Como se Tornar Completamente Irresponsável escrita por IsadoraFelix


Capítulo 3
E começa


Notas iniciais do capítulo

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22 de janeiro. Segunda.

Bem que Daniel me disse uma vez o quanto garotas do nosso país são gostosas. Para minha escola vem gente de todo o Brasil. Havia tantas garotas no estacionamento que nós mal sabíamos como escolher a melhor. Todas eram demais. Sentávamos ante o portão de ferro (mas grudadas as caras nele) mais próximo da secretaria. De lá dá pra ver a pontinha do estacionamento. Elas conversavam em bando, usando shortinhos e blusas apertadas, que deixavam as coxas e os peitos em evidência. Infelizmente poucas virão para os alojamentos aqui. A maioria será só alunas comuns. O sistema de "residência" tem cento e vinte e cinco vagas, das quais vinte, vinte e cinco são preenchidas por garotas. Tristeza. Os pais não confiam deixar suas menininhas morando aqui. Não os culpo. Os meus pais só me deixaram aqui porque se eu morasse sozinho seria pior. Essa é a ideia da minha escola: fornecer alojamento protegido, vigiado, para aqueles pais que precisam mandar o filho estudar em outra cidade, ou vivem viajando e não têm onde deixar o filho, etc.

Os fazendeiros, como o Diretor, criaram isto aqui. Como precisavam morar em cidade minúsculas e sem infra-estrutura, era necessário mandar o filho estudar sozinho em cidades grandes. Ao invés disso, criaram o alojamento em uma cidade média, mais perto, mais barata, e funciona.

Mas, voltando às garotas. Daniel é meu amigo de mais longo tempo. Conheci-o logo após Átila. Ele tem cabelo quase loiro e olhos castanhos. É da minha altura, tem o mesmo corpo (apesar de que eu nunca admitirei isso, sempre competimos para ver quem é mais forte) e é um pouco mais moreno. Ele sim é mau. Por exemplo, hoje. Ao invés de continuarmos sentados, apreciando a vista, ele pulou no portão e passou a escalar. Segurou firme nas barras, apoiou os pés nelas e começou a subir. Quando atingiu o topo, de uns dois metros, debruçou-se e olhou para baixo, para mim. Eu continuava sentado, minha mão reta em minha testa, para fazer sombra em meus olhos. O sol quente nos fazia suar, parecia fustigar todo o ambiente, nenhuma sombra restava.

– Você não vem? - perguntou como um convite irrecusável. Estava meio rosado graças à força que fazia para se equilibrar. Eu me coloquei de pé, ainda observando-o com a mão na testa.

– Não sei, cara, esse portão não vai nos aguentar.

– Anda logo, porra. - disse, virando-se pra frente. Mirou uma das garotas mais feias, que passava com sua mãe, e assobiou.

– Gata, lindeza, vem cá! - bradou. Eu observei a menina. Ela o olhou instintivamente por um segundo, mas, percebendo ser zombaria, corou e fitou seus pés. A mãe da menina fuzilou Daniel, que ria alto, com o olhar. Elas continuaram andando, a menina ainda cabisbaixa.

– Velho, ela vai contar pro Sargento e a gente vai se ferrar. - eu disse, indiferente. Ele só deu outra risada.

– Foda-se ele. - falou enquanto, segurado pelos cotovelos, pôs as mãos em volta da boca, num mecanismo para ampliar o som, e berrou para outra menina horrível, mirradinha: - Gostosa!!

Continuou assim por uns minutos até que Thiago, o capitão, apareceu por lá. Ele andava apressado, pisava duro, bravo como sempre. Parecia perdido em pensamentos, mas Daniel, o idiota, gritou "gordona!" no segundo em que ele passava. Se não fosse por isso, não teria nos notado. Mas muito pelo contrário, virou o rosto, nos viu lá e sua cara ficou vermelha de raiva, o mais vermelha que uma cara morena como a dele fica. Se aproximou, gritando:

– O que vocês estão fazendo aqui?? Se a Companhia toda não estiver no auditório, nós perderemos pontos. Se nós perdermos pontos, suas caras vão ganhar alguns vindos do hospital! Daniel, desça daí neste segundo!

Por impulso, Daniel desceu em um pulo. Parecia já estar preparado para ser pego. Revirou os olhos para Thiago, que começou um sermão, e se pôs a andar, em direção ao auditório. Eu os segui.

Nós entramos em um corredor externo em direção ao leste. Andamos por algum tempo, atingimos um dos pátios de paralelepípedos, cercado de quadrados de grama e blocos de salas iguais, todos creme, quadrados de três andares. Pegamos mais um corredor externo, dessa vez para norte. A escola toda segue esse padrão. Saímos em outro pátio e encontramos o auditório.

No primeiro dia sempre há malas espalhadas, pais preocupados, monitores, guardas e novatos perdidos. Pobres coitados. Entramos no bloco maior que trazia portas de madeira escancaradas. Pessoas entravam e saiam. O salão principal dali é o centro de eventos da escola. Pode suportar mil pessoas tranquilamente. Lá é enorme, mesmo. As paredes são brancas e repletas de janelas gigantes de dois metros de altura e uns dez de comprimento. O chão é de granito preto, o que faz as luzes do teto refletirem e parecerem estar ali, prontas a serem pisoteadas.

Perto das paredes haviam muitas mesas, uma ao lado da outra, com cartazes atrás, sinalizando o lugar. Alguns diziam "apoio ao aluno", "informações". Nós seguimos até nossa área, onde o cartaz dizia "alojamentos". Fomos à nossa mesa, "Companhia 3". Ao lado, todas as outras Companhias, nossas rivais.

Só deixaram cinco cadeiras em nossa mesa. Sendo assim, os "oficiais", que são os alunos-chefes, aqueles com mais méritos e mais poder, tomaram os lugares para si sem hesitar. Nós, a ralé, ficamos em pé atrás. Vinte e cinco vagas por Companhia. A nossa havia espaço para a entrada de oito garotos.

Durante todo o dia, brigamos com as outras Companhias e tentamos não assustar demais os pais dos novos meninos. Ao final, os sete pobres coitados e assustados garotos foram selecionados até o fim do dia. Deveriam ser oito, mas Daniel deu um jeito em um dos garotos. Ele estava perdido, indo em direção a nossa mesa. Daniel me puxou e fomos até ele.

Ele era baixinho, caipira, pele oleosa e da sua cara explodiam muitas espinhas. Daniel o olhou com desprezo e disse:

– Você não deveria estar aqui!! - esbravejou, severo, sobrancelhas juntas, quase com um biquinho de irritação. Inflou o peito, dando um passo à frente. Eu cruzei os braços e o imitei. O menino se encolheu mais ainda e engoliu em seco:

– O quê...? - murmurou, quase inaudível.

– Isso mesmo, já era pra você estar no seu quarto. Está quebrando as regras estando aqui! Sinto muito, mas você será punido. - disse, sem hesitar o tom. O menino, quase zonzo, quis falar, mas seu queixo tremia tanto que não podia. Era só um menininho de uns onze anos assustado.

Ele então fez o impensável. Começou a choramingar e correu pra mamãe, que falava com Sargento. Abraçou a perna dela, tremendo ainda. Daniel e eu saímos de perto, passos rapidíssimos antes que Trevor visse-nos, fingindo que não sabíamos de nada. Voltamos para a mesa e chegou a hora de irmos para o quarto. O menino não voltou.

Ah, Trevor.

Nosso chefe máximo depois de Diretor. Ele é nosso responsável, já que nossos pais não estão aqui. Chama-se Trevor Moore. Ele tem mais de cinquenta anos, talvez mais de sessenta, sei lá, cabelos curtos e grisalhos, quase 1,90m de músculo (como sendo velho? eu não sei.). Ele é da Inglaterra e, diferentemente do que você possa imaginar, ele é legal. Nunca o ouvi xingar ou ser humano. O apelido dele é Sargento, imagine o motivo.

Ficamos com os remanescentes, Thiago nos organizou, como sempre, e fomos andando para o quarto. As Companhias sempre andam juntas e comportadinhas, caminhando com a massa. Átila foi ao lado de Thiago, andando de costas para poder ficar cara a cara com os novatos. Ele citava os vários motivos para dormir na escola ser bom.

– Sexo fácil. Vocês verão. Os meninos que se interessarem por cavalheiros - deu uma risadinha conspiratória antes de continuar, já nós urramos - digamos que não terão problemas com isso. Já os que, infelizmente, gostam de damas saibam, ali - apontou para um bloco - fica o único dormitório feminino. Como podem ver, os cavalheiros que gostam de cavalheiros têm vantagem.

Nós rimos novamente. Os menininhos, talvez não acostumados, continuaram sérios.

Paramos de frente ao nosso alojamento. Um bloco de dois andares, também creme, bem localizado a frente do pátio central, o da bandeira. Alguns novatos já tinham se enturmado àquele ponto. Um garoto, Haroldo, entrosado, já contava a história da vida dele. Os pais de Tocantins precisaram se mudar para o Sul e era mais fácil deixá-lo aqui. Fora expulso de sua antiga escola. Jander se vestia como um caubói. Usava uma camisa xadrez, calça jeans e botina. Na primeira oportunidade começou a cantar, nos fazendo rir.

Nós entramos. Eu tinha uma vaga em meu quarto, mas, como eu sou muito esperto, ao invés de ficar lá embaixo, torturando os novatos, eu fugi. Os novatos foram distribuídos e eu fiquei sozinho! Parece que o ano começou bem.


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Notas finais do capítulo

:D