The Last Taste - Season 1 escrita por Henry Petrov


Capítulo 36
Dance Back From The Dead


Notas iniciais do capítulo

Eu sei, eu sei... Faz quase uma semana que eu não posto. Não é muito, mas ESPERO que vocês sintam faltam se eu não postar em dois dias, por exemplo. Porém, esse capítulo ficou MUITO BOM. O melhor da história até agora. Quase seis mil palavras, enorme e um tanto dramático. Por favor, comentem as suas reações e o que vocês acham que eu fiz errado, porque tem umas cenas que, pra mim, estão ótimas, mas que muita gente vai achar que eu estraguei alguns personagens, mas enfim. Espero que vocês gostem, trabalhei muito nesse capítulo.
Bom, era só isso. Boa Leitura (:



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Mary enxugou uma lágrima.

–Na manhã do dia 17 de Agosto de 2008, - contou ela, com a voz trêmula. - Crystal não desceu para tomar café e não participou das atividades diárias. Tentamos entrar em seu quarto, mas a maçaneta estava emperrada. Jack, um menino mias velho que morava aqui, chutou a porta. Crystal não estava lá. Ela não estava em lugar algum.

Mary encarava a mesa, como se a lembrança se repetisse diante de seus olhos. Ela enxugou uma lágrima que conseguira sair e tentou sorrir.

–Desculpe! - ela riu. - Sou fácil de me apegar a crianças. Decorei o rosto de cada criança que já morou aqui, pra você ter uma ideia.

Ri de leve.

–Mas, Sr. Roman, temos muitas crianças tão adoráveis quanto Crystal. -contou ela.

–Na verdade, eu só queria Crystal. - respondi. - A verdade, irmã Mary, é que Crystal foi o resultado de um erro de minha mãe. Erro que ela cometeu sem o consentimento do meu pai, se é que me entende. Eu esperava levá-la de volta para casa.

Mary ergueu as sobrancelhas, chocada.

–Bem, obrigado por tudo.

Levantei. Pobre Crystal, pensei. Morta há tanto tempo, sem saber quem era de verdade. Quanto tempo mesmo...?

Um pensamento me cruzou a mente. Era um tiro no escuro, mas fazia sentido.

–A senhora poderia checar os registros para Amber Harris?

Mary me olhou, com os olhos atentos, como se tentasse adivinhar no que eu pensava.



–Peter?

Dave parecia assustado. Na verdade, ele mais parecia uma mãe tigre, preocupada com seus filhotes.

–Cadê a Amber? - entrei sem avisar.

Amber estava na mesa, desenhando enquanto tomava uma tigela de sopa. Dave abriu a porta como se nada acontecesse. A televisão gritava um programa de perguntas e respostas.

–Peter! - Dave tentou impedir, como se previsse os acontecimentos que se seguiriam

–Eu fui no orfanato hoje, sabia?! - virei-me para encará-lo. - Só para descobrir que a minha irmã estava morta. Estranho, não?!

Dave engoliu seco

–Peter, não.

–Amber! - chamei, sem desviar o olhos de Dave.

–Peter?! - ela respondeu, um tanto impressionada de me ver de volta. Ela parecia calma e atenta aos acontecimentos, me deu pena em pensar no que ela ainda passaria.

–Peter, não faça isso. - Dave alertou. - Ela é só uma criança.

–Ela é sua criança, Dave. Merece a verdade!

–Verdade? - Amber se mexeu, inquieta.

–Sim! -exclamei. - Sabe quem é Crystal, Amber?

Ela negou.

–Sua amiga dos sonhos! - ri, olhando para Dave. Ele continuou a gesticular para que eu parasse.

–Peter, por favor...

–Engraçada a nossa mente, não? - ri. Eu parecia um psicopata.

–Ela é só uma criança. - Dave repetiu.

–Não, não é! Ela tem 11 anos! Já pode lidar com isso! Eu lidei com isso! Eu lidei com a imagem da minha mãe, transando com um cara que não era meu pai! Lidei como fato de precisar guardar isso pra mim e sofrer sozinho, no escuro, sem um pingo de conforto por parte de ninguém! Então sim, ela pode lidar com o fato de que o próprio pai mentiu para ela por 6 anos!

Amber estava horrorizada.

–Pai...?

Dave tombou a cabeça, apreensivo.

–Crystal... A menina...? - ela tentou juntar as peças, franzindo o cenho. - Sou eu?

Assenti.

–É a parte de você que sua mente se recusa a esquecer! Você foi recheada de falsas memórias, de uma falsa vida. Crystal é quem você é de verdade, tentando sobreviver a repressão que este homem lhe faz.

Apontei para Dave. Tomei o desenho que eu vira mais cedo

–Essa é você. - apontei para a menina mais jovem. - Seu pai era o amante de minha mãe. Depois que você nasceu, eles dois cuidaram de tudo para escondê-la em um orfanato. Orfanato que você morava quando foi sequestrada do orfanato por este homem que se diz seu pai.

Amber recuou ao ouvir aquilo. Sua boca abriu e fechou, procurando palavras, mas não tinha o que falar.

–É verdade? - foi tudo o que ela conseguiu falar.

–Amber...

–Pai! - ela o interrompeu. - O senhor mentiu para mim minha vida inteira, pelo menos uma vez: me diga a verdade!

Dave hesitou. Ele abaixou a cabeça e respondeu:

–Sim, Amber. - ele respondeu. - Você é uma Roman.

Amber engoliu seco. Ela pensou um pouco, processando.

–Eu... - ela tentou falar.

Então, ela virou para mim.

–E o que você quer comigo? - ela me perguntou – Por que me diz isso?

–Sou seu irmão. - respondi, como se fosse óbvio. - Quero levá-la para casa.

Ela me olhou como se eu tivesse dito algo absurdo.

–Peter, você pode ser meu irmão. - ela respondeu. - Mas se tornou meu irmão há cinco minutos atrás. Dave tem sido meu pai desde que me lembro. Não posso ir com você.

Eu não acreditei no que ouvi. Bom, quando uma pessoa te sequestra e te mantém em cativeiro por seis anos, você meio que guarda um rancor dessa pessoa. Amber parecia amar o pai ainda mais depois de ter descoberto a verdade.

Suspirei. Eu sabia que não podia sair de Chicago sem Crystal, não chegaria em Kraktus de mãos vazias. Eu teria de ser radical se fosse preciso. E eu não queria ser radical.

Agachei-me ao lado dela

–Crystal, por favor.... - pedi, impaciente.

–Não. - ela me cortou, correndo para Dave.

Eles se abraçaram e ele se emocionou com a atitude da filha.

–Ah, me poupe! - exclamei, indignado.

–Não, Peter, me poupe. - ela retrucou. - Obrigada por ter vindo. Eu e meu pai faremos o que tiver de ser feito. Mas eu nunca o deixaria para trás. Eu ainda sou filha dele, certo? Ele fez o que fez porque me ama e não suportou a ideia de me deixar, diferente do que a nossa mãe fez. Então, eu sei o que estou fazendo. Eu troco facilmente sua família verdadeira pelo amor de meu pai. E o farei quantas vezes puder, sem pensar duas vezes.

Respirei fundo. “Querem que eu seja radical? Serei radical.”, pensei.

–Dave. - chamei, observando a cena-família.- Já ouviu falar do segredo da família?

Dave franziu o cenho. Então, seu rosto ganhou um tom avermelhado, como um farol.

–Vejo que minha mãe compartilhou bastante com você. - comentei, com um sorriso malicioso no canto da boca. - Até demais.

No espelho da janela da cozinha, observei meu rosto se transformar. Por fora, eu parecia ansiar por aquilo. Por dentro, a culpa e a consciência pesavam cada vez mais.

Mostrei minhas presas soltando um som felino. Corri para Dave e cravei meus dentes em seu pescoço. Nossa, ainda tenho água na boca! Logo na veia Aorta. Senti o sangue escorrer em minha boca, tocando cada célula do meu paladar, me dando aquele sentimento de Poder. Como eu sentira falta daquilo... Então, o sangue parou de correr e a cabeça de Dave rolou para o chão. O resto caiu assim que eu o soltei.

–Pronto. - falei, lambendo os beiços enquanto meus dentes se recolhiam. - Agora ele não é mais seu pai. É só um cara morto.



Carreguei Crystal comigo pelas ruas de Chicago, tomando-a pelo pulso. Ela relutava, tentava fincar os pés no chão, mas eu arrastava, além do mais, eu era cem vezes mais forte do que ela. Ninguém pareceu notar que estava sendo levada contra sua vontade. Apesar de tudo, ela não gritou. Sinceramente? Eu estava odiando fazer aquilo. Por mais que nos conhecêssemos por um dia, eu já tinha uma forte ligação com ela. Afinal, dividíamos o sangue. Eu me sentia horrível por levá-la daquele jeito, me doía imaginar o que ela sentia, após ver o próprio pai ser decapitado por um estranho que se dizia seu irmão.

–Onde está me levando? - ela ousou perguntar

–Não estou lhe levando para a casa dos Roman, se é o que pensou. - respondi, sem olhar em seu olho.

–Percebi.

–Estou lhe levando para a sua. - corrigi. - Depois, preciso matá-la.

Ela pareceu arregalou os olhos, mas não disse nada. Porém, tornou-se mais atenta às pessoas na rua. Algo a perturbava. Ela olhava para os lados constantemente. Eu devia ter percebido. Assim que dobramos uma esquina, ela se tacou no chão, me obrigando a soltá-la e atravessou a rua feito uma louca. Então eu vi um policial sob um cavalo, patrulhando os arredores. Crystal correu até ele e começou a gritar, apontando para mim.

–ELE QUER ME MATAR, ELE MATOU MEU PAI E QUER ME MATAR!

Respirei fundo e tentei parecer despreocupado. Atravessei a rua e fui falar com o policial, que me observava com desaprovação.

–Amber, vamos... - segurei seu braço

–Me solta! - ela gritou. - O senhor precisa me ajudar! Ele matou meu pai!

–Amber, eu já disse, foi só um sonho! - menti. - Por favor, vamos voltar pra casa...

–Me solta, ele quer me matar... - ela tentou gritar

–Desculpa, seu policial, é porque ela tem tido uns sonhos realistas demais e acha que eu matei o papai. - ri. - Vamos, meu amor, papai e mamãe estão preocupados

–Eu não tenho mãe! - ela retrucou

–Cuide bem dela. - disse o policial, seguindo outro rumo com seu cavalo.

–Não, por favor! - ela gritou para o homem. - Não me deixa aqui! Por favor...!

Esperei o homem estar longe o bastante. Então, puxei o pulso de Amber brutalmente para que ela me encarasse.

–Olha pra mim! Olha pra mim! Para com isso!

Ela me encarou, irada.

–Você é minha irmã. - comecei, olhando no fundo de seus olhos. - Eu nunca vou fazer nada com você sem saber que, no fim das contas, tudo vai ficar bem. Eu vou te explicar tudo, mas preciso que me ajude. Por favor? Dá pra colaborar?

Ela me observou, processando minhas palavras.

–Você matou meu pai. - ela lembrou, desgostosa.

–Agora sou o único que sabe que você está viva. - respondi. - Ninguém irá lhe procurar.

Ela engoliu seco. Então, como uma bomba, as lágrimas voaram de seus olhos, seguidas pelos soluços de choro.

–Por que você quer me matar?!

–Vou lhe explicar tudo! Mas primeiro, vem comigo. Estamos perto.

Ela pareceu pensar no assunto. Ao fim, ela assentiu, apreensiva. Tomei sua mão e guiei-a pela cidade, até um alto prédio cinzento em uma rua silenciosa. Parados à porta, ela observou a entrada.

–O-r, Or. F-a, fa. N-a, na. T-o, to... -ela pronunciou devagar – Or... fa... na... to. Orfanato.

–Não sabe ler? - perguntei

–Muito pouco. - respondeu ela. - Não vou à escola, lembra?

Então, voltou sua atenção ao arco de entrada.

–Orfanato Dash... Dash... Dashner & Flangam. - terminou

–Flannagan. - corrigi.

–Isso mesmo.

Ela deu outra olhada e virou para mim.

–Peter, estou exausta. O que é isso?

–Sua casa. - respondi, adentrando o pátio.

Ela me seguiu. Era noite. As portas estavam trancadas por uma corrente presa a um cadeado. Puxei-a e ela torou. Crystal correu os olhos pelo corredor, mas não esboçou nenhuma reação.

–Peter...?

–Vamos. -foi tudo o que eu disse.

Ela entrou comigo e fomos até o memorial.

Ela leu cada frase, observou cada desenho. Seus olhos brilhavam, emocionada com o amor e a saudade descritos nos papéis.

–Quem morreu?

–Você.

Ela me encarou, pasma. Ela olhou para o memorial e recuou, como se sentisse empurrada, encurralada pelas memórias de Crystal, voltando para sua mente, substituindo as falsas memórias de Amber. Ela se virou e olhou para as portas, para o refeitório, os desenhos às portas, como se as memórias se desenrolassem diante de seus olhos, como se ela pudesse ver aquele corredor iluminado pelo sol matinal, com crianças correndo de um lado para o outro, enquanto as freiras tentavam organizá-los para o café.

Seus olhos voltaram ao memorial. Ela começou a arrancar folha por olha, desenho por desenho, papel por papel.

–Crystal... - repreendi.

Então, ela puxou um último desenho.

Ao fim, só sobrou um. Este não tinha dedicatória ou estava em tão bom estado quanto os outros. Era um desenho antigo, com pontas amarelas, comum, o sonho soterrado pelos pesadelos da morte.

Havia uma casa. À porta, havia um casal e, ao seu lado, uma menina de mais ou menos 5 anos. No canto da folha, havia o nome: Crystal.

–Eu e minha família dos sonhos. - ela disse, com uma lágrima escorrendo de seu rosto.

–Você se lembra? - perguntei

–Nunca esqueci. - respondeu. - Só nunca pensei que fosse real. Achava que eram delírios, imaginações de uma menina presa em casa. Agora tudo parece tão...

–Real? - sugeri.

–Imaginário. - completou ela. - Como se eu vivesse um sonho em que tudo que eu acreditava ser mentira, se tornou verdade. Mas um sonho ruim, quase um pesadelo, onde meu pai morre e meu irmão é seu assassino.

Então, virou-se para mim, cruzando os braços.

–O que você quer comigo?

Suspirei. Eu tentara ao máximo adiar aquele momento, mas agora era inevitável.

–Deus está preso. E eu preciso libertá-Lo. Muitas pessoas morreram no processo. Preciso que Ele as traga de volta.

–Deus? -ela perguntou. - Ele realmente existe?

–Tanto quanto você e eu.

–E onde é que eu entro nisso? - ela perguntou, com as sobrancelhas erguidas.

–Eu preciso de alguns... Requisitos para libertá-Lo. E um deles requer que eu te machuque. Seriamente. De maneiras que deixarão cicatrizes que talvez nunca vão sarar. Mas Ele pode curá-la. É um sacrifício que será recompensado.

Ela pensou um pouco.

–Deus pode trazer qualquer um de volta a vida? - ela pareceu interessada de repente. - Qualquer um?

Assenti.

–Até meu pai? - ela perguntou

Suspirei.

–Sim.

Ela mordeu o lábio.

–Ei, olha pra mim. - chamei acariciando seu rosto. Ela afastou o rosto, como se eu fosse um pedófilo que ela conheceu numa loja. - Eu prometo que vai ficar tudo bem. Eu sei que não parece, mas eu prometo, depois que a poeira baixar, eu vou cuidar de você. Você é minha irmã e, por mais que não pareça, eu não posso te querer mal. Eu te prometo, Crystal, que tudo vai ficar bem. Eu vou te proteger.

Sorri de leve.

–Mesmo que isso inclua ter que trazer o seu pai de volta. - comentei. Ela riu um pouco. - Eu nunca gostei daquele homem, mas se isso vai te fazer confiar em mim, te fazer me ver como o irmão que eu quero ser... Sim. Eu vou te ajudar a trazer seu pai de volta. Quando Deus te... Curar, ele estará te esperando. Eu prometo.

–É bom que sim. - ela disse, voltando a entrada.

Ri. Ela dissera da mesma maneira, tom e olhar que eu diria se estivesse em seu lugar. Foi a maior prova que já tive que ela realmente era minha irmã. Então, segui-a de volta para a entrada do orfanato.



–Pra quê tudo isso? - perguntou Amber

Era de se esperar que reagisse assim. Afinal, não é todo dia que se viaja magicamente para o topo do Monte Everest, se faz um campo de proteção contra o frio e os fortes ventos, só para chegar a uma dimensão de demônios. Cyrstal ria constantemente, dos preparativos para o ritual. Alonguei-me um pouco e pus Amber em seu círculo. Comecei o ritual.

A reação dela ao ver as faíscas, a paisagem se transformando, foi impagável. Senti aquele puxão dentro de mim, normal. Crystal olhou para o céu, maravilhada com o show. O som das faíscas abafava qualquer outro som ou pensamento, tornando o momento único em sua vida. Então, a magia cessou. Senti-me mais cansado que o normal. Vale lembrar que, desde a última viagem, eu não tinha dormido e desta vez, estava levando uma pessoa a mais. Era de se surpreender que eu não ficasse inconsciente por alguns instantes.

–Legal, não é, Crystal? -perguntei, orgulhoso.

Ela franziu o cenho.

–Dá pra parar com isso?

Pisquei.

–Isso o quê? - ri.

–Isso, de agir como se fossemos cúmplices, como se eu fosse Crystal. - ela disse, cruzando os braços.

–E você não é? - perguntei de volta, apertando os olhos.

–Não. Sou diferente de Crystal. - ela respondeu, ríspida.

–Como?

–Crystal cresceria uma menina doce, bondosa e ingênua. Eu sou mais... - ela pensou, mas não encontrou palavras para descrever-se. - Enfim. Só quero que tenha em mente que não sou Crystal para atender suas expectativas familiares. Meu nome é Amber Harris e não sou sua irmã.

Ela disse tudo isso sem hesitar. Aquilo me doeu. Doeu saber que eu destruíra uma possível bela relação em apenas um dia. Era triste.

Mas antes de eu sentir pena de mim mesmo, o que já está ficando insuportável de escrever sobre, Crystal... Digo, Amber começou a tossir. Tentou respirar, puxou bastante ar, mas só pareceu piorar.

–Amber?

–Peter... - ela grunhiu. - Eu não consigo... Respirar! É como se não tivesse... Oxig...

Ela não conseguiu terminar a frase. Olhei para os lados, procurando algo que me explicasse o que estava acontecendo. Então eu percebi. Kraktus. Estávamos em Kraktus. Humanos não podiam viver em Kraktus. O sangue Roman, o Poder, vinha de meu pai. Isto é, Amber era humana. Estava sendo sufocada pelo oxigênio escasso no ar.

Ela desmaiou e tomei-a em meus braços. Corri o mais rápido que pude para a cidade. Como eu sabia que as portas eram magicamente seladas, tomei o caminho contrário. Desci Redmont em direção ao lago, que, do outro lado, era a Baía de Judas, de onde eu poderia entrar para a cidade sem passar pelas portas protegidas pelos sentinelas ou pela floresta, onde Wendell adoraria brincar com os dedos de Amber. Descer foi fácil. Difícil foi passar pelo lago. Tive que canalizar o Poder que eu não tinha, uma vez que já estava quase esgotado. Praticamente, corri sobre a água, tornando o leve toque de meus pés no lago, um impulso para seguir em frente. Amber mal se movia.

Cheguei quase voando na cidade. Não dei a mínima para as barracas que destruí no mercado ou para as pessoas e pastas que derrubei na Estrada de Zayn.

–Bella!

Gritei dentro do Peep's, correndo para o depósito onde Bella me dissera sobre Amber. Ela apareceu à porta do depósito, estática.

–Pra quê esse escândalo?

Ela olhou para o corpo de Amber e, assutada, sinalizou para eu entrar.

–Vai, vai!

Entrei na salinha e pus Amber sobre a mesa. Ela parecia morta.

–Ela cresceu. - Bella riu.

–Rápido! Salva ela! - gritei. - Qualquer coisa!

Ela ergueu as mãos, como se dissesse “Tá, já entendi!”. Bella tomou a cabeça de Amber em suas mãos e começou a dizer palavras inaudíveis. Amber se contorceu na mesa.

–O que você tá fazendo com ela? - perguntei

–Cala a boca.

Obedeci, ofendido. Então, Amber se sentou de sobressalto, assustada.

–O que você fez?

–Liguei-me a ela. - respondeu Bella.- O que acontece comigo, acontece com ela. Se eu vivo, ela vive. Se respiro, ela respira. Simples.

Franzi o cenho.

–Mas eu vou matar ela. - lembrei. - Você vai morrer também.

Bella revirou os olhos.

–Você é surdo? - ela perguntou, ríspida. - Eu me liguei a ela. Não o contrário. Se eu morrer, ela morre. Mas se ela morrer, eu não sinto nada.

Dei de ombros.

–Oi, sou Bella. Tudo bem? - ela se apresentou, erguendo a mão para um aperto.

Amber olhou Bella dos pés a cabeça. Então, respirando fundo, virou-se para mim.

–O que acontece agora?

Bella suspirou com a simpatia de Amber.

–Sim, vocês são irmãos, pelo que vejo. - Bella riu, irônica. - Bom, primeiro, precisamos arrumar o local. Não queremos nossa linda Amber dando uma de Carrie no meio do bar, certo? - Bella riu

Então, ela afastou as estantes e me pediu para ajudá-la. Amber ficou sentou-se na cadeira da mesa, observando-nos. Afastei a mesa e algumas caixas para a parede. Então, Bella mandou-me fazer um círculo de sangue em volta da cadeira de Amber. Relutante, mordi a palma de minha mão e fui apertando-a enquanto rodeava toda a sala, fazendo um enorme círculo vermelho em volta de Amber.

–Vocês são muito estranhos. - comentou ela.

Ri de leve. Ao fim, Bella pegou uma cadeira no bar e mandou alguns garçons cuidarem de suas mesas.

–Tem certeza que seu chefe vai deixar a gente fazer isso aqui? - perguntei

–Meu chefe morreu. - contou Bella. - Eu estou cuidando do lugar agora. Virei dona do Peep's por unanimidade. Não é como se ele fosse escrever um testamento deixando a propriedade para as prostitutas que ele trazia pra cá.

Amber contorceu o nariz, desgostosa.

–Então eu faço o que quero quando quero. - ela riu. - Enfim. Agora, Peter, você deve tocar o sangue de Amber, para chegar a sua alma.

Suspirei. Amber se mexeu, inquieta. Sentei em uma cadeira, de frente a ela. Peguei a palma de sua mão e mordi, fazendo o sangue escorrer. Ela gritou baixinho. Então, reforcei a mordida em minha palma. Apertei sua mão. Senti o sangue se chocar contra o meu.

–Isso não é o bastante.

Suspirei. Eu sabia onde seria o bastante. Amber olhou para Bella assustada. Soltei sua mão e olhei para a minha.

–Peter... - Amber chamou, com medo do que passava em minha mente.

Tudo que se ouviu foi o som do músculo sendo perfurado e o grito de Amber. Relutante, eu segurava o coração de Amber dentro de seu corpo, sem arrancá-lo. Eu senti o órgão bater, senti as veias bombeando o sangue para o corpo. Amber chorou.

–Não se preocupe. - disse Bella. - Só vai morrer quando ele arrancar o coração.

Segurei-o com mais força e fechei meus olhos. Tentei me concentrar ao máximo no rosto de Amber. Por um tempo, nada aconteceu. Então, eu vi.

Eu me senti como se estivesse viajando pelas memórias de Amber. Vi o rosto de minha mãe, olhando-me com nojo. Então, eu estava no orfanato, onde várias crianças brincavam de boneca comigo. A minha era toda remendada, como as de todo mundo, mas eu a amava mesmo assim. Era minha maior amiga. Julie era seu nome. De repente, eu estava em uma sala, com Dave. Ele sorria para mim. Parecia um bom pai. Eu não via a hora de morar com ele. Porém, a Freira disse que ele não podia me adotar. Chorei o dia inteiro.

A cena mudou. Era noite. Dave apareceu à janela do meu quarto.

–Deixaram que eu a adotasse. Venha, Crystal. - ele disse, tomando-me em seus braços.

Ele pulou a janela e caímos na noite.

A cena mudou novamente. Eu estava na sala de minha casa.

–Papai. -eu disse. - Cadê a Julie?

–Quem? - perguntou Dave, lendo o jornal.

–Minha boneca do orfanato.

Ele franziu o cenho, confuso.

–Que orfanato, meu amor?

–O que eu morava. - lembrei.

Ele riu.

–Foi só um sonho, querida. - ele disse, sorrindo. -Você mora comigo. Sempre morou. Depois que a mamãe morreu, sou só você e eu, Amber. Volte a dormir, docinho.

Pensei um pouco. Tudo parecia mesmo um sonho. Fui dormir e tentei parar de pensar nessas asneiras de orfanato.

Então, eu estava de volta a sala. Eu vi Peter, o menino que viera mais cedo, falando toda a verdade, me dizendo que asneiras não eram asneiras e sim a verdade. Então, ele matou meu pai e eu tenho ódio dele. Tenho nojo.

Voltei a mim. Agora, eu tinha controle sobre a alma de Amber. Eu via todos os momentos voando em minha frente, como se fossem fumaça. Então, eu pensei em toda a dor, toda a tristeza, toda a crueldade que eu podia pensar. Pensei nos demônios com a maior força que pude. Os momentos se tornaram nuvens escuras e pesadas, desapareceram diante de meus olhos. Eu me senti como se algo sugasse o ar de dentro mim. Fiz força para não cair. Eu estava fraco demais para continuar, mas não podia parar. Senti o anel em meu dedo queimar o coração de Amber. Então, senti como se algo se quebrasse dentro de mim e fui jogado pelos ares para a parede do outro lado da sala.

Ao cair, pude ver o anel brilhar em uma luz branca e, como se eu tocasse um refletor ligado por muito tempo, senti a luz queimar meu dedo. Não tive coragem de tirá-lo. Por fim, ela veio. A dor mais forte que eu já sentira até aquele momento. Senti como se uma bigorna fosse jogada em minhas costas, me puxando para baixo. Senti como se alguém triturasse meus órgãos internos apenas com as mãos, comigo ainda vivo. Gritei alto, alto demais para que todos no bar ouvissem. A dor foi longa e só cessou depois de alguns minutos.

Ao fim, tive que respirar. Eu me sentia um tanto renovado. Olhei para o círculo. As cadeiras estavam jogadas e quebradas pela sala. Amber estava de pé, no centro do círculo, com seu coração ainda a vista. Ela abriu os olhos. Observei Amber por uma última vez antes que ela caísse, como se morresse instantaneamente. Bella observava tudo como se assistisse a um programa muito chato.

–Ela está...?

–Morta? - perguntou Bella. - Não. Um demônio ou anjo comum que passa por uma mudança muito forte em sua alma, demora mais ou menos uma hora para se regenerar. Os humanos demoram menos. Talvez vinte minutos. Espere.

Sentei com as costas encostadas à parede. Fechei os olhos para me recuperar um pouco esforço. Eu conseguira. Quebrara o selo. Agora vinha a pior parte: matar Amber. Eu não queria fazer isso. Como eu já deixei claro, Amber era alguém que eu me importava. Eu não tinha coragem de machucá-la. “Como você, um demônio, está tão preocupada em machucar alguém?”. Simples. Amber era uma parte de mim, era como eu. Crescera achando que a vida era de um jeito, mas era bem diferente. Tinha o meu mesmo temperamento, sofrera as mesmas situações que sofri, até o trauma de saber que os pais mentiram por anos ela também teve. Era como eu. E eu não me sentia no direito de piorar sua vida, no caso, tirar sua vida. Ela merecia viver depois de todos os anos que passou refém de uma vida falsa. E eu estava a vinte minutos de tirar dela a chance de ter uma vida boa, normal e longe de toda a confusão que eu vivia naquele momento. Eu não queria aquilo pra ela.

Os minutos passaram se arrastando. Amber não se movia.

–Vamos pegar um pouco de água. - disse Bella. - Ela não deve acordar agora.

Assenti e levantei. Saímos para o bar e Bella me deu uma dose de Bourbon. Nunca gostei de Bourbon, mas não estava muito para escolher. Sentei no alto banquinho de três pernas em frente ao balcão e virei o copo. Soltei um som refrescante e observei Bella virar o copo também. Ela riu.

–E agora? - perguntei. - Só falta um selo.

–Só falta um selo. - repetiu Bella.

–Já faz quase dois anos. - falei. - Deus, como o tempo voa.

Bella riu.

–Dois anos passam muito rápido. - disse ela. - Parece que foi ontem que você terminou comigo.

Ri de leve.

–Mais uma pra isso.

Ela riu e encheu dois copinhos. Bebemos rápido e rimos com nossa mini-festinha de aniversário de estou-numa-missão-suicida.

–Bom, vou pegar um pouco de água da Baía de Judas.

–Como é? - perguntei, pulando do balcão.

–Ué, não vamos matá-la? A água de lá é tóxica se for unida às palavras do exorcismo. Como água benta.

Ela pegou um livro debaixo do balcão.

–Aqui um livro sobre demônios. - ela explico, saindo do bar - A página marcada pela fita vermelha tem um exorcismo. Já volto! Fique aí!

–Bella, somos demônios! - tentei gritar. - Vamos acabar nos exorcizando também!

Mas ela estava muito longe para ouvir. Balancei a cabeça em desaprovação. Discretamente, virei a garrafa goela abaixo. Senti o liquido arder em seu caminho pela minha garganta.

Algo se quebrando. Uma risada alta. Foi o que ouvi. Vinha do depósito.

–Amber! - exclamei, pegando o livro.

Corri para o depósito. Ao chegar lá, não acreditei no que vi. Todas as caixas e estantes estavam coladas ao teto. O circulo estava desfeito, como se alguém tentara esfregá-lo do chão. Tudo que vi foi Amber do outro lado da sala. Ela estava de frente para a parede. Quando cheguei mais perto, percebi o que ela fazia. Ela escrevia na parede palavras em Latim. Ela escrevia com sangue. Ela virou a cabeça para mim, por cima do ombro.

–Olá, Peter.

Ela sorriu. Em um momento, ela piscou e pude ver seus olhos se tornando pretos como duas pedras escuras. Ela piscou de novo e eles voltaram ao normal. Ela sorriu e voltou ao seu trabalho. Abri o livro na página marcada e comecei a proferir:

Exorcizamus te, omnis immundus spiritus, omnis satanica potestas, omnis incursio infernalis adversarii, omnis legio, omnis congregatio et secta diabolica...

Não consegui continuar. Comecei a tossir e sentir algo me perfurando. Respirei fundo e continuei:

Ergo, draco maledicte et omnis legio diabolica, adjuramus te...

Agora eu não respirava. O ar era puxado de dentro para fora. Amber não esboçou reação alguma.

–O que está fazendo? - perguntou ela

Amber andou graciosamente para o centro do círculo e abanou a mão, como se expulsasse uma mosca. O livro voou da minha mão e caiu no chão. Ela olhou para o objeto, que pegou fogo.

–Arrependido? - ela perguntou, irônica. - Ué, você não me transformou nisso? Pra quê mudar de volta?

Senti o desespero tomar conta de mim. Meu coração batia mais rápido.

–Pobre Peter. - ela começou, com uma expressão de compaixão. - Tão machucado, tão danificado...

Ela se aproximou, colocando um pé na frente do outro.

–Agora tem que matar a própria irmã. - ela continuou. - Que triste. Não consegue pensar em outra coisa a não ser no bem-estar da menina.

Ela riu.

–Mas claro que tem algo a mais, não? - agora, ela estava a um metro de mim. - Seria... Atração? Você está com tesão pela sua própria irmã?

Ela passou por mim, dançando seu dedo sobre meu peito.

–Não. - ela concluiu. - Você sabe o que quer dela. Não é o sacrifício ou o sexo, mas sim o sangue.

Segurei a respiração.

–Sim... Não consegue parar de pensar no sangue que corre em minhas veias. - ela disse. - Enquanto isso, tenta suprir a sede com pensamentos protetores, mas o que mais quer é arrancar minha garganta aqui e agora.

Fechei o punho, cerrando os dentes.

–Tolo. - ela riu. - Idiota. Burro. Dramático. Você já percebeu como idiota você é? Você machuca todos em sua volta. Sua mãe morreu por você, Hanna morreu no seu lugar, Sophie terminou com você pois não suportou seu drama eterno, nem mesmo eu quem deveria estar do seu lado, te entender como irmã, segurei o trampo. Como é ser tão imprestável e inútil?

Joguei-a contra a parede pelo pescoço, irado.

–CALA A BOCA!

Ela riu. Então, segurou meu pulso e torceu-o como faria com um graveto. Caí no chão, grunhindo de dor.

–Fraco. - ela disse, com nojo. - Infantil.

Ela me chutou. Amber parecia mil vezes mais forte do que eu. Voei para o outro lado da sala.

–Incapaz. Poupe-se o trabalho, Peter. - ela disse. - Não tente melhorar. Ninguém vai te aceitar ou te perdoar por tudo o que você fez. Você diz lutar pela vida dos seus amigos, que morreram naquele incêndio na sua casa, mas, na verdade, você só quer sua vida de volta. Assim que Deus vier, a primeira coisa que você vai pedir é pra que sua vida volte ao normal, que não haja Sophie, não haja Amber, não haja Hanna... Que você volte a ser o playboy odiado por todo mundo.

Ela parou um pouco.

–Bom, acho que não faz diferença.

–O que aconteceu com você? - perguntei, me levantando.

–Você aconteceu. - ela riu .- Você fez isso comigo. Sinceramente, acho que estou bem melhor. Mas, no seu ponto de vista, estou estragada. E o pior: você me estragou. É o que você faz. Estraga as coisas! Tudo que você toca, você destrói! Você não merece a vida que tem! Não merece a dor que as pessoas sentem por causa de você! Não vale o chão que pisa! IMPRESTÁVEL!

–CALA A BOCA!

Quando me dei por mim, já estava feito. Arranquei a cabeça de Amber e joguei-a do outro lado da sala. O corpo sem cabeça caiu e espirrou sangue para todos os lados. Os móveis do teto caíram de volta ao chão. Observei o que tinha feito.

–Não, não, não...

Segurei o corpo em meus braços. Abracei-o e chorei. Chorei não porque Amber se fora, mas porque era verdade. Tudo que ela dissera era verdade. Eu não dava valor ao que tinha. Eu não valia nada. Eu fazia e dizia as coisas sem pensar nas consequências e isso machucou todos em minha volta. Foi quando eu prometi a mim mesmo que aprenderia a ser diferente, a ser melhor. Decidi aprender a viver.

–Me desculpa, Amber...

Chorei mais alto. “Eu prometo”. A frase ecoou em minha mente. Agora, tudo estava arruinado. Eu matara o corpo antes do demônio ser morto. Isto é, Amber estava liberta e poderia apossar-se de qualquer um. Além de estragar o belo plano que eu tinha, eu descera as chances de tudo dar certo à 0,9%.

–Bella, eu... - uma voz surgiu

Outra pessoa apareceu a porta. Era ela, olhando para mim, estática.

–Peter.

Sophie parecia bem melhor do que a última vez que eu vira. Ela usava um vestido branco rendado, com um colar prateado e sua franja caindo sobre seus olhos. Ela suspirou.

–O que aconteceu?

–Sophie? - chamei

Por um momento, achei que ela fosse dar as costas e ir embora. Era o que se esperava. Como Amber dissera, eu destruía tudo o que eu tocava.

Mas não. Ela suspirou e me abraçou. O cheiro de seu perfume me renovou. O calor de seu corpo me deu forças. Abracei-a forte, chorando mais alto.

–Eu te amo. - disse. - Você sabe disso, não é?

Sophie pareceu desconcertada.

–Sim. - ela respondeu. - Eu te amo.

E com a visão de seu belo sorriso, desmaiei, imaginando como eu sobreviveria dali em diante, uma vez que desta vez, eu tinha sido a quem a verdade tinha sido apresentada. Eu sabia o que eu tinha, eu sabia minha doença.

E estava na hora de curá-la.


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Notas finais do capítulo

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