Message in a bottle escrita por Rafa


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Só para dar uma situada sobre a história, postei mais esse capítulo que completa o anterior.



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Quinn entrou um pouco mais na água e imitou o homem, esperando sentir o mesmo que ele, o que quer que fosse. Mas quando fechou os olhos só conseguiu pensar em Tommy. Deus sabia quanto ela queria passar mais tempo com ele e, sem dúvida, ser mais paciente quando estavam juntos. Adoraria ser capaz de se sentar para conversar com o filho, ou jogar Banco Imobiliário, ou simplesmente ver televisão com ele, sem sentir o impulso de se levantar do sofá para fazer algo mais urgente. Havia ocasiões em que ela se sentia hipócrita ao insistir com Tommy que ele vinha em primeiro lugar e que a família era a coisa mais importante que ele teria na vida.

Mas o problema era que sempre havia uma coisa para fazer: lavar a louça, limpar o banheiro, pagar as contas... Mesmo que Tommy ajudasse bastante nas tarefas de casa, ele era quase tão ocupado quanto ela, tinha a escola, os amigos e todas as suas atividades. Logo, as revistas iam direto para o lixo sem serem lidas, as cartas não eram escritas e às vezes, em momentos como aquele, ela se preocupava ao sentir que a vida estava passando diante dos seus olhos.

Mas como mudar tudo isso? “Viva a vida um dia de cada vez”, dizia sempre sua mãe, mas ela não precisava trabalhar fora ou criar um filho forte e confiante, porém sensível, sem a ajuda de um pai. Ela não compreendia a pressão que Quinn enfrentava todos os dias. A irmã mais velha, Frannie, que seguia os passos da mãe, também não entendia – ela e o marido eram casados e felizes havia quase onze anos e tinham três filhas maravilhosas. Edward não era um homem brilhante, mas era honesto e trabalhador, e sustentava a família, de modo que Frannie não precisava trabalhar. Havia ocasiões em que Quinn achava que queria uma vida assim, mesmo que significasse renunciar à carreira.

Mas era impossível. Principalmente depois que ela e Noah se divorciaram. Já fazia três anos – quatro, contando o período em que ficaram separados – ela não odiava o ex pelo que ele tinha feito, mas seu respeito por ele tinha acabado. O adultério, fosse uma aventura de uma noite ou um longo romance, não era algo que ela conseguisse aceitar. Tampouco a fazia se mudar. Mas qualquer coisa pode acontecer quando a chama de um relacionamento se apaga, e para Noah foi isso que ocorreu. Um encontro casual numa locadora de vídeos, um bate-papo que levou a um almoço e, por fim, a hotéis nos subúrbios de Boston.

A injustiça de toda a situação era que às vezes ainda tinha saudades dele, ou melhor, das coisas boas dele. Ser casada com Noah era confortável como uma cama em que ela estivesse dormindo durante anos. Estava acostumada a ter em casa outra pessoa com quem falar e escutar. Tinha se habituado a acordar com o cheiro de café fresco e sentia falta da presença de outro adulto por perto. Sentia falta de muitas coisas, mas, sobretudo da intimidade inerente a abraçar alguém e sussurrar-lhe coisas a portas fechadas.

Tommy não tinha idade suficiente para entender isso, e, embora o amasse muito, não era o tipo de amor que Quinn queria agora. Seu sentimento pelo filho era maternal, talvez o mais profundo e sagrado que existe. Mesmo agora ela gostava de entrar em seu quarto quando ele estava dormindo e sentar-se na beira da cama só para observá-lo. Tommy parecia tão em paz, tão bonito, com a cabeça no travesseiro e as cobertas empilhadas à sua volta... Durante o dia dava a impressão de estar constantemente em movimento, mas à noite sua figura adormecida e imóvel trazia de volta os sentimentos que ela experimentara quando ele ainda era um bebê. No entanto, mesmo esses sentimentos maravilhosos não mudavam o fato de que, ao sair do quarto dele, ela iria para o andar de baixo e tomaria uma taça de vinho com o cachorro Harvey como única companhia.

Ainda sonhava em se apaixonar, em ter alguém para abraça-la e lhe dar a sensação de ser a única no mundo. Mas era difícil, se não impossível, encontrar uma pessoa decente hoje em dia, a maioria que ela conhecia na casa dos 30 anos já eram casados, e os divorciados pareciam procurar uma mulher mais jovem, que pudesse moldar da forma que quisessem. Sobravam apenas os mais velhos, e mesmo achando que poderia se apaixonar por alguém assim, ela tinha que pensar no filho. Queria alguém que tratasse Tommy como ele merecia, e não um simples subproduto de mim. Mas a realidade era que os homens mais velhos em geral tinham filhos mais velhos, e poucos aceitavam com prazer os problemas de criar um adolescente. “Já fiz meu trabalho”, um pretendente declarara certa vez. Isso fora o fim do relacionamento.

Ela admitia que sentia falta também da intimidade física que é consequência de amar uma pessoa, confiar nela e entregar-se. Não dormira com ninguém desde o divórcio. Houvera oportunidade, é claro – para uma mulher bonita não era difícil encontrar um homem ou mulher com essa finalidade -, mas esse não era o seu estilo. Não fora educada assim e não pretendia mudar agora. O sexo era importante demais, especial demais, para ser compartilhado com qualquer pessoa. Na verdade, em toda a sua vida ela só fora para cama com dois homens: Noah, naturalmente, e Sam, seu primeiro namorado sério. Não queria aumentar a lista só por uns poucos minutos de prazer.

Então, agora, nessa semana de férias em Cape Cod, sozinha no mundo e sem qualquer perspectiva de encontrar um namorado, ela queria fazer algo apenas para si mesma: ler, ficar com os pés para o alto, tomar uma taça de vinho sem a luz da TV sempre ligada, escrever para amigos de quem não tinha notícias havia algum tempo, deitar-se tarde, comer muito e correr de manhã, antes que as pessoas chegassem para atrapalhar. Queria sentir a liberdade outra vez, ainda que por pouco tempo.

Desejava também fazer compras durante esse período. Não na JCPenney, na Sears ou nesses lugares que anunciavam tênis Nike e camisetas dos Chicago Bulls, mas nas pequenas lojas de miudezas que Tommy não suportava. Queria experimentar vestidos novos e comprar alguns que lhe caíssem bem, só para se sentir viva e vibrante. Talvez até fosse a um cabeleireiro – fazia um tempo que não mudava o corte e estava cansada de ter sempre a mesma aparência – e se por acaso um cara legal a convidasse para sair, talvez ela aceitasse, só para ter uma oportunidade de usar as coisas novas que teria adquirido.

Com o otimismo de certa forma renovado, olhou para ver se o homem da calça jeans desbotada ainda estava lá, mas ele tinha partido tão silenciosamente quanto surgira. E ela também estava pronta para ir embora. Suas pernas tinham endurecido na água fria, e sentar-se para calçar os tênis foi um pouco mais difícil do que ela esperava. Como não tinha levado toalha, hesitou por um momento antes de colocar as meias, então resolveu que não precisava: estava de férias na praia e não havia necessidade de sapatos e meias.

Levou-os na mão enquanto andava para casa. Caminhava à beira-mar quando viu um grande seixo meio enterrado na areia a poucos centímetros de um lugar onde a maré cheia da manhã tinha atingido seu ponto mais alto. Aquilo lhe pareceu estranho, deslocado.

Ao se aproximar, percebeu algo diferente na aparência da pedra. Para início de conversa era lisa e comprida, e ao chegar ainda mais perto Quinn percebeu que não era uma pedra, mas uma garrafa, provavelmente deixada por um turista descuidado ou um dos adolescentes locais que gostavam de ir ali à noite. Olhou por cima do ombro, avistou uma lata de lixo acorrentada à torre de salva-vidas e resolveu fazer a sua boa ação do dia. Ao chegar perto da garrafa, porém, surpreendeu-se ao ver que estava arrolhada. Pegou-a, ergueu-a à luz e viu no interior um canudo de papel enrolado e preso por um barbante.

Por um segundo sentiu o coração disparar quando uma lembrança lhe ocorreu. Aos 8 anos de férias na Flórida com os pais, ela e outra menina tinham mandado uma carta pelo mar, mas a resposta nunca viera. A correspondência era simples, algo típico de uma criança, mas ela lembrava que, depois de chegar em casa, tinha corrido à caixa de correio durante várias semanas, na esperança de que alguém tivesse encontrado e respondido. Aos poucos a decepção se estabelecera e a lembrança foi se apagando até desaparecer de vez. Mas agora tudo lhe voltava. Quem era a menina que estava com ela naquele dia? Uma garota da sua idade...Tracy? Não... Stacy? Sim, Stacy! O nome dela era Stacy! Tinha cabelos louros... estava passando o verão com os avós...e ...e... a lembrança acabava aí. Nada mais lhe ocorria, por mais que se esforçasse.

Comecei a tentar tirar a rolha, quase esperando que fosse a mesma garrafa, embora soubesse que isso não era possível. Era provável que fosse de outra criança, e se a mensagem pedisse uma resposta ela iria dar. Talvez mandasse também uma lembrancinha de Cape Cod e um cartão postal.

A rolha estava encravada e os dedos de Quinn escorregaram quando ela tentou puxá-la. Não conseguia segurá-la com firmeza. Enterrou as unhas curtas na cortiça e girou a garrafa devagar. Nada. Trocou de mão e tentou de novo. Segurou mais forte e colocou o recipiente entre as pernas para que ele ficasse mais seguro. Quando já ia desistir, a rolha moveu-se um pouco. Subitamente encorajada, tornou a trocar de mão...apertou, girando a garrafa devagar... a rolha saiu mais um pouco... e de repente ficou mais frouxa e acabou de sair com facilidade.

Ela virou o gargalo da garrafa para baixo e surpreendeu-se quando o canudo de papel caiu na areia aos seus pés quase que de imediato. Quando se abaixou para pegá-lo, percebeu que o barbante que o envolvia estava bem apertado, por isso tinha deslizado para fora com tanta facilidade.

Quinn desatou o nó com cuidado e a primeira coisa que lhe chamou atenção ao desenrolar a mensagem foi o papel. Não era um papel de carta infantil, mas um tipo caro, grosso e resistente, com a figura de um veleiro gravada no canto superior direito. E estava enrugado aparentando ser antigo, como se tivesse ficado cem anos na água.

Ela percebeu que tinha prendido a respiração. Talvez fosse mesmo antigo. Era possível – havia histórias de garrafas que iam dar à praia depois de um século no mar, de modo que esse podia muito bem ser o caso agora-. Talvez ela tivesse nas mãos uma verdadeira antiguidade. Mas, ao ler a mensagem propriamente dita, viu que estava enganada: havia uma data no canto superior do papel.

Vinte e dois de julho de 2009.

Pouco mais de três semanas antes.

Três semanas? Só isso?

Voltou a ler. O texto era longo – cobria a frente e o verso da folha - e não parecia pedir uma resposta. À primeira vista, não trazia endereço ou número de telefone, mas isso poderia vir em algum lugar ao longo da mensagem.

Quinn teve um frêmito de curiosidade ao segurar a folha diante de si, e foi nesse momento, à luz do sol nascente de um dia quente de verão na Nova Inglaterra, que ela leu pela primeira vez a carta que mudaria para sempre sua vida.

22 de julho de 2009

Minha adorada Catherine,

Sinto a sua falta, querida, como sempre, mas hoje está sendo especialmente difícil porque o oceano tem cantado para mim, e a canção é a da nossa vida. Quase posso sentir você ao meu lado enquanto escrevo esta carta, assim como o perfume de flores silvestres que sempre me faz lembrar você. Mas nesse momento essas coisas não me dão prazer. Suas visitas têm sido menos frequentes, e às vezes acho que grande parte de quem eu sou está aos poucos se afastando para longe.

Mas estou tentando. À noite, só, chamo por você, e sempre que minha dor parece maior você encontra um meio de voltar para mim. Ontem à noite eu a vi em meus sonhos. Você estava no cais, perto de Wrightsville Beach. O vento soprava em seus cabelos e seus olhos refletiam a luz do sol. Fiquei a observá-la debruçada na murada. “Você está linda”, pensei ao avistá-la, uma visão que eu nunca consegui encontrar em ninguém. Comecei a andar devagar na sua direção, e quando você enfim se voltou para mim, percebi que outras pessoas também a estavam observando. “Você a conhece?”, me perguntavam em sussurros ciumentos, e enquanto você sorria para mim, eu simplesmente disse a verdade: “conheço-a melhor do que a mim.”

Parei quando cheguei até você e a abracei. Havia ansiedade por aquele instante, mais do que por qualquer outro. Era para ele que eu vivia, e quando você retribuiu meu abraço, me entreguei ao momento ficando mais uma vez em paz.

Ergui a mão e toquei seu rosto com delicadeza. Você inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos.

Eu existo para amá-la, para tê-la em meus braços, para protegê-la. Existo para aprender com você e para receber o seu amor em troca. Estou aqui porque não há outro lugar para estar.

Mas então, como sempre, quando nos abraçávamos veio a neblina. Uma névoa distante que surgiu do horizonte, e a medida que ela se aproximava meu temor aumentava. Ela chegou devagar, envolvendo o mundo à nossa volta, cercando-nos como para impedir que escapássemos. Como uma nuvem, ela encobriu todas as coisas, chegando cada vez mais perto, até que nada mais restava além de nós.

Senti um nó na garganta e os olhos cheios de lágrimas, porque sabia que era hora de você partir. O olhar que me lançou nesse momento me persegue. Senti a sua tristeza e a minha própria solidão, e a dor no meu coração, que por um breve espaço de tempo se manteve silenciosa, ficou mais forte quando você se afastou de mim. E então você abriu os braços e recuou para dentro da névoa, porque lá era o seu lugar e não o meu. Ansiei por ir com você, mas a sua única resposta foi balançar a cabeça, porque nós sabíamos que isso era impossível.

E com o coração partido eu a vi desaparecer aos poucos. Esforcei-me para recordar tudo daquele momento, tudo de você. Mas logo, tão depressa, a sua imagem se desfez e a neblina recuou de volta ao seu lugar distante. Fiquei só... no cais, sem me importar com o que as outras pessoas pensavam enquanto arqueava a cabeça e me entregava a um pranto sem fim.

R.Berry


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Notas finais do capítulo

Bom... Já dá pra comentar um pouquinho né gente! Vejo vocês ;p