e derrotas.

Apenas uma vez tinha conseguido chegar ao poder supremo dos super saiyajin e fora quando vira o mestre assassinado pelas máquinas maléficas. Agora a voz dele contava-lhe o segredo. Com o rosto húmido pelas lágrimas, clamou numa voz rouca e doente:

– Gohan-san!

Reviveu combates, reviveu dores e ferimentos, o sangue a escorrer, as tonturas e todas as sensações ruins da derrota. Encolheu-se e relembrou a guerra com todas as explosões, o fogo e o calor que tudo consumia em redor. Os gritos pungentes e os lamentos estridentes.

Não podia desistir.

Fechou os olhos e desejou por uma inspiração divina, mesmo sabendo que o deus daquele mundo estava morto.

And in a burst of light that blinded every angel

As if the sky had blown heavens into stars

You felt the gravity of tempered grace

Falling into empty space,

No one there to catch you in their arms.

E numa explosão de luz que cegou todos os anjos

Como se o céu tivesse rebentado com o firmamento em estrelas

Sentiste a gravidade da suave graça

Caindo no espaço vazio,

Ninguém para te apanhar nos seus braços.

Como escapar ao próprio destino?

Nisto, riu-se. Lançou a cabeça para trás e gargalhou enlouquecido. Abriu os braços, palmas das mãos viradas para cima como se recebesse os pingos de luz do desmantelamento do firmamento, as pequenas estrelas imaginárias caindo mansamente, atravessando pele, carne e osso, até as extremidades imateriais da sua alma.

Ele combatia sozinho, era o último dos guerreiros e defendia um planeta quase abandonado, não tinha ninguém que o amparasse se caísse após a batalha final. Ninguém para lhe chorar a morte, ninguém para lhe fazer uma sepultura. Haveria de morrer anónimo, desonrado, esquecido.

A não ser a sua mãe… Mas talvez ela já não estivesse viva quando acontecesse e queria que assim fosse. Odiava fazê-la sofrer. E não queria que a mãe tivesse conhecimento da sua morte.

Do you feel cold and desperation?

You build hope but failure’s all you’ve known?

Sentes frio e desespero?

Construíste esperança, mas o falhanço é tudo o que conheces?

Hai! Não tenho esperança! Nenhuma!

Cerrou os punhos, dobrou os braços pelos cotovelos abrindo ligeiramente as pernas. Um grande ardor incendiou-o por dentro. Estava a desfazer-se, a implodir, o organismo a liquefazer-se num mar de lava fervente.

Era a voz de Son Gohan a falar com ele, eram os gritos dos guerreiros tombados a exigirem dele a devida vingança, todo o planeta a reclamar justiça.

Então, entregou-se à raiva dilacerante, ao frio, ao desespero, à tristeza e à frustração.

Remember all the sadness and frustration

And let it go

Let it go

Lembra-te de toda a tristeza e frustração

E liberta tudo isso.

Liberta tudo isso.

Abriu a boca e soltou um berro ensurdecedor que vibrou na atmosfera fazendo tremer o deserto. A luz que ele gerava dentro de si soltou-se numa vaga monstruosa de energia e ele brilhou como um sol, os cabelos aloiraram, os olhos esverdearam.

Trunks caiu de joelhos, ofegando sem fôlego.

Percebeu o que tinha acontecido, entre arquejos, estalidos e repuxões, que tinha o corpo desfeito com tamanha demonstração de poder.

Podia enfrentar novamente os humanos artificiais do Dr. Maki Gero e vingar a morte de Son Gohan. De vingar as mortes de todos os guerreiros da Terra – de Piccolo, de Yamcha, de Chaoz, de Tenshinhan, de Kuririn, de Yajirobe.

Vingar a morte do seu pai, o príncipe de todos os saiyajin, Vegeta.

Fazer justiça aos milhares de mortos, ao planeta Terra despojado.

A sua mãe construía uma máquina do tempo e dizia-lhe que havia outra possibilidade, que poderiam combater os ciborgues com uma arma inesperada: a inteligência. Dizia-lhe sorridente, mesmo que os olhos não sorrissem, que havia esperança. Ele não acreditava nas palavras da mãe. Ela estava sempre encerrada na sua oficina, a construir a máquina, não conhecia a devastação do mundo, os desertos do apocalipse, o terror imprimido pelos humanos artificiais, os rasgões irremediáveis na superfície do planeta.

Limpou a boca salivante com a mão, mas mesmo que o tivesse tentado, não conseguiu levantar-se. Tinha esgotado os músculos, drenado as suas últimas energias. Deixou-se abater ferido e cansado, deitou-se de costas e olhou o céu novamente, desta vez sem a película aguada de um choro indesejado.

Sorriu. Tinha compreendido o segredo da transformação. Já podia converter-se em super saiyajin sempre que quisesse. Riu-se baixinho.

Já podia enfrentar os humanos artificiais.

Remember all the sadness and frustration

And let it go

Let it go

Lembra-te de toda a tristeza e frustração

E liberta tudo isso.

Liberta tudo isso.

E desfazer-se desses malditos bonecos de lata.

Desfazer-se também, das derrotas e da amargura.

Reconquistar o planeta que sempre fora seu.

Talvez recuperar… a esperança.

E Trunks sorriu amargamente, fechando os olhos.


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Notas finais do capítulo

Obrigado pela leitura! Sempre achei que a letra da canção se colava como uma luva a Mirai Trunks. Para quem quiser rever a canção segue-se o link: https://www.youtube.com/watch?v=xLYiIBCN9ec



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