A Realidade da Melancolia escrita por Mrs Confusion


Capítulo 1
Capítulo Único (One shot) – Arritmia.


Notas iniciais do capítulo

É a primeira oneshot que escrevo, e a primeira história do gênero que publico.
Espero de verdade que gostem.
Agradeço qualquer tipo de comentário, afinal, tudo é aprendizado.
Um beijo pra vocês :3



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Acendia um cigarro após o outro, afinal, não havia muito pelo que viver. Sentia seu coração acelerar de forma absurda a cada tragada que dava, mas gostava da sensação de sentir que estava morrendo.

Já faz algum tempo desde que se sentiu vivo: Odiava admitir, mas a perda do grande amor de sua vida estragou sua cabeça. Mas também, como não estragaria? A guria partiu sem sequer dar alguma satisfação.

— Eu não amo mais você. Não me procure, o estrago já foi feito.

Isto foi tudo o que ela disse. Friamente, "na lata". O coitado mal soube como responder. Mas que estrago? E por que não amar? Eram um casal de estabilidade, estavam juntos há cerca de três anos. O coitado, inclusive, tinha as alianças de noivado já compradas. O que fizera de tão errado? Ele a amou com todo seu coração. Foi a primeira e única em sua vida.

E olha que ele tinha chances de crescer na vida: Rapaz bonito, alto, cabelos ondulados e belos olhos cor de mel. Deixava a barba por fazer, usava óculos vintage e mesmo que colocasse as primeiras roupas que via em seu guarda-roupa, se vestia extremamente bem. Não importa o lugar aonde vai, as garotas sempre estão a observá-lo. Muitas delas lindas, decentes, com boas intenções. Algumas até com vontade de apenas conhecer e criar um laço amigável. Era misterioso, não havia como não chamar atenção.

Mas era triste, e tudo o que esperava em sua vida era o dia de sua morte. Sentia ter perdido a vida no momento em que perdeu sua garota.

Acendeu um cigarro antes mesmo de levantar-se da cama e quando terminou, foi direto ao chuveiro. Pela primeira vez na semana não esqueceu de tirar sua regata e samba-canção antes de entrar no banho. Esta era a hora do dia em que mais pensava, embora não prolongasse muito devido à vontade de fumar. Mas, de qualquer forma, dadas as circunstâncias, não era lá muito bom parar pra pensar. Sua vida estava uma merda.

Perdera não só sua garota, como perdeu todos seus amigos e familiares próximos devido à depressão e ao fato de que mudou de cidade. Não tinha nada. Era um ninguém. Mal lembrava de seu próprio nome.

— Mike! Bom dia! – Até o momento em que algum conhecido o chamava.

— Bom dia Rob. – Era seu chefe. Tentava o entusiasmar da melhor forma possível, afinal, Mike era um de seus melhores funcionários. Oferecia promoções e aumentos de salários regularmente. Estas eram aceitas quando o garoto achava necessário.

— Como estás hoje, rapaz?! Bora pra próxima reunião?! – Reunião... Que negócio desanimador. Sentar à frente de vários superiores entediados que não são capazes de terem alguma ideia para empresa. Mas era por isso que estava ali. Mike não pretendia crescer na vida, embora conseguisse sem esforço. Ele só queria dinheiro para comprar cigarros e suprimentos. Nada mais.

— Estou como sempre. Sim, bora. – Mike geralmente não sorria, o que de certa forma frustrava seu chefe.

Trabalhava em uma empresa de informática. Criava programas inovadores, até porque, não tinha mais com o que ocupar a cabeça em seu tempo livre.

Até tinha, mas preferia não mexer com fantasmas do passado. Sua namorada fora uma vagabunda no último dia que namoraram, mas antes disso seu namoro havia sido como um romance de filme: Se conheceram jovens, aos 17, no primeiro ano da faculdade. Ele fazia Informática, ela fazia Publicidade. Tinham amigos em comum, e foi algo como "amor à primeira vista". Ela era linda: tira cabelos ruivos naturais e, como uma ruiva autentica, tinha a pele clara, cheia de sardinhas, que ficava avermelhada com a maior facilidade do mundo. Seus olhos eram de um verde forte, e a guria tinha um corpo de invejar qualquer garota. Se tornaram bons amigos, mesmo que apaixonados um pelo outros. Permitiram-se namorar quando chegaram aos 20 anos, no último ano da faculdade de ambos. O destino os unira, e não parecia que iria separar um dia. Foi a primeira vez que Mike amou, e teve seus nervos à flor da pele, além das borboletas no estomago, do começo ao fim. Ela o fazia delirar. Eram um casal diferente, até por serem muito amigos. Brigavam de vez em quando, algo bobinho no máximo uma vez por mês. Brigas estas que acabavam da melhor forma possível: com um beijo quente que geralmente os levava à cama. Eles nunca tiveram problema algum: nem de ciúmes, nem de ter que trabalhar longe, nem de suspeita de gravidez, nada. Chegaram a morar juntos: alugaram um apartamento assim que fizeram dois anos de namoro. Viviam como casados, mas ainda com o pique que jovens de 17 anos têm para namorar. Assistiam filmes, estudavam, bebiam e jogavam video-games juntos. Mas em sua última semana, naquele sete de abril, as coisas mudaram.

April chegou em casa estressada, fora de si. Chorava como um bebê, chegou a soluçar. Mas Mike não havia chego. Estava fazendo um plantão em sua empresa.

— Mike, amor, você não vem pra casa? – Disse a garota, ao telefone.

— Eu irei amor, só tenho que terminar uma configuração. Você está bem? Aconteceu alguma coisa? – April jamais conseguira esconder algo de seu amado, era impressionante sua capacidade de percepção.

— Só.. vem pra casa, tudo bem?

— Certo, estou a caminho.

O rapaz largou tudo o que estava fazendo e pegou o primeiro táxi que avistou a caminho de sua casa - pegar ônibus seria demorado, tendo em vista que percebera que o estado emocional de April não era dos melhores. Ao abrir a porta, viu-a jogada no chão, branca como uma folha de papel.

— April! - Gritou, enquanto corria a seu caminho. A pegou no colo e levou-a ao banheiro, aonde daria um banho quente para ver se acordava. Mas não aconteceu, embora estivesse com pulso.

Não podia fazer nada além de chamar ao socorro. Era formado em Informática, e não em Primeiros-Socorros, Enfermagem ou o que quer que fosse. Enquanto a ambulancia não chegava, deu tapinhas no rosto da moça, jogou água, chacoalhou, e nada aconteceu. De nada podia fazer a não ser vesti-la com roupas secas e quentes e esperar para que sua ajuda viesse.

— Após os exames, tenho a constatar que não há nenhuma irregularidade no corpo de sua namorada. –Disse o médico, após horas de espera. – Creio que tenha sido psicológico. Um ataque do pânico. Você tem ideia do que pode ter acontecido?

— Não. – Respondeu o rapaz, hesitante. – Posso vê-la? Ela acordou?

— Claro. Ela está "devagar" devido à medicação, mas está acordada. Ela ficará contente ao te ver, chamou seu nome quando acordou.

Mike tentou sorrir, mas não conseguiu. Seguiu os comandos do Doutor até o quarto em que a garota estava. Assim que entrou, a viu de forma que nunca havia visto antes: parecia doente, mas alguma doença grave, embora o médico tenha dito que foi nada mais do que um problema psicológico.

— M-Mike? – Disse a garota, baixinho, ao ver seu amado na porta. – É você?

— Sou sim, querida. – Disse enquanto caminhava a seu caminho. – O que aconteceu? O médico disse que foi uma síndrome do pânico.

— E-Eu não.. sei... – Estava fraca até mesmo pra falar. O rapaz se negava a continuar com aquele diálogo. Seria cansativo demais pra ela.

— Durma, meu bem, e amanhã estará melhor. – A colocou ao canto da cama, de forma que pudesse deitar ao seu lado. Colocou-a com a cabeça recostada sobre seu peito, e a observou dormir a noite inteira.

Alguns dias depois, April melhorou com a ajuda de Mike, e fez o que fez.

Era uma tarde cinza de inverno (sim, dos piores dias, aqueles extremamente melancólicos), Mike estava em seus escritório quando April entrou com malas às mãos.

— Ué, vamos viajar e não estou sabendo? – Disse, sorrindo. Provavelmente o último sorriso que daria em um longo tempo.

— Não, Mike, estou indo embora. Fique com o apartamento.

— Como assim? Pra onde? Quando? Com quem? –Respondeu assustado, agora sério, levantando da cadeira.

— Isso é assunto meu. Eu só... Eu só não posso continuar com isso.

— Com isso o que? Você poderia ao menos me dar uma explicação! Estava tudo bem. ESTÁ tudo bem!

— Mike, querido, eu só... Não amo mais você. Não me procure, o estrago já foi feito. –Disse, e em seguida saiu, fechando a porta. O coitado do Mike ficou imóvel, sem reação, por um longo momento.

A garota uma vez amada apagou todos os seus números de telefone, endereços de e-mail, excluiu suas redes sociais. Sumiu da face da terra sem dar ao menos uma explicação.

Não era à toa que Mike estava tão desolado. Não era à toa que Mike adiantava o dia de sua morte fumando de dois a três maços de cigarros por dia. Ele apenas não tinha por quê viver. A razão de sua vida se foi, e levou sua alma consigo.
É incrível a forma como um amor consegue mexer conosco. Muda nossa cabeça, muda nosso coração, muda a forma como enxergamos as coisas.

O único desejo de Mike era o de um dia encontrá-la e pedir alguma explicação para que pudesse continuar com sua vida. Não aguentava viver com assuntos inacabados. Principalmente este.

Mas isso era aparentemente impossível.

Já fazia um ano desde o ocorrido, Mike estava com seus 24 anos de idade, acabando com sua vida de todas as formas possíveis. Além de fumar, tomava doses a mais de seus anti-depressivos ou de qualquer remédio que precisasse tomar. Bebia até cair, e aceitava tudo o que lhe ofereciam, mesmo sabendo que poderia ser alguma droga. Perdeu a noção do que é viver, amar, ser amado, ter amigos e coisas do tipo. Para ele nada mais importava, desde que acabasse logo. Começava o dia pensando em como terminaria. Continuava a seguir sua vida esperando que esta também viesse ao seu fim o quanto antes.

Era mais um dia como outro qualquer. Mike seguiu sua rotina de acordar, fumar, tomar banho, fumar, se arrumar, fumar, e ir ao serviço fumando no meio do caminho. Era um tanto quanto triste ver um rapaz com tanto potencial se acabando aos poucos.

Mike deu um grunhido, e se encolheu devido à dor no peito –aquela arritmia, sensação boa de estar morrendo aos poucos o pegou com força desta vez –. Uma dor insuportável, que fez com que o rapaz caísse no chão. Não demorou muito pro socorro aparecer.

—Me deixem! Não vou ao hospital há um ano! Não preciso de nada tratamento nenhum! – Exclamou aos paramédicos, porém em vão. Ele mal conseguia gritar de tão fraco que seu coração estava, e ao confundir as luzes do corredor do hospital com o paraíso, deu seu primeiro sorriso verdadeiro dentro de um ano.

Ilusão.

Mike acordou no quarto do hospital e sentiu aquela angústia impertinente ao perceber que estava vivo.

— Como você consegue ter um ataque cardíaco aos 24 anos de idade? - Uma voz feminina, soava familiar. O rapaz abriu bem os olhos e olhou por toda a extensão de seu quarto, até chegar na janela ao seu lado. Era ela. Aquela guria que o rapaz amava com todo seu coração.

—A-April?! – Seu coração acelerou tanto que Mike estava prestes a ter outro ataque cardíaco.

— É. Sou eu. – Fria como uma pedra.

— Deus, o que você pensa que está fazendo aqui?! – Disse com toda a força que ainda lhe restara.

— Eu vim te contar uma coisa. O por quê de ter feito o que fiz há um ano atrás. E, antes que me pergunte, te encontrei ao acaso. Aparentemente ainda sou seu contato de emergência, e creio que estava lhe devendo essa.

— Deus! Diga logo o que tem a dizer!

— Tudo bem. – A garota fez uma breve pausa. – Certo. Eu tive um caso enquanto estávamos juntos. Eu estava bêbada, foi só um beijo, mas eu não conseguia viver com isso vendo-o todo dia e amando-o tanto. E o pior: sendo amada da mesma forma que o amava. E, no dia do hospital, ah, foi tudo uma grande mentira. Tanto eu como os médicos e toda a minha família mentimos pra você. Não foi síndrome do pânico merda nenhuma! – Outra pausa, dessa vez mais longa que a anterior. – Eu estava doente, Mike. Uma doença incurável, inoperável. Eu não conseguiria viver ao seu lado com isso, não conseguiria fazer com que sofresse tudo isso em vão, ainda mais depois do que fiz. E...

— Espera aí. – O rapaz a interrompeu sem hesitar. – Está me dizendo que terminou comigo e me fez passar por tudo isso para esconder uma doença?! Porra April, eu te amava! Eu te amo! Você achou o que?! Que eu não aguentaria?! Que eu te largaria?! Espero que esteja curada mesmo. E espero que não queira voltar, porque agora eu só tenho uma coisa a dizer. – se levantou e foi até o lado da garota, e sussurrou em seu ouvido: – Eu estava certo sobre você ser uma vagabunda. Agora sai da merda desse quarto antes que eu mesmo o faça.

A garota ficou paralisada, mas por fim o obedeceu. Será mesmo que esperava ser perdoada? Por ter feito uma idiotice dessas? Mike não sabe, e nem quer saber. Queria apenas fumar mais um de seus cigarros, apesar da dor no peito.

Jogara um ano de sua vida fora, e talvez o resto dela. São poucos os que sobrevivem a um ataque cardíaco desses, ainda mais quando tão jovens. E tudo isso para no final apenas descobrir que o tal do amor da sua vida era uma puta egoísta.

A vida é mesmo uma ironia! Vivemos pelos outros e esquecemos de que temos nós mesmos aqui. E agora não lhe restava mais nada. Mike não tinha nada, e nem ninguém. Não que fizesse questão de ter.

E só lhe restavam alguns sopros, ele sabia disso. Por quê não adiantar?

Estava há cerca de 20 metros do chão, era um andar alto. Por quê não pular? Seria divertido antes que perdesse todo o oxigênio e se espatifasse no chão. E saber que April poderia ver de perto aquela cena assustadora era acolhedor.

Mike parou para pensar, viu toda sua vida passar diante de seus olhos. Amizades que fez e desfez, tudo o que conquistou profissionalmente, e esse último ano que o destruiu. Não tinha mais como seguir, não evoluiria mais. Permaneceria pra sempre ali, no mesmo lugar, com aquela mesma rotina insignificante.

Se soltou. E riu como nunca rira anteriormente. Estava voando, estava à caminho da liberdade. Liberdade. É isso mesmo! Ele não se prenderá mais a ninguém e não sofrerá mais por ninguém. Não acabará com sua vida de forma melancólica, já que estava terminando feliz – seu sonho de infância era voar.

E se foi, com um sorriso no rosto. Se foi como pássaros que estão sempre mudando de habitat devido ao clima. – Era tempo de mudança, exatamente! Mudança.

Se foi, e enfim descansou em paz, após esta vida repleta de melancolia.


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Notas finais do capítulo

Não se esqueçam de comentar e etc etc.
O maior prazer de um escritor é ver o reconhecimento do seu trabalho ;)
Em breve mais histórias como essa pra vocês.
Fiquem em paz.



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