Therium - Wild Soul escrita por IsadoraFelix, uzubebel


Capítulo 1
Lieto


Notas iniciais do capítulo

Para lembrar :... três personagens principais, cada capitulo um narra, cada personagem uma escritora diferente... Esperamos que gostem



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/487023/chapter/1

As cidades humanas sempre dividiram minhas opiniões, não importava se fossem d’Este ou do Outro mundo. Esta, então, era particularmente caótica: muito barulho, buzinas, gritos, conversas exaltadas, sussurros, tudo enchendo meus ouvidos ao mesmo tempo; o ar também transbordava de informações, cheiros, fumaça, perfumes tentando, desesperadamente, sobressair-se em meio a incontáveis outros, como os próprios humanos em meio à multidão.

Para mim, no entanto, a multidão era um grande trunfo, e pessoas como eu sabem muito bem se aproveitar disso. Sabemos que o jeito mais eficiente de passar despercebido aos olhos dos outros é parecer apenas mais do mesmo...

Puxei o capuz do meu moletom cinza para que cobrisse o máximo possível do meu rosto. Não que a chuva fina estivesse me incomodando, mas porque ninguém ali devia ver meus olhos, ou eu seria apontado aonde fosse. Antes de qualquer outra coisa, eu precisava de dinheiro e um par de óculos escuros, e que lugar melhor para conseguir isso, do que no meio de tanta gente?

Esquadrinhei a multidão ao meu redor até avistar um sujeito que caminhava na minha direção. Era jovem, parecia desajeitado e distraído, carregava uma mochila nas costas, vários rolos de papel em uma mão e, com a outra, teclava alguma mensagem no celular. Sorri. Talvez eu estivesse com sorte, afinal.

Ele praguejou quando eu colidi contra seu ombro, derrubando seu celular no calçamento molhado, e logo se abaixou para pegá-lo antes que estragasse na água. Quando se levantou novamente, eu já desaparecera na multidão. Por sorte, ele tinha óculos escuros, que eu rapidamente coloquei, e algumas notas na carteira, que eu descartei depois de guardar o dinheiro no bolso.

Passei por um café, na esquina de duas avenidas, onde duas garotas se abrigavam sob a marquise. A multidão escasseara naquele ponto, e me misturar ficou mais difícil; logo elas me viram e começaram a cochichar entre si, encarando-me. Suspirei e fui me apoiar em uma placa por ali, esperando um táxi passar.

A chuva dera uma trégua, mas dava pra sentir, pelo cheiro do vento, que voltaria mais tarde, ainda mais forte. Pelo menos pude aproveitar o momento para sacudir a água acumulada nos meus cabelos e baixar o capuz, agora que eu tinha os óculos.

“Ele é lindo, né?” ouvi as garotas do café cochichando.

“Será que ele pinta o cabelo? É tão... preto. Até parece que é de mentira.”

“Acho que não...”

Desliguei-me logo daquela conversa banal. Nada daquilo me interessava. Eu tinha negócios a tratar, e era apenas por isso que estava ali. Finalmente, um táxi passou por mim e parou.

– Livre? – perguntei ao motorista.

– Ah, bem...

– Ei, nós chamamos o táxi! – as duas garotas da cafeteria corriam na minha direção.

Fechei a porta do táxi e já ia voltando para esperar outro, quando uma delas me chamou. Das duas, era a mais alta, com mais ou menos 1,60 metros, mas ainda assim sua cabeça mal passava dos meus ombros.

– Você não quer... rachar o táxi? – devo ter-lhe dirigido um olhar bastante incrédulo, porque ela insistiu. – É sério, eu e minha amiga não nos importamos.

Estudei a amiga por um instante; ela parecia dividida entre a cautela e a oportunidade, e não se pronunciou... Encarei, então, o horizonte. Já anoitecia, via-se o sol poente abaixo das pesadas nuvens de chuva, sumindo por trás dos prédios. O tempo estava correndo, e se eu não voltasse com aquela encomenda...

– Tudo bem – cedi, e a garota sorriu.

– Pra onde você está indo? – perguntou-me.

Nem eu mesmo sabia. Tudo o que tinha para me guiar pela cidade era um endereço rabiscado num papel e ordens nem um pouco claras. Por fim, entreguei-lhe o endereço.

Ela o passou ao taxista e sussurrou algo para a amiga.

“Por favor...” ouvi-a pedir.

A amiga balançou a cabeça, cedendo, e foi se sentar no banco da frente, enquanto a outra voltou até mim e disse:

– Eu sei como chegar – sacudiu o papel com o endereço e o devolveu. – Te levo até lá.

Ela entrou no carro e não me deixou outra opção além de me sentar ao seu lado no banco de trás. O táxi arrancou pelas ruas.

– Então... – a garota tirou o cabelo comprido e castanho do rosto e pôs atrás da orelha, - qual seu nome?

Desviei o olhar dela para a paisagem que passava rápido pela janela.

– Lieto – respondi.

– Nossa, nunca tinha ouvido um nome como esse... – ela se inclinou na minha direção. – Pode me chamar de Lucy. Você não é daqui, né?

– Não.

– E o quê veio fazer na cidade?

– Um trabalho.

– Jura? – perguntou com a voz esganiçada. – Mas quantos anos você tem? Não deve ser muito mais velho que eu...

– Dezenove.

– E com o quê trabalha?

– Com o que aparecer.

– E quanto tempo vai ficar na cidade?

– Se tudo der certo, apenas esta noite.

– Tão pouco... – disse, decepcionada, levando um dedo aos lábios, pensativa. – Mal dá pra conhecer a cidade. Mas eu já sei!

O taxista a interrompeu, anunciando que havíamos chegado. Eu desembarquei primeiro e me vi diante de um prédio baixo, velho, com a pintura se desfazendo e uma escada de incêndio enferrujada na lateral que terminava num beco. Paguei minha parte da corrida enquanto Lucy também saía do carro.

– Certo, esse é o prédio – disse. – Se eu bem me lembro, seu bilhete dizia nono andar. Veio visitar alguém?

– Vim pegar uma encomenda.

– Oh, claro – mexeu outra vez nos cabelos -, que cabeça a minha. Seu trabalho, não é? Bem, se ficar livre mais tarde... – ela tirou um cartão do fundo da bolsa -, esse é meu telefone. Posso lhe mostrar a cidade.

Peguei o cartão por educação. Já anoitecera, mesmo assim eu não tive qualquer dificuldade para lê-lo.

– Você não acha que está meio escuro para usar esses óculos?

Lucy estendeu as mãos para o meu rosto enquanto eu estava distraído em receber seu telefone, e só percebi meu descuido depois dela já ter tirado meus óculos escuros.

– Ai, meu deus... Você usa lentes de contato?

Tomei os óculos dela e pus de volta no lugar.

– Tenho que ir, mas agradeço a carona.

– Lieto, espere! – ela quase veio atrás de mim, mas a tempestade que o céu prometera caiu entre nós dois. – Tenho certeza de que lentes de contato não brilham... – Ouvi-a tentar se convencer disso antes de voltar correndo para dentro do táxi.

Pendurei-me e subi pela escada de incêndio até o nono andar, e arrombei a janela mais próxima para entrar. Era um quarto, constatei, pingando água por todo o tapete. Tirei o moletom molhado e joguei-o no chão, aos pés da cama com cobertor roxo felpudo. As paredes estavam tomadas por pôsteres de bandas, filmes e esportes, além de alguns papeizinhos com anotações manuscritas como: “Fique de olho no prêmio”, “Sem dor, sem valor” ou simplesmente “Vitória!”. Passei por um par de coturnos pretos a caminho da porta e saí.

O apartamento estava vazio, como haviam me dito que estaria. Hora de fazer meu trabalho... Mas como se rouba algo que não sabe o que é? “Não se preocupe, você saberá o que eu quero quando a encontrar” disseram-me, “pois ela possui magia”.

No entanto, não havia qualquer traço de magia ali, nem em lugar algum do prédio todo. Nem magia, nem feitiço, como se espera d’Este mundo. Que objeto mágico meu contratante esperava encontrar aqui, eu não sabia, mas devia ter sido trazido do Outro mundo para Este por algum motivo.

Pacientemente, vasculhei todo o apartamento, cada canto e cada fresta, afinal, se era algo assim, tão importante, devia estar oculta por algum feitiço ou ilusão. Mas não havia nada...

Ouvi o tilintar de chaves – apurei os ouvidos – e a porta da frente sendo destrancada; depois, passos adentrando e uma voz feminina.

– Eu sei o que eu disse, Jimmi, mas o céu está caindo lá fora e eu preciso de um casaco e do meu guarda-chuva.

Do corredor, onde eu me escondia, pude ver a garota jogar a bolsa pesada no sofá e bufar de impaciência para o celular, puxando um cacho curto e loiro de seu cabelo. Ela tirou os óculos-escuros cor-de-rosa dos olhos castanhos e os guardou na bolsa.

Então, me ocorreu que não precisava ser um objeto...

– Eu sei que você tá com pressa. Vou mais rápido de você parar de reclamar. Tchau.

Voltei correndo para o quarto e pulei a janela, escondendo-me na escada de incêndio. Em seguida a garota entrou, abriu seu armário e o analisou. No fim, escolheu não trocar de roupa – regata branca, saia xadrez e meia-calça cinza -, apenas vestiu um casaco preto e trocou as sapatilhas pelos coturnos.

– Finalmente, sapatos de verdade... – disse a si mesma depois de amarrar os cadarços.

No mesmo instante, a outra janela que também dava para a escada de incêndio se abriu, e através dela um homem ruivo me encarou, primeiro com surpresa e, depois de ver meus olhos, despidos dos óculos desde que eu revistara o apartamento, com terror.

– Viajante... – foi do que ele me chamou. – O quê você fez com a menina? Ela não tem nada a ver com isso!

– Não é o que eu acho – disse-lhe.

Certo..., o tempo para sutilezas tinha passado.

O homem tentou vir atrás de nós, mas quando chegou ao outro apartamento eu já havia levado a garota através do espelho, mergulhando nele como se fosse líquido, torcendo para que me levasse o mais próximo possível do meu pagamento.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Oi gente... a narração do Lieto sou, Bebel, quem escreve... E aí o que acharam, gostaram?Curiosa para saber o que minha amiga vai fazer no próximo capitulo...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Therium - Wild Soul" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.