Cartas Para Daniel escrita por Metz


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Sabem quantas vezes eu escrevi essa fic? Duas vezes. É a terceira vez que eu reescrevo essa bostinha. Se eu apagá-la de novo é o universo me dando um sinal que essa fic não era pra ser.
Mas eu sou otimista então vamos lá.



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Pessoas são complicadas.

Elas são todas tão diferentes, mas às vezes tão parecidas. Parece que o ser humano sempre teve este desejo anormal de ser diferente, inclusive a mim, e isso os torna parecidos. Mesmo quando pequena, eu olhava ao meu redor, via as crianças rindo, correndo e fazendo o que crianças fazem, e eu me dizia “Eu não quero ser assim”.

Eu acreditava que eu não podia falar com as pessoas, que eu ainda não tinha essa capacidade e que era algo que eu poderia simplesmente falhar ao tentar. Gaguejar, falar errado, não ter assunto, eu procurava motivos para não engajar uma conversa e eles apareciam em minha mente instantaneamente.

Quando tinha cinco anos eu me mudei para Brasília depois de alguns anos morando em Paris. Minha mãe, não querendo que eu me esquecesse do francês, me colocou em uma escola francesa.

Ah, a Escola Francesa de Brasília, como dizia Holden Caulfield em O Apanhador no Campo de Centeio “Quanto mais caro o colégio, mais sacanas tem”. Mal eu sabia, no auge de meus cinco anos, que eu estaria presa naquela escola durante o resto da minha vida escolar. Quem sabe se eu soubesse eu teria feito uma impressão melhor. Conversado com alguém, talvez? Mas eu não sabia. Eu não sabia de muita coisa naquela época. Eu só sabia que eu não queria brincar com nenhuma das outras crianças. E eu sabia com quem eu queria brincar.

Daniel.

Daniel nem sequer era real. Era um amigo imaginário que eu decidi criar um dia em Paris. Quando contei para minha avó sobre ele, ela me fez um boneco de pano baseado em minha descrição. Eu amava aquele boneco, andava com ele na mochila todo o tempo, ele me fazia companhia. À medida que eu crescia mais eu precisava do Daniel comigo. Acho que foi com seis anos que comecei a escrever-lhe cartas.

As cartas que eu escrevia para Daniel nunca eram enviadas, ninguém sequer sabia delas. Eu as guardava em um baú de madeira que apenas eu tinha acesso, pois eu o trancava com um cadeado velho e enferrujado que eu achara na rua um dia acompanhado de uma chave nas mesmas condições.

O baú ficava cada vez mais empoeirado, o boneco já estava guardado no fundo do armário e eu cresci. Com onze anos eu já tinha começado a parar de escrever, com treze eu já nem lembrava que um dia tive alguém com quem conversar e com quinze eu precisava de algo mais do que nunca, mas eu sequer sabia que era daquela fantasia lúdica que eu tanto precisava.

Meus quinze anos. Até tal idade eu estava tentando evitar o inevitável. Que eu era uma adolescente, que eu era da mesma raça que as garotas que usavam o celular debaixo da carteira na aula e dos garotos que desenhavam pintos e maconhas em literalmente tudo. Pensar naquilo me dava dor de cabeça.

Eu sempre fui uma garota muito calma, relaxada até. Eu acreditava que eu não precisava me preocupar com muitas coisas. Que qualquer problema que eu tivesse na minha idade é comparável com uma folha no meio de uma autoestrada, simplesmente não me atrapalharia. Mesmo assim eu tentava ao máximo focar no presente, encarar os problemas que eu precisava lidar.

Naquele dia eu tinha perdido a chave do meu armário da escola. Aquilo acontecia ao menos uma vez a cada três meses e normalmente por motivos estúpidos, eu carregava a chave do armário em um colar que eu usava todos os dias, toda a hora, no banho, dormindo, eu não me permitia tirá-lo. Mas sempre há exceções à regra, como a aula de esportes que eu sempre era obrigada à tirar pela minha professora e sempre esquecia de por de volta. Logo, isso justifica minhas perdas.

Eu suspirei, eu precisava resolver algo e não podia procrastinar como sempre fazia. Então pousei o livro que lia na mesinha ao lado da cama, o peso a fez balançar então a encarei para ter certeza de que não iria cair. Eu dominava a arte de fazer barulho à uma da manhã em um domingo, pois era normalmente neste momento em que eu fazia meus deveres ou que resolvia ajeitar as coisas para o dia seguinte. E com uma autocrítica maldosa sobre esta mania doentia, levantei-me da cama. O chão gélido graças ao ar-condicionado ligado me fez tremer.

Rumei até debaixo de minha janela, as cortinas escondiam uma pequena cavidade que me servia de depósito para coisas aleatórias que não precisava mais. O cheiro nostálgico me fez lembrar que eu costumava levar um cobertor para o canto quando ficava triste, eu abraçava meus joelhos e chorava baixinho para que ninguém mais ouvisse.

Eu sorri levemente com as memórias, eu pouco me lembrava do meu passado, tudo o que eu pensava era o futuro, o futuro que eu antecipava com tanta angústia. Eu comecei a minha procura por uma chave reserva que eu jurava ter guardado lá, mas ao mesmo tempo tentava manter tudo em um mínimo de organização para que meus pais não suspeitassem, nem de minha incompetência ao perder a chave, nem de minha ousadia ao não ir dormir na hora que disse que ia.

Caixas eram a abertas, reviradas e guardadas de volta em seus devidos lugares, até que eu encontrei um baú. Um baúzinho de madeira que acumulava poeira de seus anos de esquecimento. Eu o limpei com a mão de leve, quase como se estivesse pedindo desculpa. Passei a mão por sua extensão, para segurar o pequeno cadeado que o trancava.

Corri para o armário assim que lembrei aonde deixara a chave do baú, acorrentada em um colar do tamanho de uma pulseira ao redor do pescoço do boneco de pano que me fez companhia todos aqueles anos. O segurei, ele parecia tão pequena agora que já estava crescida, peguei a chave de seu pescoço e, ainda com ele em mãos, fui abrir o baú.

“Rafael? Gabriel?”, eu me esforçava para lembrar o nome do boneco em minha mente enquanto roçava a chave na abertura do cadeado, “Castiel?”, sorri com minha própria estupidez lembrando-me que minha companhia não mudara tanto, ainda eram personagens fictícios.

- Daniel. – Sussurrei para mim mesma ao abrir o baú cheio de folhas avulsas.

Me arrisquei a pegar uma para ler, a textura do papel me deixava feliz, coisas velhas e gastas sempre me deixavam feliz.

Caro Daniel,

Oi, Dan. Aqui é a Alex. Hoje faz três semanas desde que eu entrei na escola nova, é uma escola estranha, eu queria estudar em uma escola normal porque eu sou normal. Mas, Dan, eu ainda não fiz nenhum amigo na escola, eles sempre fogem de mim! Eles dizem que eu sou assustadora, mas eu não sou assustadora. Eu sou muito legal, não sei por que eles querem que eu não tenha amigos. Eu queria que você estudasse comigo, assim eu poderia ter um amigo.

Beijos e abraços

Alessandra Rodrigues

Sorri. Eu podia não perceber naquela época, mas eu era sim, assustadora. Os cabelos longos e negros escorriam da ponta da minha cabeça até meus cotovelos, minha pele pálida devido o país que eu morava anteriormente e meus olhos eram quase negros, vazios davam-me um aspecto meio assustador. Somando tudo isto com o fato de eu não falar com ninguém além de um boneco de pano? Digamos que agora eu já não estranhava tanto eu não ter amigos.

Eu já não era tão assustadora, cortei meus cabelos quando fiz treze anos, eles agora pousavam em meu ombro, eu ainda não saía tanto de casa então eu continuava de pele quase transparente, meus olhos continuam os mesmos, mas as sobrancelhas cresceram bastante, então me fazem parecer brava sempre que ergo o olhar para alguém. As pessoas já não fugiam mais de mim, elas apenas me ignoravam. Eu não era mais assustadora, eu era apenas desinteressante.

Guardei a folha de volta no baú e o fechei lentamente, mas peguei o cadeado para mim, guardando-o dentro de minha mochila e prendendo a chave em meu colar. Eu respirei fundo ao deitar-me na cama novamente, eu ainda segurava o boneco de pano, eu o olhava como se eu esperasse algo dele.

Eu me levantei para buscar uma folha de papel e uma caneta, há quanto tempo eu não escrevia para mim mesma? Eu só escrevia para os outros, como se a escrita perdera um pouco de sua magia. Eu escrevia para a escola, para avisar minha mãe que a aula irá acabar mais tarde, para coisas frias e calculistas que fazem a escrita parecer um obrigação.

Mas eu sabia mais do que todos que as palavras não são jaulas, são chaves.

Caro Daniel,

Faz muito tempo que eu não escrevo para você. Eu espero que ainda sejamos amigos, eu não queria te abandonar assim. Está tarde e amanhã vai ter aula. Não é o primeiro dia nem nada assim, acho que podemos pular este clichê. Eu continuo sem amigos, caso você esteja curioso, mas às vezes eu me esqueço que eu estou sozinha. Eu não deveria me acostumar com isto, mas afinal ninguém deveria se acostumar com nada, se acostumar é obrigatoriamente uma coisa ruim. Bem, já é tarde demais para mim.

Beijos e abraços,

Alessandra Rodrigues

E ao puxar a última curva do ‘s’, senti minhas pálpebras pesarem levemente e cedi ao sono.


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Notas finais do capítulo

Sem Dan ainda. Ele é muito especial pra aparecer no primeiro capítulo. Ou eu tenho muita preguiça de fazer ele aparecer porque são duas da manhã de domingo e eu tenho aula amanhã.
Oh well, me digam vocês.



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