Shirogane estava sentado na janela do quarto de Akira, os cabelos, agora soltos, balançavam com a suave brisa que vez por outra entrava. Ele voltara apenas há alguns dias, depois de 8 anos no mundo das sombras, e até agora quase nada havia sido dito sobre o que acontecera no passado. Mais especificamente no passado dos dois juntos.

Akira atualmente morava em um apartamento afastado do centro, trabalhando como freelancer. Kengo havia se mudado junto com Kou para os EUA, Akira não explicara muito bem, mas parecia que havia algo entre os dois, algo mais que apenas amizade. Aya morava por perto e dava aulas em um colégio das redondezas.

Akira havia mudado muito pelo o que percebera, não só física mas também psicologicamente, tornara-se mais silencioso e observador, raramente falava com alguém se este não lhe dirigisse a palavra. Vivia recebendo visitas, as quais raramente dava atenção, diferentes homens e mulheres passeavam pelo apartamento diariamente, a única que ainda não havia vindo visita-lo era Aya, em consequência disso, Shirogane ainda não havia visto-a, ele não tinha saído do apartamento, não queria sair do lado de Akira, não depois de tanto tempo. O moreno agora usava apenas sua forma Rei, utilizando de um feitiço para viver entre os humanos. Ao que parecia, depois de Shirogane ter retirado-se ao mundo das sombras, uma árdua batalha ocorrera contra os kokuchis, muitos outros humanos se envolveram e muitos outros Reis haviam sido despertados, o caos total se espalhara pelo Japão durante algumas semanas. A maioria envolvida no conflito morrera, Kengo foi ferido gravemente durante a batalha, se não fosse por Kou teria morrido.

–Você, por acaso, não dorme mais?

A voz conhecida que lhe tirou de seus devaneios quase o fez cair para fora da janela. Tentando recompor sua compostura abalada pelo susto, pôs-se de pé rapidamente, de frente ao rapaz. Akira, de fato, havia mudado muito fisicamente, agora era da sua altura, os cabelos negros na altura do ombro mantinham-se inabalavelmente bagunçados, a pele estava sempre bronzeada e os olhos vermelhos costumavam ser disfarçados por lentes verdes, para não causar estranheza aos humanos.

–Akira-kun... Acordou?–Shirogane perguntou, recostando-se na parede.

–O frio me acordou.–respondeu simplesmente, sem nenhuma exclamação, nenhuma variação de voz, era assim que vinha se comportando.

–Ah sim!–exclamou, voltando-se rapidamente para a janela, tentando em vão fecha-la.

–Não fecha. Quando vai voltar?

Shirogane surpreendeu-se com a pergunta, era a primeira do gênero que o outro lhe dirigia, na verdade aquela era, possivelmente, a primeira pergunta que este fazia. Mas o que significava aquilo? Voltar aonde? À que?

–Quebrou a janela.–Akira falou, cruzando os braços.

–Ah... É verdade... Sinto muito–Shirogane murmurou, olhando para o batente estraçalhado, enquanto inconscientemente tentava livrar-se das farpas na mão esquerda.

–Tudo bem.

Desde quando Akira mudara tanto? Mesmo que tivessem se passado 8 anos. Não, de fato, foi um longo período, não esperava que tudo continuasse da mesma forma, a única coisa que não esperava era aquele... Aquele nada. Aquela falta de expressão, de movimentos, de emoção. Isso era completamente o contrário do garoto que ele conhecera e que o encantara daquela forma! Seria possível que o motivo daquilo era que ele despertara completamente como um Rei? Era vero que a realeza da luz não costumava ser muito emotiva...

–Hey, Shirogane.–chamou, puxando a última sílaba muito mais que o necessário.

–Hã?

–Quando vai voltar?

–Não entendo o que está dizendo. – bufou,frustrado.

Akira sequer esperou que o outro virasse, descendo à passos largos as escadas, em direção à cozinha. Abriu a geladeira calmamente e pegou uma garrafa d'água, sentou-se no sofá e ligou a televisão, um programa de vendas passava.

–Akira-kun! – Shirogane vinha descendo as escadas correndo e resmungando – Eu fiquei cinco minutos falando com a parede, pensando que você estava lá.

O outro sequer desviou os olhos da TV.

–Aya não vem aqui porque...

–Hã?– disse, cessando os resmungos –Ah, Aya, você ainda não me disse porquê mesmo ela não costuma vir aqui.

–Mas ela costuma. Vinha aqui quase todos os dias.

–Eh?

–Ela não quer ver você. – levantou-se do sofá, deixando sem querer que a garrafa caísse no chão – Sabe, não é, Shirogane, Aya tinha sentimentos por você. Ela ia confessa-los... Mas você meio que desapareceu por 8 anos, agora ela não quer mais nem saber da sua existência.

Shirogane ficou parado por alguns segundos, olhando para o nada. Então era por isso que Aya não havia vindo visita-los, ao menos agora ele tinha uma explicação, mesmo que não fizesse o mínimo sentido.

–Sabe, você é realmente um cara estranho, Shirogane. – Akira continuou, ignorando o silêncio do outro – Mas agora não é o mesmo estranho de antes, mesmo que aquele fosse totalmente forçado acho que o preferia. Entretanto seria muito egoísmo meu pedir para que voltasse a ser algo que nunca foi.

–Akira-kun!

–Voltasse a ter sentimentos que nunca teve, voltar a dizer tão belas e falsas coisas.

–Aki... ra-kun... – Shirogane riu baixinho, ajeitando o cabelo que cobria-lhe os olhos – Como pode dizer coisas tão idiotas? Além disso, não é como se você não tivesse mudado em todo esse tempo também.

–De fato, eu mudei. Já você continua o mesmo, só que agora eu percebo isso.

–Que cruel... Dizer que meus sentimentos por você são falsos.

–Hum? – Akira disse, olhando estranhamente para Shirogane – Eu disse isso...? Sinto muito, não foi minha intenção. – chutou a garrafa no chão, fazendo a água espalhar-se pelo tapete – Não é como se eu não tivesse esperado por você todos esses dias, não é como se eu não sentisse sua falta.

O albino permaneceu parado onde estava, com medo de que qualquer aproximação pudesse assustar o outro, ou fazê-lo parar de dizer aquelas coisas. Mesmo sem qualquer emoção, as palavras ainda eram doces.

–Entendo... – disse, percebendo que, de fato, o outro não falaria mais nada – Não é como se eu não sentisse sua falta também, mas dizendo dessa forma faz parecer que sim.

–Você também. Então eu fico feliz.

–Não é como se fosse algo fácil de perceber.

O silêncio que se seguiu foi apenas quebrado pelos passos de Shirogane, que sentou-se no sofá com o outro ainda em pé.

–Você está realmente diferente, Akira-kun, e também tem todas aquelas pessoas que vivem andando por aqui, eu tenho certeza que elas me veem.

–Eles são outros Rei, alguns humanos especiais e uns poucos Shin. Pessoas mudam.

–É, mas você não é uma pessoa, certo?

–Não mais, é exatamente por isso.

“Realmente foi o despertar que o modificou tanto? Entretanto se for assim, essa é apenas uma parte dele” Shirogane suspirou “gostaria de saber se algum dia vou conhecê-lo por inteiro”.

–Sobre a sua pergunta no quarto, sobre voltar... Para onde?

–Voltar... – disse em um sopro – Para mim. Idiota.

–Mas eu já voltei e isso foi há três dias! Você deve estar realmente alheio às coisas se ainda não percebeu isso.

–Você que não entende, Shirogane, para eu tê-lo aqui desta forma e tê-lo no mundo das trevas, longe de mim, é a mesma coisa.

–Então eu realmente não entendo. – falou, continuando após o total silêncio do outro –Sinceramente, que silêncio irritante.

Akira, em um movimento súbito, deitou em cima do albino, abraçando-o.

–Shirogane, aquele dia, aquele último dia, eu estava realmente assustado. Tentei dizer para você ficar, mas você se foi antes de eu conseguir dizer, e as palavras morreram em minha garganta. – murmurou quase inaudivelmente – Então deixe-me fazê-lo certo dessa vez. Shirogane, fique comigo... Por favor.

–E o que eu deveria responder?

–Você que tem de saber, idiota.

–Ah, sim. Eu ficarei, mas apenas porque você pediu educadamente.

Shirogane apenas permaneceu lá, afagando os cabelos negros e sentindo as lágrimas quentes deste molharem seu pijama.

“Eu ficarei, mas apenas porque ainda te amo”.