O susto de saber que uma pessoa louca estava solta era terrível, a mera possibilidade de ela querer vingança era de arrepiar os cabelos, mas quem poderia imaginar que uma ex professora de Frances e ex presidiária seria uma mestra nos disfarces, capaz de se vestir de manicure, uma manicure de anos somente para se vingar de uma aluna a qual ela odiava?

Lucia foi capaz disso, foi capaz de matar com uma ajudinha a manicure de Fernanda, pegar seu macacão e se vestir com ele,se disfarçando de tudo e de todos somente para chegar a um lugar, aquele mesmo lugar onde seus sonhos poderiam ter se tornado realidade mas ao invés disso se tornaram um pesadelo, uma criança, uma menina, e um fim de uma paixão que para muitos não era nada mas que para ela era o sonho que se tornou o pesadelo.

*

Quando acordou Fernanda não sentia seus braços nem suas pernas, sua cabeça doía de uma forma incrivelmente mortal e seus olhos lacrimejavam como se tivesse pimenta dentro deles, sua visão estava turva e ela só conseguia enxergar um borrão de macacão jeans e botas de borracha, logo depois sentiu realmente o mundo desabar totalmente enquanto sua cabeça clamava de forma desesperadora por uma aspirina.

Quando voltou a erguer os olhos, olhos negros como a noite a encaravam e bem no fundo Fernanda jurou que podia ver chamas vermelhas de ódio, chamas de loucura, chamas simplesmente de raiva, sua cabeça foi brutalmente erguida de forma a força la a olhar no fundo daqueles olhos que a davam medo, quando uma voz a despertou de sua sonolência e a assustou ainda mais:

–Olhe para mim sua idiota, estou lhe mandando olhe para mim.

Fernanda finalmente havia recuperado sua maravilhosa visão e seus olhos castanhos claros como os de sua mãe, encararam olhos negros com chamas vermelhas, sua professora de Frances estava na sua frente e parecia mais do que zangada, sem lembrar-se de muita coisa disse:

–O que aconteceu? Onde estou? Porque está aqui?

–Oh pobrezinha, a menininha de olhos de madeira não está entendendo nada! Zombou a professora – Quem sabe se eu te fizer isso – Lucia deu um tapa na cara de Fernanda – Você lembra onde está.

O tapa foi tão forte que dedos ficaram no rosto de Fernanda, vermelhidões horrorosos, Fernanda derrepente se lembrou de onde estava e do risco que corria com aquela assassina na mesma casa com ela.

Mesmo um pouco tonta,Fernanda ouvia as risadas histéricas de Lucia ao telefone, sentia seus tapas, arranhões, mordidas, socos e chutes, no prazo de um dia, Fernanda já estava com machucados piores do que de muitas pessoas que sofreram acidentes leves.

Como se as agressões não fossem o suficiente,Lucia ainda bebia e comia com tanta abundância e jogava na cara de Fernanda toda suja os restos, os ossos como se fosse um animal,Fernanda estava tão judiada que quem a visse no estado que se encontrava nunca iria reconhecer a Fernanda, sempre cheirosa, bonita, bem arrumada com um livro na mão, magra mas não esquelética, cabelos sempre penteados e rosto sempre bem lavado, com a mesma roupa suja e esfarrapada pelas agressões a dois dias, com fome e com muita sede, vermelhidões e feridas ao ar livre,Lucia não era só mais uma mulher em busca de vingança, ela estava louca, pirada, Fernanda não aguentaria muito mais tempo naquele estado.

No terceiro dia de cativeiro, Lucia deu um pouco do que comer e do que beber justificando que queria ela mesma matar a menina e não deixar que a fome e a sede fizessem isso, porém mesmo muito machucada, inchada, sangrando, Fernanda percebeu um pouco mais de tensão na sequestradora e somente mais tarde foi descobrir que havia policiais,curiosos, seus parentes e seus amigos, todos estavam lá fora, negociando com Lucia pela libertação de Fernanda.

Na noite do terceiro dia, após Lucia ir dormir, Fernanda foi mais inteligente, pegou uma faca que fora por acaso deixada lá e cortou a corda que a prendia, louca de fome e sede, comeu e bebeu finalmente de forma humana, até pensou em se limpar e curar os ferimentos mas sabia que seria impossível naquele momento escapar,Lucia estava com as chaves, então olhou de relance na janela, a movimentação continuava com faróis, barracas e carros policiais com sirenes,Fernanda passou a noite rondando a casa sempre de olho em Lucia, na chegada do amanhecer, jogou aquela corda cortada no lixo e pegou uma nova que amarrou nela e na cadeira de forma mais frouxa e fácil de desamarrar.

Após o farto café da manhã de Lucia esta fez um roteiro diferente, pegou uma cadeira de madeira e arrastou para frente de Fernanda que se interpretava indisposta e louca de fome e sede, esta pegou com a mão a cara da inimiga e a fez olhar novamente dentro de seus olhos, enquanto dizia:

–Hoje saiba que é o seu último dia nesse mundo minha cara, então vou aproveitar para te contar um conto de fadas que poderia ter um final feliz para sempre:

Era uma vez um jovem casal de 20 anos, um menino e uma menina que se amavam muito, durante uma noite de tempestade, o menino chegou para a menina e disse que tinha um novo amor, ela se agarrou nele e chorou mas ele os separaram e disseram que não foram feitos um para o outro, a menina no outro dia viu o seu ex namorado com uma belíssima garota de cabelos e olhos castanho madeira, um dia louca de raiva ela empurrou a garota no meio da rua quando um caminhão estava passando, infelizmente um senhor enxerido viu e salvou a menina, cinco anos depois essa menina se casou com o menino, e durante uma noite quando o menino, agora um homem voltava do trabalho, a menina sofrida, agora uma mulher o agarrou e o beijou e falou

–Por favor, largue sua esposa, venha comigo, eu posso te dar tudo o que você quer.

O homem recusou e disse que ele não a amava, que amava sua esposa, que sentia nojo por ela e repulsa e que mesmo se desejasse a moça ele não seria irresponsável de deixar sua filhinha sem pai.

A menina se enfezou e jurou vingança.

–E agora essa vingança está acontecendo com a menininha.

–o Que?

–Exatamente o que você ouviu, eu fui namorada de seu pai, você foi a culpada por ele não deixar a sua mãe de fugir comigo, você é uma imbecil, essa tarde você vai morrer, seus pais vão cair e eu vou me elevar, eu vou me erguer sobre todos que me desprezaram.

Aquela mulher não era só má, era louca, descontrolada, Fernanda não poderia ficar lá nem por mais uma hora, qualquer palavra que sairia de sua boca poderia ocasionar um tiro desnecessário e uma vida perdida – a sua vida .

Então quando Lucia foi para o quarto dar um telefonema ``anônimo ´´ para os pais da menina, esta aproveitou e tirou as cordas, entretanto, Lucia voltou antes do previsto e a viu, sem escolha, Fernanda precisou utilizar de suas habilidades ginastas, ela pulou para o parapeito escapando por um milímetro de um tiro,quando viu que Lucia pulou atrás dela e dava um tiro atrás do outro, ela começou a se desviar rapidamente com cambalhotas ou arrastões, em mais de uma vez quase caiu de uma altura maior que sete metros mas sempre se equilibrava.

As pessoas lá embaixo estavam desesperadas, não podiam fazer nada além de assistir aquela mulher e aquela garota tentando sobreviver lá do alto.

Depois de dez balas atiradas, a arma perdeu sua função e vendo que seu objeto de poder não funcionava, Lucia jogou ele lá do alto fazendo com que se espatifasse no chão e atingisse um monte de pessoas com estilhaços, Lucia louca partiu para cima de Fernanda que agarrou por acaso uma barra de ferro em cima de sua cabeça e subiu nela no ultimo instante, sem capacidade de frear, Lucia escorregou no parapeito e caiu, ninguém teve a mínima possibilidade de salvar aquela vida, mesmo porque foi ela que se possibilitou aquilo.

Fernanda subiu pela janela de seu prédio, a essa altura sua porta de entrada já estava arrombada pelos policiais e uma multidão com pais preocupados, amigos histéricos e uma vó coruja invadia aquele apartamento, nunca se viu tanto alvoroço naquele prédio desde a descoberta que o cara de baixo tinha uma amante.

Após se arrumar vestir uma roupa nova e já estar em sua imensa sala de jantar almoçando com seus pais, os amigos, a avó e todos que ela amava, ela saiu por um instante e foi até o seu quarto onde se ajoelhou ao lado da cama e pediu como uma boa pessoa:

–Senhor, eu peço que perdoe a alma de Lucia e que finalmente ela possa ter uma outra vida tranquila sem perturbações. Amém!

Ela sentiu como se um peso tivesse sido tirado de suas costas e quando uma brisa esvoaçou os seus cabelos ela pode jurar ter ouvido:

–Obrigada e me desculpa!

Fernanda sorriu e uma lágrima caiu de seus olhos, ela se sentia revigorada e voltou a sala de jantar, com um sorriso no rosto.