A Garota do Cabelo Lavanda escrita por Chibieska


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Tema: Conforto

Boa leitura!



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QUESTÕES DESCONFORTÁVEIS

Havia uma única coisa na vida com a qual Ichijouji Ken não se sentia confortável, essa coisa era ser Ichijouji Ken. Não importava de que forma olhasse sempre parecia algo ruim e negativo ser ele mesmo. Toda vez que saia na rua as pessoas olhavam e apontavam. No colégio sempre tinha alguém cochichando ao seu redor. Sempre haveria alguém para lembrá-lo de que não passava de uma sombra do que fora no passado.

Desde que o conflito havia acabando no Digimundo, o garoto realmente achou que sua vida seria mais fácil. Suas únicas preocupações seriam o colégio e o tempo gasto com os amigos, mas descobriu que os humanos podiam ser tão cruéis quanto os Digimon. Se eles não infligiam dor através de planos malignos e agressões, sabiam muito bem como fazer isso apenas com meia dúzia de palavras e ações. Ken tinha que lidar com olhar severo e desconfiado dos professores, os rumores que circulavam entre os alunos, estranhos que o abordavam no caminho de volta para casa.

Por mais que tentasse levar uma vida normal, de um garoto de dezesseis anos, Ichijouji Ken não era como os outros adolescentes. Ele era o garoto gênio que figurara em dezenas de capas de revistas quando criança, o menino brilhante que sempre aparecia na TV, o orgulho japonês. Claro que todos esperavam o melhor desempenho dele, e por isso, mesmo que ele estivesse fora dos holofotes, ainda criava-se uma grande expectativa quando seu nome era citado.

Por isso, ele até entendia a reação de seus colegas de sala quando as notas do bimestre saíram e ele não estava no topo da lista. Ken era o sexto melhor aluno do colégio, mas isso era muito pouco para o garoto gênio e a partir de então foi obrigado a ouvir que na verdade ele sempre fora uma farsa, uma grande jogada de marketing da família Ichijouji. Queria dizer que isso não incomodava, mas estaria mentindo. Qualquer outro aluno estaria satisfeitíssimo com uma sexta colocação, mas ele não poderia se dar ao luxo por isso. Quando algum colega errava uma questão a sala agia normalmente, mas ele se errava era motivo de chacota por toda semana. Sempre haveria a desnecessária cobrança por ser Ichijouji Ken.

E ali estava ele, após mais um final de bimestre, sentado solitário em um banco no pátio do colégio, observando o céu brilhante do verão. Uma brisa leve arrastava as nuvens brancas e fofas através do céu radiante e isso lhe trazia um pouco de conforto.

“Você realmente não deveria se importar com isso.” Uma voz alta e estridente ecoou em seu ouvido e só então percebeu que Inoue Miyako estava sentada ao seu lado. “Você até subiu duas posições.” E sorriu.

Ken sorriu de volta, mas não respondeu. Era um sorriso simples, ligeiramente amargo e sem graça, mas que combinava perfeitamente com seu estado de espirito. Ele estava realmente chateado, mas não era apenas por causa das notas.

“Não faz diferença para eles se eu sou o sexto ou o primeiro, só vai estar suficiente bom quando eu tiver 100% na nota.” Seu olhar se desviou para o céu e se prendeu em uma nuvem que se parecia com cachorro.

“Faz diferença para você?” A garota perguntou astuta.

Mas Ken não respondeu novamente. Mesmo que superasse a questão das notas sempre haveria outro empecilho. Quantas vezes não ouvira dos colegas de classe que ele fugira de casa só para se aparecer, que no final de contas era só um pirralho arrogante e mimado, que os meses desaparecidos eram o argumento perfeito para justificar seu fraco desempenho nos últimos anos. No final sempre haveria algo para ser criticado, sempre haveria algo do seu passado para ser relembrado e denegrido.

“O ensino médio não dura tanto tempo, em breve você estará livre dessa gente, as pessoas na faculdade...”

“Vão pensar da mesma forma. Eu sou o menino gênio, preciso criar algo importante que mude o destino da humanidade. Se eu não fizer no mínimo isso, serei mais um verme insignificante e passarei o resto da vida vendo pessoas apontarem o dedo e dizerem que sou uma farsa.” Ele a interrompeu. A frase foi despejada de uma única vez, coberta de amargura e tristeza.

“Ken, você não pode mudar seu passado...”

“Eu sei.” Ele finalmente olhou para ela, os olhos carregados de tristeza e dor. O passado ia muito além de ser o garoto brilhante das capas de revista. Ele teria que viver para sempre com as lembranças do garoto negligenciado pelos pais, a criança invejosa do irmão, o tirano que massacrou dezenas no Digimundo. Não importava o que fizesse, ele nunca poderia mudar quem ele era ou apagar o que fizera, sempre haveria alguém para lembrá-lo de tudo o que seu nome significava.

“Você não pode passar sua vida toda esperando a aprovação de todos.” Ela puxou uma mecha do cabelo violáceo e colocou atrás da orelha.

“Eu sei, mas é difícil quando todos estão te julgando.” Deu um muxoxo e encarou o chão.

‘“Nem todos estão te julgando.” Afirmou categórica.

“Quem não está?” Questionou desconfiado.

“Eu não estou.”

Ken encarou a menina ao seu lado, o rosto estava sério, mas os olhos demonstravam cordialidade e acolhimento. Sempre que se sentia para baixo, Miyako aparecia misteriosamente com alguma palavra de consolo. Por mais que ele tivesse certeza que ela não entendia como ele se sentia, como seu passado o assombrava e como se arrependia de não poder mudar o mal que fizera, era sempre Miyako que o fazia sentir-se bem. Uma palavra, um gesto, a coisa mais simples que fosse, mas quando isso acontecia, por alguns minutos, ele ficava confortável consigo mesmo.

“Eu não tenho certeza se gosto de quem eu sou.” Admitiu. Ele não se odiava, mas odiava carregar o peso de ser quem era.

“Eu gosto.” Ela sorriu. Levantou-se e ajeitou as roupas. “E eles também gostam.” Meneou a cabeça para direita e só então Ken percebeu que Daisuke, Takeru e Hikari estavam há alguns metros espiando, não muito disfarçadamente, a dupla conversar. Ele acenou para o grupo e recebeu de Daisuke um constrangido aceno em resposta. Ken tinha amigos agora, pessoas que o aceitavam como ele era, sem ficar exigindo explicações e pondo rótulos. “Além disso, nossos somos seus amigos.” Miyako completou. “Se os garotos da sua sala continuarem a te chatear, é só avisar que vamos dar um jeito neles.” Enfatizou a frase dando um soco na palma da mão.

Ken sorriu, mas dessa vez foi um sorriso autêntico e bonito, daqueles que raramente ele dava. Como sempre, Miyako sempre tinha uma palavra de consolo e sempre o fazia sentir-se confortável em ser Ichijouji Ken.


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Notas finais do capítulo

Se tudo der certo, a fic deve ser atualizada diariamente. Então torçam para que meu cronograma não vire uma bagunça enorme.Reviews são sempre bem-vindos e fazem o autor muito feliz.