Desisto de Mim escrita por Arabella Turner


Capítulo 1
Decisão




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Fanny estava encostada em sua pequena varanda de seu apartamento alugado em Londres. Não era o melhor apartamento do mundo e muito menos o mais caro, mas ela gostava de morar ali. Fanny Price não era uma garota de reclamar. Vivera com seus tios, por favor, à sua mãe e a seu pai que não tinham condições de criá-la já que tinham mais filhos. Ela vivera entre casas luxuosas e coisas extravagantes, mas nunca se apossara de nada ali. Nem de suas amizades ela se achava merecedora.

Ela ria ao pensar em seu jeito, mas não conseguia mudá-lo. Quando algumas vezes ela se pegava reclamando pelo tamanho de seu apartamento, se repreendia e ia àquela varanda e ficava admirando um dos bairros mais luxuosos de Londres ao longe. Ali estava uma coisa, muito mais valiosa que seu apartamento, uma pessoa que Fanny desistiria de tudo para tê-la. Ela não podia reclamar de seu apartamento pequeno já que ele dava permissão de ter a vista do que mais ansiava ter e não ia ser seu de jeito algum. Seu primo Edmund Bertran que fora criada junta e era o único que gostava de seu jeito e a aceitava por ser tão retraída e humilde consigo mesma. Mas sua admiração não passava disso, já que estava noivo de Mary Crawford, uma garota astuta, porém arrogante e cínica que havia conhecido há menos de um ano em Mansfield Park, a propriedade de verão da família. “Menos de um ano” Fanny pensava com amargura “Ele me conhece há anos.”

Fanny sentiu suas lágrimas rolarem por sua pele branca e se enroscarem em seu cabelo castanho ondulado que caía sobre seu rosto. Sabia que ele nunca seria seu, mas se culpava mais ainda pelo que havia feito há alguns meses. Deixara escapar a última chance de ser feliz ao lado de seu amado por puro capricho à sua personalidade.

Estavam reunidos em um pub comemorando a chegada de suas primas Julia e Maria de Bath onde haviam passado uma temporada visitando seus pais e seus amigos. Maria contava os planos de seu casamento com um moço bem dotado e Julia a aplaudia pela escolha, apesar de ter um fio de ciúmes por perder sua companheira de farra. Edmund as ouvia com grande entusiasmo com os braços envoltos na cintura de sua futura esposa Mary. Fanny tentava não dar atenção a isso o que a fazia agradecer pela primeira vez em sua vida a companhia de Henry, irmão de Mary o qual era apaixonado por ela. Ela tentava se distrair com as perguntas supérfluas dele e concordava e discordava apenas quando era necessário sem dar nenhum incentivo para que ele continuasse.

– E como está a sua moradia – perguntou uma hora quando a conversa na mesa esfriara e todo mundo se virou para ouvi-los – Ainda morando naquele apartamento pequeno?

– Sim... Sim – as bochechas de Fanny ficaram vermelhas por ver tantos rostos virados para ouvir uma conversa que nunca lhe agradaria – Mas a vantagem é que é próximo de meu serviço.

– Oh! Claro – concordou prontamente Henry – Mas quando casarmos te darei a melhor casa que essa cidade oferecer e se minha querida não gostar, mudamos de cidade.

Fanny sentiu seu rosto esquentar mais que o costume e desejou haver um buraco abaixo de sua cadeira para puxá-la. Como ela não deteve esse comentário absurdo, Henry continuou mais animado que antes.

– Mas a casa também deve ser grande – falava – pois onde colocaremos nossos filhos? Quero dizer, quero ter uns cinco, mas se minha querida quiser menos, tudo bem. Eu farei tudo para lhe agradar.

– Henry, por favor – repreendeu Mary rindo – Vejo que devo tirar esse copo de whisky da sua frente para parar de encabular a querida Fanny. Vê que ela não quer planejar isso em público? Isso é assunto do casal em particular.

Maria e Julia riram e Fanny arriscou-se a olhar o primo. Ele a olhava com um olhar que Fanny nunca vira antes. Um olhar que beirava a admiração e o arrependimento. Sentia que não queria mais ficar ali, mas o assunto que continuou era sobre ela mesma. Maria e Mary ficaram a noite toda planejando um casamento que não ocorreria. Fanny não sentia nem uma vaga inclinação por Henry e sabia que nunca sentiria. Enquanto tudo isso ocorria, continuou olhando para as mãos que descansavam em seu colo e de vez em quando se arriscava com olhadelas na direção de Edmund e o mesmo continuava a fitá-la com seus olhos verdes e com o jeito diferente. Já desistira de abraçar Mary e entrava na conversa com alguns, “Claro” e “Isso poderia ser visto.”

Depois de duas horas de torturas, eles se despediram na frente do restaurante para grande alívio de Fanny. Henry pegara seu Civic e ofereceu a Fanny carona, apesar dela estar com seu próprio carro. Depois de algumas rejeições, ofereceu à Julia que aceitou rapidamente partindo com ele nas ruas movimentadas de Londres. Maria foi em seu carro e Mary dispensara o seu, já que iria passar a noite no apartamento de Edmund. Assim o grupo se fora e Fanny partiu tristemente para o estacionamento para pegar seu pequeno Kia vermelho.

Subira até o 14º andar de seu prédio com nenhuma vontade e arrastou seus pés até a porta de seu apartamento no final do corredor. Jogou sua bolsa na mesinha de centro e se jogou no sofá. Não tinha nem forças de ir para cama. Por que fizera isso? Por que não dissera um não quando suas primas a convidaram para ir hoje à noite, sabendo que Henry, Mary e Edmund iriam também. Mary e Edmund. Um casal. O casal que ela sabia que deveria desejar toda a felicidade do mundo, mas não queria isso. Queria ele para ela.

Ficou ali durante quase toda a madrugada sem conseguir dormir com medo que o pesadelo que passara aquela noite voltasse para atormentá-la, quando ouviu alguém batendo na porta do seu apartamento. Levantou em um susto. Olhou no seu relógio. Era 03h27min da manhã. Quem seria àquela hora? Bateram novamente.

– Fanny, você está aí?

Seu coração pulou para garganta. Era a voz de seu primo Edmund. O que ele queria com ela aquela hora? Não fizera ela sofrer no decorrer da noite? Não já era o bastante ter a feito ficar quase quatro horas de frente à ele abraçado com sua pior inimiga? Fanny varreu esses pensamentos repugnantes e foi abrir a porta. “Deve ser algo importante” tentou se reconfortar.

Abriu a porta. Lá estava seu amor. Edmund estava com as mesmas roupas que estivera no restaurante. Seu cabelo castanho claro cacheado caía um pouco sobre seus olhos. Sua aparência era de total abandono, mas quando Fanny apareceu na soleira da porta, seu semblante era de pura vida.

– Preciso falar com você – falou sem deixar Fanny pronunciar qualquer coisa – Posso entrar?

– Claro... Claro – Fanny respondeu desconsertada. Qual seria o assunto que não poderia esperar pelo outro dia? – Não quer se sentar?

– Não.

Fanny ofereceu alguma xícara de café ou chá. Ofereceu água, refrigerante, vinho e bolo, mas tudo em vão. Edmund continuava parado na sua frente sem sequer tirar o pesado casaco. Ele a fitava com o mesmo olhar do restaurante e ela não conseguiu deixar de olhá-lo também com grande preocupação e com grande vontade de agarrá-lo.

– Preciso realmente falar com você – sussurrou depois de alguns minutos de silêncio e grandes paixões florescendo no corpo de ambos.

– Então diga homem! – exclamou Fanny – Você está me deixando nervosa! – e parando sentindo seu rosto corar completou olhando para o chão – Me desculpe... Não quis ser grosseira.

Edmund riu à reação de Fanny.

– Sempre assim – comentou ainda com um sorriso estampado naquele belo rosto – Sempre preocupada em não magoar os outros. Como você consegue ser assim, tão maravilhosa, minha querida Fanny?

Fanny estava com medo de ter um ataque cardíaco ali, pois sentia seu coração acelerar e seu corpo esquentar mais ainda. Não respondeu a pergunta de Edmund. Ficou quieta ali por mais alguns minutos até ela conseguir perguntar educadamente.

– Cadê Mary? Ela não ia passar a noite com você?

– Iria – respondeu Edmund relutante – Mas eu não conseguiria passar a noite bem com ela com esses pensamentos que estão me assolando. Por isso precisava falar com você.

– E que pensamentos são esses?

Ele inspirou fundo e continuou em silêncio por alguns segundos fazendo Fanny tremer de ansiedade.

– Você vai se casar com Henry? – perguntou finalmente.

Fanny arregalou os olhos Aquela era a pergunta mais absurda que Edmund fizera à ela ao decorrer desses dezesseis anos. Ele, mais do que qualquer um, sabia que aquilo nunca ia ocorrer e ela queria que ele fosse a última pessoa que achasse isso. Abriu a boca para argumentar, mas não conseguiu. Sabia que se falasse algo, podia falar demais e magoá-lo.

– Eu te vi conversando a noite toda com ele – continuou Edmund – E depois vocês começaram a falar sobre casamento... Fanny, eu acho que ele não é pra você! Ele gosta de farra e você o viu indo embora com a Julia. Ele não vai dar o suposto valor que você merece... Não cometa o mesmo erro que eu...

Edmund parou de falar. Falara demais, mas no fundo não sentia nenhum ressentimento por ter falado aquilo no final. Sabia que era estranho, mas de um tempo pra cá, desde que ficara noivo de Mary, percebia que ela não era a pessoa que ele imaginara. Ela adorava criticar o outro para se sentir superior e para apaziguar os comentários fúteis tentava se mostrar humilde e caridosa para cuidar dos problemas dos outros. Edmund não achava isso certo, principalmente depois de uma semana que ficaram noivos, ela comentou que esperava que Fanny se casasse com seu irmão porque ela não tinha nenhuma qualidade para achar outro que a quisesse. Fanny era diferente, sempre humilde e sempre caridosa com qualquer pessoa, até aquelas que não mereciam tal elogio. Mary se enganara feio. Edmund queria Fanny. Ele a amava. Tinha deixado Mary em casa depois que saíram do restaurante, porque decidira colocar aqueles sentimentos na mesa. Mas antes tinha de saber se Fanny não tinha nenhuma inclinação para aceitar o pedido de casamento de Henry.

Continuaram em silêncio por vários minutos, até que Fanny falou com a voz entrecortada e os olhos cheios de lágrimas.

– Eu não estou noiva dele – falou com a voz embargada de emoção – E nunca pretendo ficar.

Fanny arriscou a olhar Edmund e seu coração bateu mais forte quase pulando para fora quando viu que Edmund sorria afetuosamente para ela. Não precisou mais nenhuma palavra da parte de ambos para concluir que eles se amavam. Edmund ergueu a cabeça de Fanny segurando seu queixo e com a outra mão acariciou as maçãs do rosto dela. A olhou com tal intensidade e depois tomou seus lábios com os dela. Um beijo perfeito para ambos. Trouxe Fanny para mais perto de seu corpo a segurando pela cintura. Fanny se entregou perdidamente a esse beijo e as lágrimas rolaram de emoção.

– Eu estava enganado – sussurrou Edmund afastando-se um pouco de Fanny para olhar aqueles belos olhos cor de mel – É você que eu quero. Não quero mais ninguém. Amanhã mesmo, terminarei meu noivado com Mary.

Fanny o afastou com as mãos.

– Você não pode – falou alarmada.

– Por que não? – Edmund sorria – Você não quer isso?

– Eu... Quero... Não sei – gaguejou e completando tentando ter firmeza na voz – Você é quase um irmão pra mim. Seus pais não aprovariam. Tia Norris ficaria desapontada comigo. Não posso fazer isso.

Edmund a olhava espantado, mas depois voltou à compostura e lhe direcionou a palavra com frieza. Como nunca antes.

– Então é isso? – perguntou.

Fanny assentiu relutante. Era o certo à se fazer...não era?

– Desculpe- me por ter agido dessa maneira – completou Edmund saindo pelo corredor e nunca mais voltara durante vários meses.

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– Sra. Taylor, pode ir embora – respondeu Edmund aos vários protestos de sua secretária – Eu só vou terminar de preencher esses formulários e já irei. Prometo.

Sra. Taylor o olhou relutante e se dirigiu a saída. Era sempre assim, Edmund dizia que já ia, mas virava a noite no escritório de advocacia. Não precisava de tudo aquilo, mas era o jeito que encontrara para ficar ocupado. Há três meses havia terminado o noivado com Mary e desde então ficara sozinho a maior parte de seu tempo. Sozinho com seus pensamentos. Pensamentos sobre ela... Fanny, o amor da sua vida que o dispensara por mero capricho de compostura. Ele sabia que ela faria isso, mas em alguns milésimos, ele teve esperança. Esperanças que o deixaram daquele jeito. Sua cabeça girava. Depois de tanta relutância, resolveu-se. Entrou em um e viu o trem que sairia mais cedo para o campo. Ficaria lá por alguns dias, talvez meses, anos. Talvez não voltasse, mas deveria tentar de tudo para esquecê-la. Ajudaria seu pai com o cuidado das fazendas e ocuparia o máximo possível sua mente.

Pesquisou por vários minutos, mas o único trem, só partiria daqui a dois dias. Esquecera-se que estava nos feriados de Natal, e muitos trens não saiam naquele tempo.

– Só faltava isso – resmungou, mas mesmo assim decidiu sair naquele trem. Daqui a dois dias, estaria viajando para longe do seu grande desejo e pesadelo.

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Fanny chegou um pouco tarde do seu serviço na livraria. Faltavam apenas alguns dias para o Natal e muitas pessoas faziam suas costumeiras compras. Jogou a bolsa na mesinha de centro e foi ver se tinha alguma mensagem na sua secretária eletrônica. A luz vermelha piscava. Apertou o botão para ouvir. O primeiro recado era de sua prima Maria perguntando se ela iria ser sua madrinha ou não com Edmund. Fanny se arrepiou ao pensar que teria de entrar na igreja de braços dados a pessoa que dispensara há três meses. O outro era o da sua tia Norris

– Fanny Price – exclamava – Você tem visto Edmund? O pai dele manda mensagens para ele e ele não responde. Já tentou falar com suas primas, mas nenhuma delas tem notícia dele há semanas. Ele terminou o noivado com Mary e você sabe o por quê? – ironizou Norris fazendo Fanny ir em direção ao telefone como se pudesse ver o rosto gorducho e grosseiro de sua tia pelas teclas – Porque ele se diz apaixonado por você! Por você Fanny... Vê se pode? Eu sabia que seria um erro grande ter você perto dele... Olha o que você fez?! Acabou com um casamento que seria perfeito pra ambos! – alguns segundos de silencio e sua tia voltou a ter um pouco de controle na voz – Enfim, isso não é mais necessário, já que amanhã ele parte pra Mansfield Park. Disse que vai tentar te esquecer, se é mesmo verdade que está realmente te amando - e completou mais pra si do que pra Fanny – Não é possível! Edmund e Fanny... Não, não!

O telefone desligara deixando Fanny atônita. Ele iria realmente embora por sua causa? Ela não conseguiu acreditar. Ele dissera a todos que a amava, então não devia ser mentira. Seu coração acelerou. Mas, já era tarde! Ele provavelmente estaria arrumando suas malas e não iria voltar. Ele já desistira dela, não queria mais ela, porque se quisesse, ele tentaria mais uma vez.

Mas, o coração de Fanny se despedaçou quando pensou nisso, ela o dispensara, ela não buscara nada, ela sempre o amou, mas sempre retraiu esses sentimentos. Fora ela que quis esse destino.

Fanny levantou-se e foi em direção a porta de seu apartamento. Não ia deixá-lo ir embora assim. Iria lutar por ele, mesmo que deixasse de lado seus princípios que na hora, não valia nada. Só valeu para sofrer todos esses anos.

Entrou em seu carro e saiu à noite em direção ao seu apartamento.

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Edmund estava separando os documentos que iria usar no outro dia de manhã quando bateram na porta de seu apartamento. Quem seria naquela hora tão tardia? Mas nem essa curiosidade o deixou ir atender a porta. Se fosse Julia ou Maria pedindo que ele ficasse, seria em vão. Ele já havia se decidido.

– Edmund? – perguntou a voz de Fanny.

O coração de Edmund acelerou e ele foi à porta e espiou pelo olho mágico. Era Fanny ainda com o uniforme da livraria. Ela estava apreensiva. Apreensiva de não encontrá-lo.

Edmund abriu a porta e ela sorriu para ele. Ele não conseguia dizer se estava mais feliz ou mais assustado.

– O... Que... Que você está fazendo aqui? - foi o que ele conseguiu dizer.

– Eu não posso deixá-lo ir, Ed – sorriu Fanny. O mesmo sorriso inocente que Edmund conseguira extrair há mais de quinze anos quando Fanny chegou a sua casa – Você é meu.

Fanny sorriu mais ainda ao perceber que não tivera nenhuma vergonha ao falar isso. Apenas expressou o que sentia por ele. Agora foi a vez de Edmund ficar encabulado. Nunca pensou que ouviria aquilo dela, mas se sentia o homem mais feliz do mundo. Conseguira o que queria. Conseguira Fanny. Ele a abraçou pela cintura e ela contornou seus braços em seu pescoço e ele levou seus lábios ao dela e a beijou com tanta ternura, tanto ardor, que o mundo poderia acabar ali, naquele momento.

– Eu sou seu – sussurrou Edmund em seu ouvido – E você sempre será minha.

FIM


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