Survivor escrita por Lie


Capítulo 8
Capítulo 8




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Faz tempo desde a última vez que me senti tão em perigo. Não pela horda que nos segue aos tropeços, ficando perto de nos cercar se diminuirmos a velocidade da corrida, mas sim por Tate ter chegado tão perto de encontrar Tessa.

Corremos cegamente por entre os carros abandonados durante algum tempo que parece durar a eternidade até que um caminhão pipa surge em meu campo de visão alguns metros a frente.

—Tate! – grito. Ele me olha por um segundo, apenas o suficiente para que eu aponte para o caminhão.

Apertamos o passo da corrida e o alcançamos. Com um pouco de dificuldade devido ao cansaço apoio os pés no para-choque e agarro e escada na traseira do caminhão, então me puxo para cima até conseguir apoiar os pés no primeiro degrau. Tate me ajuda, segurando minha cintura para que eu possa me equilibrar melhor e em seguida iça o próprio corpo.

Chegamos ao topo do caminhão já com os dedos pálidos dos errantes se erguendo e tentando agarrar qualquer coisa.

Deito de costas, entre os tampões enferrujados do tanque, tomando cuidado para não escorregar entre as barras de ferro laterais e então respiro fundo para recuperar um pouco do fôlego.

O som dos errantes ao nosso redor é quase ensurdecedor. Procuro fechar os olhos e me concentrar. Ainda temos as balas da arma presa em minha cintura, mas são muito poucas e prefiro guardá-las, a aljava de flechas acabou ficando para trás quando corri atrás de Tate. Isso nos deixa apenas com nossas facas, mas não seria o suficiente.

Tate está meio agachado e meio deitado, encarando todos os rostos que nos cercam. Puxo a beirada de sua blusa para conseguir sua atenção.

—Esqueça isso – sussurro, sabendo que ele ainda procura Tessa – fique abaixado e quieto, não temos muitas chances agora.

Por alguns segundos ele resiste e volta a encarar os rostos lá embaixo, mas logo se deita ao meu lado e controla a própria respiração.

(...)

Algumas horas se passam e meus músculos começam a ficar dormentes devido ao tempo passado na mesma posição. Mal percebi o momento em que fechei os olhos e comecei a apertá-los com força. Eu os abro devagar e percebo que a claridade do dia já começa a se perder no horizonte.

O som dos errantes não é mais tão ensurdecedor, parece mais com um ruído insistente. Tento me sentar e sufoco um grito na garganta quando quase escorrego. Entretanto, as mãos de Tate são rápidas e conseguem me segurar antes que eu deslize.

—Obrigada – murmuro, ainda com os dentes trincados.

Olho lá embaixo e percebo que o número de errantes diminuiu bastante, embora ainda estejamos cercados por cerca de dez deles.

Tate acompanha meu olhar.

—Talvez a gente consiga sair agora – ele diz.

—Acho que sim… - faço uma pausa antes de completar - Pode ser que os outros estejam precisando de ajuda.

—Eu não vou voltar pra lá – ele fala baixo e isso deixa seu tom ainda mais duro. – Não vou deixá-la por ai.

Respiro fundo. Não posso acreditar que todo o esforço que fiz será em vão.

—Vamos sair daqui primeiro, depois decidimos o que fazer.

Seguro minha faca com firmeza e ele faz o mesmo.

—Vou distraí-los.

Ando com cuidado até o teto da cabine e utilizo o cabo da faca para bater no vidro. O som começa a atraí-los para a frente do veículo, com as bocas escancaradas e os braços erguidos. Tate desce a escada e acerta a cabeça de um dos que ficou para trás. Contorna a lateral do caminhão e enterra sua lâmina em mais um, atraindo assim a atenção de outros.

Quando pelo menos metade vai para cima de Tate, que os golpeia sem parar, corro para a escada e desço correndo ao encontro dele enquanto acerto os que entram em meu caminho. Me esforço para não pensar muito nisso. É o que sempre faço. Tento não pensar no mal que estou fazendo.

Por fim acabamos cobertos de sangue e com uma dezena de corpos caídos aos nossos pés. Prendo novamente a faca ao cinto.

—Tudo bem? - pergunto.

Tate apenas faz um aceno de cabeça, passa a mão no rosto para limpar o suor e acaba deixando uma marca de sangue que cobre metade da face.

—Tate, me ouça, vamos voltar e…

—Você é surda? - ele se vira para mim de forma brusca – Não vou a lugar nenhum antes de encontrá-la!

Ele começa a andar em círculos, o olhar perdido e a faca ainda bem segura na mão. Lágrimas abrem caminho pelo sangue nas bochechas.

—Ela nem queria vir! Eu devia ter escutado! Tínhamos que ter ficado lá e continuado juntos!

—Não! Você é diferente dela. Queria nos ajudar. Provou que ainda existe gente boa nesse mundo!

Me aproximo e faço menção de encostar em seu ombro, mas minha mão nem sequer chega a tocá-lo. Tate se vira bruscamente e agarra meu pulso com força. A raiva é visível em seus olhos.

—É tudo culpa de vocês!

Ele não está pensando direito, não consegue perceber a situação do modo como realmente é. Tate é uma pessoa boa que se dispôs a ajudar e estava finalmente livre de Tessa que o impedia de ser quem realmente era. Sem ela, ele poderia ajudar muitos outros. Poderíamos ficar juntos e fazer nosso melhor para mudar as coisas.

—Tate…

Sua faca estava erguida, a ponta direcionada para minha garganta.

—Você não sabe o que está fazendo – ergo a outra mão, fazendo um gesto para que ele se acalme.

—Eu só quero encontrá-la. Acha que não percebi que está tentando me impedir?

—Não, claro que não. Eu só quero que você veja que pode ficar com a gente agora. Ela está… - quero dizer que ela teria uma vida nova agora, mas não é o momento certo. Não com aquela faca apontada para minha garganta. Não desse jeito. - ela está morta. - completo com um nó na garganta.

Ele então cai de Joelhos, assim como quando voltei sozinha ao acampamento. Meu pulso está vermelho no local onde ele o apertou durante alguns minutos.

—Eu só quero encontrá-la – repetiu. Agora sua voz parecia quase extinta e a cabeça baixa.

Senti lágrimas encherem meus próprios olhos. As coisas só parecem se complicar cada vez que eu tento torná-las melhores. É como um ciclo que nunca termina.

Puxo a arma sem que ele perceba, mas sinto os dedos tremerem. Preciso de uma alternativa. Então ele começou a repetir mais uma vez que só quer encontrá-la, enquanto soluça como uma criança.

Respiro fundo e faço o possível para me controlar. Se a única coisa na qual ele consegue pensar é encontrar Tessa então só me resta uma opção.

Mordo o lábio inferior com força até sentir o gosto de sangue e exito por um instante. Não gostaria que as coisas fossem assim. Subitamente um som molhado e arrastado chama minha atenção. Uma única mulher, tropeçando nos próprios pés, vem em nossa direção. Tate ergue a cabeça e encontra seus olhos leitosos. Os passos dela se aceleram, os braços estendidos a frente e a mandíbula estalando. Ele olha para mim por uma fração de segundo e ambos sabemos quem é a mulher. Tate arqueja por um instante, engasgando com as próprias lágrimas. E não tenho mais tempo para mudar de ideia.

Ergo a arma e miro a cabeça de Tessa ao mesmo tempo em que Tate começa a se levantar. O tiro ecoa, perturbando o silêncio conquistado às custas de tanto sangue e o corpo dela vai de encontro ao chão.

O choque de Tate fica visível. Ele não se move por alguns segundos, um joelho ainda apoiado no chão, a expressão congelada, e é esse o tempo que levo para erguer a arma e descer o cabo de encontro à sua nuca colocando toda minha força no golpe. Ele cai virado para o chão e bate a cabeça no concreto.

Provavelmente o tiro irá atrair errantes próximos e eles se encarregarão da transformação.

Coloco a arma de volta presa à cintura e corro com toda a força que me resta de volta para a floresta.

(…)

Volto a andar quando o primeiro sinal de claridade surge.

Depois de entrar novamente na floresta percebi que andar as cegas e com as pernas queimando não seria a melhor opção, por isso subi em uma árvore e tentei descansar um pouco, embora as imagens dos últimos dias insistissem em me atravessar em flashes.

Minha boca está seca e com gosto de ferro, as mãos repuxando por causa do sangue seco e meu estômago se contorce, mas continuo caminhando. Não pensei que haviamos nos afastado tanto do caminho do acampamento improvisado.

Por fim reconheço traços do caminho que percorremos até lá. Aperto o passo e fico mais atenta a qualquer som. Digo a mim mesma que falta pouco e que estarão todos lá e em segurança.

Paro de repente sentindo o peito apertar e não apenas pela falta de ar.

O acampamento parece ter sido pisoteado recentemente e não vejo nenhum sinal dos três.


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