Eu tinha nove anos quando ouvi pela primeira vez aquela palavra.

Foi numa sexta-feira. Não poderia ter sido em nenhum outro dia, pois eu estava ansioso e eu só ficava assim às sextas-feiras, quando Itachi chegava em casa trazendo um novo vinil escondido debaixo da jaqueta. Para passar o tempo até a hora em que ele finalmente chegaria, andando rapidamente em direção ao quarto e dando uma piscadela marota em sinal de que conseguira realizar o seu feito, eu me sentava no chão da sala de estar com meus cadernos de desenho e meus lápis de cor e começava a desenhar. Foi em uma dessas que entreouvi a conversa da minha mãe com a Sra. Haruno, nossa vizinha do lado.

A Sra. Haruno era uma mulher jovem e bonita. Tinha mais ou menos a idade da minha mãe, embora fosse loira e tivesse olhos verdes e uma voz mandona. Ela era também a mãe de Haruno Sakura, uma menina da minha idade, de exóticos cabelos cor-de-rosa e muito tímida, que estudava comigo no colégio. A Sra. Haruno tinha o mau hábito de ir correndo até em casa e contar para mamãe alguma novidade (ou fofoca) a respeito dos moradores da nossa rua sempre que podia.

Nesse dia, mamãe a convidara para uma xícara de chá, enquanto nossa vizinha narrava as notícias mais recentes da vizinhança. Ela cochichava com urgência, lançando olhares rápidos à janela, de onde se podia ver a casa em frente, do outro lado da rua.

– É transmitida pelo sangue, veja bem, e uma vez que se entre em contato com o sangue contaminado pode ser letal, como um veneno. – ela disse, séria. – E ele é apenas um garotinho, por Deus! Dizem que foi a mãe que passou a ele durante a gestação, e ela morreu alguns meses depois do bebê ter nascido, estava muito fraca. Não sei nada sobre o pai, mas ouvi dizer que o avô é o único parente vivo.

Ela balançou a cabeça negativamente, como se desaprovasse totalmente a situação.

– Olha lá, eles estão voltando pra casa!

A Sra. Haruno apontou para a janela. Ergui os olhos do caderno e olhei para fora, onde ela apontava. Um garotinho loiro mais ou menos da minha idade esperava em pé na varanda da casa do outro lado da rua, enquanto um homem, que não aparentava ter mais de cinquenta anos, abria a porta. Rapidamente, os dois entraram e desapareceram dentro da casa.

Fora a primeira vez que o vi.

– Tsc tsc – a Sra. Haruno resmungou. – Imagine os cuidados que eles precisam tomar com esse menino doente. Devem evitar ficar muito tempo fora também, afinal, deve ser contagioso. Imagina só! Vou tomar providências para que a minha Sakura não se aproxime muito desse garoto. E acho que deveria fazer o mesmo, Mikoto-san. Cuidado nunca é demais. Afinal, é uma doença cruel essa tal de AIDS.

Olhei para a Sra. Haruno, me perguntando o que aquilo poderia significar. Mas ela estava ocupada demais fofocando para me notar.

Voltei os olhos para a janela e observei o ponto onde o menino e o avô estiveram parados instantes antes. Se um estranho passasse por acaso pela rua, pensaria que a casa estava vazia. Não havia sinais de que pessoas a habitavam; as cortinas estavam sempre fechadas, o local era silencioso e as luzes de fora nunca eram acesas.

Pensei novamente no menino enquanto a Sra. Haruno continuava a tagarelar.

Afinal, o que aquele garotinho tinha de tão grave para causar tamanho rebuliço? Mas enquanto muitos pareciam temê-lo, naquele momento, para mim, que tão pouco entendia, ele havia se tornado fascinante.