Nekutai

(Laços)

Capítulo único

Então fechou os olhos, tornando a lembrar-se daquele tempo tão distante, daquele tempo onde todos temiam seu nome. Daquele tempo onde jamais poderia ter sido esquecido.

(...)

Houve um tempo em que meu nome ecoava pelos quatro cantos do mundo. Um tempo em que ninguém ousaria me desafiar diante qualquer situação. Mas... A chegada daquele Uchiha com aquele olhar hipnotizante me consumira, e todo aquele pavor da humanidade ao dizer meu nome se apagou. Ninguém mais me temia, eles acreditavam que eu estava controlado. E me prenderam dentro de humanos tão frágeis.

Pela primeira vez, quando perdi minha liberdade, senti o ódio consumindo todas as minhas veias. Queria estraçalhar o Jinchuuriki a quem estava atado, destruí-lo da pior maneira possível, e foi assim que passei meus anos. Tentando dominar e sendo dominado, tentando sangrar e sendo sangrado, tentando machucar e sendo estraçalhado.

Até que chegou a minha vez de ser salvo. Não acreditei que aquele bebê pudesse ser minha única e excepcional salvação. Por trás daquela barreira eu o observava, o via ser chamado de monstro, mas sabia que muitos direcionavam essas palavras para mim. E eu realmente era um monstro. Desastres se formavam por onde eu passava.

Quando fui aprisionado dentro de Naruto Uzumaki eu finalmente compreendi, nenhuma determinação seria maior do que a dele, um garoto solitário que aguentou todos os tipos de injúrias. Sozinho no mundo, tão desesperado. E eu apenas o cuidando. Estava esperando uma oportunidade, uma faísca de ódio naquele pequeno coração, para que eu pudesse me libertar. Para que eu pudesse explodir aquele corpo juntamente com meu chakra.

Mas esse dia nunca chegou.

Ele nunca teve ódio pelos habitantes de Konoha. Nunca sequer olhou torto para alguém que o ofendesse. Apenas se sentia sozinho em meio há tantas pessoas, e queria que alguém o reconhecesse. Acho que quando ele tomou essa decisão que uma parte de mim se fixou completamente nele, estávamos na mesma situação, mas ele nunca desistira.

E com essa força de vontade que ele conseguiu seu primeiro amigo: Sasuke Uchiha, um moleque que eu odiei apenas ao vê-lo. Confesso que fiquei contente ao descobrir que o clã Uchiha havia sido dizimado, que restava somente dois sobreviventes. Itachi e Sasuke, os dois irmãos amaldiçoados pelo destino. Aquele sabor de uma pseudo vitória me preencheu, e fez algo mudar dentro de mim. Eu queria controlar totalmente o Uzumaki para que pudesse dar um fim naquele confinamento, ter de volta o título que antes era somente meu. Poder ver o pavor estampado no rosto de cada ninja daquele mundo.

Novamente, tudo falhou. Ao ver como aquele pirralho crescera, ao presenciar tamanha determinação em me controlar, eu cometi o ato imperdoável de me render. Eu vi aquele garoto fazer promessas, defender a vila que tanto o apedrejou. E meu ódio crescia para com aquelas pessoas que o maltrataram, e eu necessitava ser libertado para completar minha vingança. Eu desejava.

Tentava a todo custo persuadir meu Jinchuuriki, fazia promessas que, ao contrario dele, não cumpria. Não precisava cumprir. Eu queria machucar todos, até que um dia percebi que meus atos não passavam despercebidos por ele.

E eu olhava aquele garoto frio, aquele jovem que retornava todos os meus olhares. Estava sendo observado. Ele me via dentro de Naruto tão diretamente, como se pudesse entrar a qualquer momento em nosso mundinho paralelo. E talvez eu sentisse medo por ser tão visível, por ser tão fácil de ser enganado mesmo sendo conhecido por ser astuto.

Sasuke Uchiha;

Naquele dia, quando meu Jinchuuriki lutou contra ele, minha vontade de matá-lo e de exterminá-lo se tornou maior, se tornou presente e fervorosa. Não poderia ser contida. Aquela era uma luta entre Kurama e Sasuke Uchiha. Naruto nunca havia sido envolvido, porque não tinha motivos para ele lutar. E o único sobrevivente dos Uchiha compreendera no momento em que apareci. Realmente, eu era um livro aberto frente àqueles olhos.

Achava patético o modo como isso acontecia. Não queria ser controlado daquela forma, e quando eu finalmente iria conseguir exterminar aquele moleque, Naruto tomou consciência e me dominou. Ele jamais feriria seu melhor amigo, sua primeira paixão.

Percebi o quanto me desapontei com aquilo, saber que a determinação dele era o bastante para me deter... Foi quase como um choque, mas eu permaneci ali. Quieto. Traiçoeiro. Aproveitando cada deslize para dominar seu corpo. E então eu me apeguei.

Naruto estava se tornando o tipo de homem que eu mais temia. Ele cativava as pessoas em sua volta, trazia paz mesmo abrigando um Bijuu que trazia discórdia. E essa atitude que me enfraquecia, porque eu não tinha mais minha diversão. Aquele homem crescera tão rápido que eu não pude acompanhá-lo.

Estava me tornando obsoleto.

Quando ele conseguiu controlar seu chakra, e adquirir mais poder, eu me tornei desnecessário, mas sabia que em alguma hora ele precisaria de mim. Como sempre. Eu apenas tinha a chance de assumir o controle quando ele estava fraco demais, inútil demais. Só que ao invés de tomá-lo por completo eu cometia a burrice de salvá-lo, de curar suas feridas para que eu pudesse me salvar. Nunca me perdoaria se eu o perdesse.

Foi quando eu compreendi o que era aquele sentimento, mas mantive-me firme. De vez em quando o Uzumaki aparecia pedindo minha ajuda, vindo com aquela conversa de que eu era um companheiro dele. Bobagem. Eu poderia ver por trás das palavras daquele homem, sempre fomos um, mas ele nunca me compreendera.

Até que teve o retorno daquele que meu desejo era a morte. Sasuke Uchiha. Estava de volta com toda a sua pose, olhava através de mim enquanto flertava com minha eterna paixão. Havia conquistado o perdão absoluto de toda a vila. E tendo Naruto como Hokage apenas facilitou toda a sua volta e inclusão no mundo ninja. Eu queria trucidá-lo, mas já havia caído no esquecimento.

E talvez o único que se lembrasse de mim fosse aquele que obtinha meu eterno ódio, nem mesmo Naruto aparecia mais. Após eu ter cedido totalmente, ele relaxou. Prosseguiu com sua vida sem nem ao menos perguntar se estava tudo bem. Eu confiei nele, e novamente fui detonado. Observava-o ser amado todas as noites por aquele homem repugnante. Via o deboche estampado na cara de Sasuke Uchiha, como se dissesse: Consegui tirar aquilo que você ama, Naruto Uzumaki é meu.

E, finalmente, surtei.

Perdi o controle e arrebentei as grades daquela prisão. Destruí metade de Konoha até ser selado novamente, e quem o havia feito? Sim, Sasuke Uchiha. Lembro-me daquele intruso dentro de mim, sufocando cada parte de meu corpo. Entrando naquele pedaço onde eu acreditava ser exclusivamente meu e de Naruto, acreditava que pelo menos isso eu poderia ter como meu. Mas até ali ele corrompera. Meu santuário.

Nunca haveria privacidade. E, com aquele jutso de aprisionamento tão poderoso, eu caí no esquecimento. Ninguém mais veria meu chakra poluindo a vila, nem destruindo plantações. Eu enfraquecia a cada dia, morria a cada hora. Fizeram-me cego diante as circunstâncias da vida, e meu mundo se resumiu em cinza, e minha visão sobre Naruto tornou-se nublada. Até que um dia as portas se abriram e aquele homem que me aprisionou apareceu.

- O que faz aqui, Sasuke Uchiha? – Estranhei a rouquidão em minha voz e o quanto ela saíra fraca, e como minha garganta estava seca. Graças àqueles anos sem conversar com alguém eu até havia esquecido como se pronunciava tais.

- Está solitário, Kurama. – Lembro-me de ter me jogado contra o selo, numa tentativa inútil de fincar as minhas garras na carne daquele Uchiha, mas apenas cai aos seus pés. Ele me controlava. Sempre seria assim.

Permaneci em silencio enquanto escutava o que ele tinha a dizer. Havia estourado a quinta guerra ninja, e Naruto com seu dever e toda a sua coragem, ganhara ela, mas estava perdendo sua vida. Sem meu poder de regeneração ele não conseguiria sair daquela vivo.

- O que precisa que eu faça? – Algo parecido a isso que eu disse. Naquele momento parei para analisar a face de Sasuke, estava abatido. Eu sabia que ele tinha tentado várias e várias vezes salvar o loiro, muitos e muitos modos... E se negava a pedir ajuda a mim, um monstro.

Então ele me tirou daquela prisão. Voltei para o aconchego dentro de Naruto, via tudo o que ele via, sentia tudo o que ele sentia, novamente. E aquela pulsação fraca, aquele respirar sofrido... Resolvi agir antes que fosse tarde demais. Deixei que meu chakra se unisse ao que restava do dele, passei em cada canto de seu corpo tentando ressuscitá-lo. Até que finalmente consegui.

Naruto voltava à vida. O pior de tudo é que ainda não sei se ele sabe que quem o salvou fui eu, não tive tempo de conversar, de mostrar. Quando percebi estava atrás daquele maldito selo, Sasuke me enganara. Estava me sentindo tolo por perder tão facilmente, mas a única coisa que importava era que meu Jinchuuriki estava vivo.

E eu retornava para onde nunca havia saído... O esquecimento.

(...)

[...] Kyuubi, você é apenas uma vida momentânea, uma existência temporária de energia unida... [...]

Abriu os olhos sentindo seus pelos eriçarem. Aquelas palavras sempre martelavam em sua mente quando estava fraco, Madara Uchiha sempre estava lá para lembrá-lo da verdade. Um Uchiha nunca poderia ser confiável.

Eles eram traiçoeiros. Faziam tudo para obter ganho próprio, até exterminavam o clã para isso. Suspirou e deitou sua cabeça sobre as patas novamente. O tempo estava custando a passar ali. Estava entediado.

(...)

Tantos anos condenado a solidão que eu esqueci realmente do mudo lá fora. Às vezes arriscava dizer seu nome, outras vezes me esforçava para enxergar além daquele cinza, mas nada mudava. E eu continuava lá. Aquele chakra do Uchiha me consumindo mais e mais. Estava morrendo.

E foi em meio a esse desespero – das palavras de Madara Uchiha estarem se tornando realidade, que eu o vi. A princípio acreditei que fosse uma ilusão daquele momento, uma brincadeira do meu cérebro... Mas eu o vi, atravessando os portões daquele mundo paralelo e parando em frente ao meu selo. Estava sorrindo alegremente. E estava velho. Os anos passavam mais rápido para os humanos, e, provavelmente, Naruto que estava morrendo. Eu ainda estava conectado a ele, por isso eu sentia que algo em mim falecia à medida que o tempo passava.

Era Naruto morrendo.

Humanos sempre seriam frágeis.

E aquele homem fez o que eu menos desejava: Permitiu minha liberdade. Eu queria ceder junto a ele, mas o Uzumaki preferiu retirar meu selo. Assim eu não poderia mais vê-lo, nem observá-lo de perto. Estava livre daquelas correntes. Naruto não queria que eu visse seu fim.

- Me perdoe por todos esses anos. Kurama, finalmente está livre. - Estava livre daquele Jinchuuriki, eu entendia as palavras dele. Eu precisava de um novo recipiente, um novo poder. No fim eu subestimei aquele ninja tão poderoso. Porque Naruto sabia que um Bijuu morria se seu Jinchuuriki morresse. Ele sabia.

Todos sabiam...

Por isso que um Bijuu jamais deveria se apaixonar por seu Jinchuuriki. É contra as regras, todos sabem.

Então apenas sorri e o agradeci. Pude ver Sasuke esperando no portal. Seu olhar estava caído, como se pesasse muito ficar ali. Meneei com a cabeça, como se o estivesse confortando. Nós dois estávamos perdendo uma parte fundamental da nossa existência. Ele sabia, Naruto sabia, eu sabia.

E sabendo de tudo ficamos assim... Perdidos em nossa própria sabedoria.

Porque naquele dia o melhor ninja do mundo shinobi dormiu para sempre. E eu, bom... Eu fiquei ali, apenas observando como as coisas corriam. Passei de Jinchuuriki por Jinchuuriki, mas nenhum de fato foi aquilo que Naruto havia sido, e ainda é.