J'étais parfait escrita por persondagaga


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Apenas mais uma de minhas ideias que veio durante a madrugada...



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O ato final se aproximava, e eu estava pronta.

Meu corpo parecia gritar por aquilo, enfim os meus esforços seriam reconhecidos da maneira que eu tanto queria. A libertação vinha a cada passo bem executado, a cada movimento que meus braços, agora leves e sem carregar nenhuma culpa, eu parecia acreditar que a tal liberdade que há muito tempo eu ouvia falar de fato existia, e que talvez eu pudesse alcançá-la apenas me deixando levar. Eu nunca fiz isso, nunca deixei que algo, se não os meus pensamentos obsessivos por uma perfeição inalcançável, me guiassem. Talvez fosse isso que me faltava para ser de fato perfeita como eu tanto sonhava.

Minha sapatilha parecia fazer parte de mim, a roupa branca que eu trajava me deixava mais confortável do que já estive em toda a minha vida. Dançar sempre foi uma paixão, um escape depois de um longo tempo. Nas sapatilhas e nos passos bem feitos eu encontrava algo para viver, algo em que eu realmente fosse boa, algo que eu poderia me orgulhar. Por um bom tempo, deixei que as ideias e exigências de minha mãe me guiassem, que ela tocasse a minha vida por mim, por assim ser mais fácil. Eu sempre gostei da facilidade e estabilidade que ela me deu durante toda a minha vida. Por mais que aquilo me sufocasse há todos os minutos e segundos de minha vida. Eu precisava dela. Ela agora me assistia, com os olhos marejados, transpirando um orgulho misturado com angustia e medo. Sim, o que ela mais temia aconteceu. Eu me deixei levar. Eu cresci.

A doce garotinha cresceu, dando lugar a um monstro emoldurado em meu belo corpo. Ela chorou, e eu bem sei disso. Chorou por perder sua pequena garotinha que ela julgava ser tão frágil, e ela queria, com todas as fibras de seu corpo, acreditar que isso não havia acontecido. Queria ter sua pequena Nina de volta, era pedir demais? Eu vos falo que, nesse momento, era pedir demais. Agora eu tinha me libertado. Uma vez que se prova do doce envoltório que a liberdade nos proporciona, por mais doido que seja nós não largamos. Essa tal liberdade faz com que nós nos sintamos únicos. Ela se faz necessária em nossas vidas em algum momento. Alguns a aceitam, outros não. Eu a aceitei, porque ela se fez necessária em minha vida. Por uma vez eu provei daquele doce que só ela poderia me proporcionar. E adivinhe? Eu me deliciei e me lambuzei, a utilizei toda do pior modo possível, eu assumo.

Talvez tenha sido ai que meu processo de autodestruição começou.

Sem compromissos. Sem exigências. Sem horas para chegar ou sair. Uma nova pessoa nascia. E cada fibra do meu corpo ansiava por isso. Era como um pássaro, que sabe que tem que trocar suas penas para que continue belo. Sim, foi belo. Foi único. Um momento de desabrochar não só de consciência, mas também o desabrochar do meu corpo. Foi um verdadeiro prazer passar por isso. Assumo que foi doloroso, um prazer dolorosamente bom. As mudanças são assim, difíceis, e é por isso que eu fiquei tão atraída. Tudo o que é difícil me atrai. A simples possibilidade de disputa me deixa completamente cega, e é ai que eu me destruo. Foi assim com o ballet, minha mãe, meu conhecimento, meus amores, minha vida.

Era normal todos esses pensamentos passarem pela minha cabeça agora, enquanto eu dançava o ato final, com um ferimento no abdômen causado por um ato de loucura? Bem, eu não sabia. A dor que eu sentia parecia transcender a cada passo. Me deixei envolver pelos braços de meus parceiros de dança, apenas me deixando levar. Subi a grande rampa, que talvez simbolizasse de fato minha verdadeira libertação. A morte me chamava para dançar, e eu aceitei o convite de bom grado. Ela parecia tão convidativa, eu queria desafia-la. Desafiar a morte? Sim, eu a desafiei no momento em que coloquei meus pés naquele palco no começo da apresentação. Eu sabia que ela me acompanhava. E dessa vez, eu a convidei para dançar. Sem medo e sem qualquer outro tipo de sentimento. Estava fria, calma e certa de mim. Do que adiantava me desesperar agora que aquilo já havia ficado irreversível?

Olhei para meus dois amantes de apresentação, e é claro, olhei para a plateia que parecia embriagada e extasiada com a apresentação, nem ao menos piscavam. Vi os olhos de minha mãe, clamando para que naqueles últimos momentos eu não estragasse tudo, para que ela pudesse se orgulhar de mim. Olhei para dentro de mim e me aceitei. Aceitei meu destino. E acima de tudo, aceitei minha morte. Joguei-me lá de cima com a expressão mais gélida que eu poderia ter naquele momento. Meus braços estavam abertos, e eu parecia cair em câmera lenta. Aproveitei cada segundo doloroso que a morte me proporcionou antes de me levar. E eu amei tudo isso.

Ao ir de encontro com o colchão que já me aguardava, senti meus últimos suspiros. O sangue parecia se esvair cada vez mais, me deixando totalmente desvitalizada. Não sentia minhas pernas, ou qualquer outra parte do meu corpo. Mas sentia meu coração bater verdadeiramente pela primeira vez. Eu sorri. Thomas veio de encontro a mim, a felicidade estava estampada em seu rosto. Eu o olhei com os olhos brilhando quando ele me perguntou o que havia acontecido, a reposta veio naturalmente, mas um tanto orgulhosa.

“I was perfect.”


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.



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