Havia pouco mais de um ano que Kagome voltara de sua era e, no fim das contas, muito pouco mudara.
É bem verdade que a garota tornara-se Miko e vinha aprendendo a desempenhar esse papel muito bem com a ajuda de Kaede e Jinenji, mas afora isso... Mais alguma coisa mudara de verdade? Sim. Naraku estava morto e junto com ele a Shikon no Tama fora destruída.
Apesar de tudo estar caminhando para um tempo tranquilo, Kagome não conseguia se sentir bem, não completamente. Desde que aparecera através do poço há, parecendo muito mais, um ano e meio, Inuyasha estava diferente. O hanyou por quem Kagome se apaixonara no passado havia, desde o seu retorno, agido de maneira estranha. Em muitos momentos era carinhoso e gentil, observando-a colher ervas, comer, dormir, acalmando-a com palavras doces quando acordava de um pesadelo e em outros era distante, perdido; como se não soubesse o que estava fazendo ali, sem contar o fato de que ele voltava, aos poucos, a irritar-se muito facilmente.
Ela pensava muito nisso já tinha bastante tempo. Ela retornara para ficar ao lado do homem que amava, mas havia um abismo separando-os e ela não conseguia transpô-lo. Quando sua dor emocional chegava ao limite, como vinha acontecendo quase todos os dias, ela caminhava até o vilarejo de Jinenji e colhia mais algumas ervas apesar de seu estoque estar bastante bem suprido. E quando se deu por si, a jovem já estava a caminho pouco depois do almoço.

***

Inuyasha estava certo quando sentira o cheiro que vinha do poço: Era Kagome.
Seu cheiro estava diferente, todavia. Ou melhor, continuava sendo o cheiro dela, mas algo tinha se transformado nesses longos três anos que ficaram afastados. O odor doce que se desprendia de Kagome tinha assumido uma variante ainda mais adocicada, mais surreal. Estava muito feliz em vê-la e tê-la ao seu lado nesse último ano e meio, mas não deixava de sentir uma leve angústia.
Apesar de acreditar que Kagome era sua e o seria para sempre, ele não conseguia aproximar-se mais dela.
- Tch. Não acredito que ela vai à vila do Jinenji outra vez. O que há com ela, afinal? – Inuyasha rosnou para si mesmo, com uma careta, enquanto a observava partir.
Ele a seguiria, como fizera quase todas as outras vezes, se a velhota Kaede não o tivesse pedido para não fazê-lo. Mas... Poderia trocar uma palavra ou duas com Kagome antes que ela fosse.
- Kagome! – gritou Inuyasha para ela enquanto corria em sua direção e diminuiu o passo quando percebeu que ela o esperava, encarando-o.
- Inuyasha, o que foi? – Ela parecia distraída, mas voltara seu olhar para o chão. Algo que inquietou o hanyou.
- Está indo visitar o Jinenji novamente? Não acha que tem ido demais pra lá? – O tom de Inuyasha não era agressivo, mas ainda assim bastante inquisitivo.
- Olha, Inuyasha, tem muitos doentes por lá e o pobre do Jinenji ainda está tendo que lidar sozinho com a morte da mãe. Acho que ajuda-lo é algo que eu deva fazer. Cuidar de todos aqueles aldeões está desgastando-o demais, o pobrezinho. – Kagome mais sussurrava para si mesma, como se precisasse afirmar-se, do que para que Inuyasha pudesse ouvi-la.
- Kagome... O que há de errado? Você parece triste, distante... – A voz de Inuyasha vacilou quando percebeu que os ombros da garota haviam caído ligeiramente e segurou-a pela mão instintivamente, mirando seu rosto visivelmente tristonho.
- Inu... Eu... Só preciso de um tempo sozinha. Só isso. Desculpe. – Ainda encarando o chão de terra, a morena livrou-se das mãos do meio-youkai e seguiu seu caminho, deixando-o ali sozinho.
Como sempre acontecia quando precisava pensar, o pobre inu-youkai dirigiu-se ao poço e recostou-se em sua estrutura de madeira, quieto e reflexivo.

***

O sol já baixava pelo céu quando Inuyasha despertou de seus devaneios ao sentir uma leve perfuração em seu pescoço, estapeando-o imediatamente e sabendo o que esperar.
- Olá, Myoga, o que faz por aqui? Achei que estava com Totousai no Vale-de-Fogo... – Arqueando uma das sobrancelhas, ainda sonolento, o rapaz esperou Myoga se refazer depois do tapa, olhando-o em dúvida.
- É verdade, Inuyasha-sama, eu estava com Totousai sim, e é exatamente por isso que vim até o senhor. Totousai me pediu para encontrá-lo e pedisse ao senhor que fosse vê-lo. Parece que ele tem algo muito importante para falar com o senhor e com a senhorita Kagome. – Myoga parecia preocupado ao falar; o que era comum, na verdade.
- Bom, terei de esperar que ela volte da casa do Jinenji, então. – Cruzou os braços e ergueu-se, caminhando a passo lento para o vilarejo, planejando avisar à velhota Kaede de que sairia com Kagome por algum tempo, assim que ela voltasse.

***
Quando chegou ao vilarejo notou Kaede esperando, à frente do templo, parecendo agitada. A velha acorreu para Inuyasha assim que o avistou e falou num cascateamento de palavras:
- Inuyasha, onde está Kagome? – O olhar da mulher estava muito preocupado
- Foi visitar o Jinenji, velhota. Por que? – O garoto riu-se do nervosismo da velha.
- Você não consegue sentir, Inuyasha? Há algo de muito maligno, uma energia ruim muito poderosa, vindo justamente... – Ela mirou o horizonte na direção da morada do meio-youkai gigantesco.
O “jovem” virou-se na mesma direção farejando o ar e... Soltou um gorgolejo rouco: Cheiro de sangue e cadáveres, misturados no vento com o odor de Kagome; Pôs-se a correr.