Gato de rua escrita por AnyBnight


Capítulo 1
Único - Gato de rua




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Ele é como um gato de rua: anti social, arisco, sempre com aquele olhar de "não confio em ninguém" e postura de "vou te atacar a qualquer momento se você se mover". E tal como um gato de rua, prefere se manter discreto, escondido, até que não haja mais ninguém entre ele e seu objetivo. No caso, o almoço.

- Lass, saia de cima desta árvore e venha comer com todo mundo.

Como um gato de rua, ele grunhiu descontente e me olhou torto. Encarou-me por algum tempo e desapareceu da minha vista. Como um gato de rua. Eu suspirei.

"O que fazer com ele? Está tendo tanta dificuldade em se adaptar à nós" comentavam meus companheiros da caçada. Mas se ele iria agir como um gato de rua, não havia mais nada que eu pudesse fazer além de tratá-lo como um.

A tigela com o almoço dele ficou preparada, separada em um canto distante do resto do grupo que ainda almoçava. Como um gato de rua, ele veio discreto, apoderou-se da comida e novamente se afastou. Era fácil imaginar um gato branco de rebeldes olhos azuis abocanhando um peixe e correndo para cima de um muro. Eu sorri.

Todos os outros ainda tentavam interagir com Lass, e como um gato de rua, ele os evitava, se afastava e nos acompanhava de longe. Como um gato de rua, talvez tivesse medo que o machucássemos, ou talvez, tinha medo de nos machucar. Entendendo esse seu lado, eu parei de insistir em uma interação direta.

Três vezes ao dia sua refeição estava no lugar de sempre, haviam cobertores onde ele poderia pegar caso sentisse frio à noite visto que recusava-se a dormir na cabana masculina; o que mais ele precisasse, estaria lá para ele.

Como um gato de rua, ele se acostumou com meus pequenos gestos, mas não estava satisfeito. Em algum tempo comecei a receber olhares ainda mais desconfiados toda vez que ele buscava a comida. Na maior parte do tempo eu era indiferente à ele, sequer mirava sua direção. Bom, não era isso que aquele gato de rua queria? Indiferença?

Eu o ouvi resmungar enquanto eu limpava os utensílios usados em nosso último almoço. O resto da caçada descansava em suas cabanas, talvez por eu estar sozinho ele escolheu falar comigo naquele momento em particular.

- Você me odeia? - Ouvi sua voz às minhas costas, um tanto distante.

Como um gato de rua, aos poucos aproximava-se do estranho que lhe alimentava sem motivo.

- Não, eu não te odeio. - Respondi serenamente sem me mover. Não queria assustá-lo e fazê-lo recuar. - Por que acha isso?

Ele pareceu relutar, talvez estivesse com os olhos mirando outro ponto. Quando foi a última vez em que ele teve uma conversa de mais de duas frases com alguém?

- Você me evita, não olha pra mim, não fala comigo. - Resmungou novamente. - Parece que me odeia.

Eu sorri. Aquela parecia mesmo a mentalidade de um gato de rua: ou é um inimigo que ataca ou é um inimigo que ainda vai atacar. Terminei de enxugar os talheres e me virei para ele sem desfazer meu sorriso. Ele estava parado de pé alguns metros de mim, cabisbaixo.

- Você também. Me evita, não olha para mim, não fala comigo. Você me odeia, Lass?

Percebi uma oscilação em sua guarda diante de minha pergunta. Nossos olhares se cruzaram por apenas um instante e logo seus olhos claros voltavam a me evitar.

- Eu não odeio você. - Resmungou tão baixo que aparentemente não tinha a intenção de se fazer ouvir. Havia corado.

- Isso é bom, porque eu também não odeio você.

Ele resmungou de novo, desta vez nada que desse para entender, mas sua hostilidade havia sumido. O rubor de seu rosto ainda estava lá quando ele bufou, me deu as costas e voltou para seu ponto de vigília escondido do grupo.

Como um gato de rua aprendendo a confiar em alguém.


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