Love's Soul is War escrita por Virechi


Capítulo 1
Flowers and Thorns.




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O sol havia desaparecido completamente, e não era por causa das nuvens geladas e secas, mesmo assim a lua não brilhava e as estrelas pareciam menos reluzentes, pareciam sem forças para esbanjar seu brilho. As asas prateadas ferozes tinham o som de trovões, se inclinavam e batiam como se fossem as coisas mais resistentes de além do mundo. Pareciam ser a única fonte de luz no céu, e ainda não passava das oito horas da noite. Bem, era o que Ariane esperava, o inverno não estava assim tão rigoroso, mesmo com todos os calafrios e arrepios em todo o corpo. Por mais incrível que parecesse, nenhum floco de neve ousou cair na presença dos valiosos raios de sol durante o dia. Tudo indicava que a noite amanheceria branca, não que isso importasse, nada mais importava naquele momento. A pele e os músculos, todo o seu corpo podia estar congelando, mas isso não importava.

Sua alma se acendeu em brasas.

Era como se estivesse afogada em combustível altamente inflamável e alguém riscasse um fósforo.

A expressão facial de Ariane nada mudava além de sorrisos e lágrimas, uma competindo contra a outra, causadas tanto pelas lembranças de horas atrás, quanto por continuar a estar obviamente claro para ambas as partes que era impossível, que isso só a matava por dentro. Era uma pena só os mortais terem o livre bem estar de acabar com o mal por sua própria raiz. Mas não era isso o que o Trono gostaria, não era isso o que seus amigos, ou que a própria causa de toda essa guerra interior gostaria. Não de novo. Correu a ponta dos dedos ao longo da cicatriz marmórea, depois a percorreu novamente com as unhas que já estavam crescidas. Não sentia nada, a pele não levantava uma só camada. Suspirou, apertando fortemente na outra mão uma sedosa, brilhante, longa e macia mecha de cabelo ruivo.

~ ♦ ~

O pouso fora tão delicado quanto uma rocha despencando de um desfiladeiro, mas de todos os fios ruivos em sua mão nenhum escapou. Nada mais escaparia se ao alcance das mãos. Muita coisa já lhe escorreu entre os dedos.

Ariane mal pousou e caiu de joelhos, sentando e os abraçando logo depois, nem se importando em deixar as asas do lado de fora do corpo. Ninguém a acharia ali, nem ela mesma seria capaz de dizer com exatidão onde havia se metido, pois não encontrou um caminho preciso, apenas um caminho que a tirasse das vistas de Tessriel.

A ultima vez em que a viu voltou aos seus olhos como um raio. As poucas décadas atrás pareciam horas. Tess jogada, sangrando pela asa esquerda cor de cobre que não tinha a mesma glória que um dia a habitou. Ela disse simplesmente que precisava de algo que jamais cicatrizasse para lembrar que Ariane havia partido seu coração. E nesse momento, não perceptível apenas pelo desespero de perder Tess, pela dor do sangue de demônio entrando em contato com o seu e corroendo sua carne e por tudo o que já passaram, e tudo o que podiam passar, o coração de Ariane se estilhaçou. Mas ela precisava ter forças para achar e convencer Gabbe a curá-la. Essa cena foi a ultima coisa que pairou sobre sua mente. A coisa que não poderia ter tido efeito maior sobre si e que demonstrava para as duas o quanto aquilo sempre terminaria em dor.

Mas de que adiantava, se sem Tessriel, as coisas também terminavam em dor?

Ariane virou de barriga para cima, nem se importando com o leve incomodar de deitar em cima das próprias asas, olhando para as densas nuvens tons mais claros que cobriam cada vez mais o céu. Duvidava fielmente que suas mãos tiveram a sorte de não receberem aquela combustão toda, o que é a causa de seus dedos enrijecerem em volta dos fios ruivos. Era incrível como eles não emaranhavam como seu cabelo. Sentia-se boba por não conseguir trançá-lo. Porém, a necessidade, o medo de perder um só que fosse daqueles fios fez Ariane se sentir forçada a trançar forte, e pela primeira vez, fez com tanto cuidado sem distração nenhuma, que deu certo.

Exatamente quatro horas atrás, como em qualquer outro dia dos namorados, Ariane estava em algum lugar quieta, pensando no ultimo dia dos namorados que teve, e tentava com toda a sua vontade lembrar-se dos dias felizes, para não ficar com a tão odiada cara de melancolia na frente dos amigos, que sempre a arrastavam. Não passava por isso sozinha, também tinha outros azarados por ai, como Roland, Cam e na maior parte das vezes, incluindo agora, Daniel. Lucinda Price ainda era uma garota da Dover, mesmo que nenhum dos anjos tivesse conhecimento disso.

Ariane havia despetalado quase um arbusto inteiro de flores, jogando suas pétalas pela ponte e acabando por se ferir na ultima, com seu espinho. Pingos de sangue vermelho claro caíram com ela, então sentiu uma brisa leve, e ao mesmo tempo violenta. Uma combinação, imaginava, que reconheceria em apenas um anjo.

-- Essas flores teriam melhores utilidades – A voz ecoou a mais doce delas. Ariane olhou para trás com ansiedade fora do normal, e quase despencou da ponte.

-- Tessriel! – Foi mais um grito que fez o chão estremecer, que uma simples fala de um nome. As pupilas das duas dilataram como nunca. O enorme sorriso desabrochava em seus lábios. Sua vontade foi de pular em um abraço, mas seus olhos foram automaticamente em direção à asa machucada. Uma cicatriz enorme, a asa parecia fraca – Você consegue voar.

-- Não muito. Mas foi o bastante para pular de lá – Apontou para um prédio. O topo, fazia uma vista perfeita para a área onde Ariane estava – Para cá -- Uma ficou olhando para o rosto da outra. O clima era de tensão. Tessriel andou até Ariane, jogando seu cabelo para o lado a fim de enxergar o pescoço. Ariane se encolheu, olhando para o lado. Temia jamais conseguir olhar para aqueles olhos azuis com a mesma intensidade de antes, principalmente por não estar sentindo o constrangimento que deveria. O constrangimento que sentia quando qualquer um se ligava à cicatriz. Não, Tess não era qualquer uma, as duas compartilhavam uma coisa que deixava o constrangimento e a timidez de lado. As duas coisas que Ariane só tinha posse em momentos delicados, não existiam para ela – Parece que nossas cicatrizes nunca vão curar, não é?

-- Você não voltou aqui para me convencer, não depois de tudo – O sorriso sumiu e Ariane pegou a mão que afastava seu cabelo, o fazendo cair novamente sobre a marca da seta estelar. Tess estremeceu, seus olhos abaixaram, sem diminuir o tom e a intensidade. Ao contrário, só aumentavam. Ela agarrou-lhe a mão, e a abraçou. Um abraço que deveria fazer passar toda a vontade e falta que essa presença causou, mas só as fez querer mais. Ariane se pegou derramando lágrimas soluçadas, assim que sentiu gotas quentes e silenciosas caírem por suas costas – Eu pensei que você fosse morrer.

-- A vontade era apenas maltratar tudo o que existia em mim. Nunca conseguiria fazer você nadar nas minhas cinzas. – Tess apertou, engolindo o choro. A cena do rio, onde Tess a beijou pela primeira vez dizendo que prometera a si mesma que sempre faria isso caso a encontrasse novamente veio à mente, como todas as vezes que isso acontecia. E aconteceu. E mais. Cada vez mais. Os lábios acendiam chamas, e apagavam como extintores, para sempre ter o que queimar. Para nunca precisar terminar. As almas enlaçavam e se expulsavam desesperadamente, como uma infinita dança doce e violenta – Eu ainda me lembro de suas ultimas palavras. – Sussurrou no ouvido de Ariane, que se afastou lentamente. Como se não quisesse, mas precisasse.

-- Não queria que fossem as ultimas. – Aquelas palavras de despedida ecoaram na mente de Ariane, latejavam -- Quando você disse que eu não seria aquela que te curaria, mesmo eu queimando contra o seu sangue, você abriu feridas em mim também. – Suas mãos não largavam dos braços de Tess, mas ela os puxou.

-- É assim que me recebe? Com discussões sobre o quanto uma magoou a outra? – Arcou perigosamente na ponte – Eu encontrei o que procurava. Encontrei uma forma de viver sem você, lutando com o amor que compartilhamos. Do exato jeito que você disse que faria. – Ariane agarrou o pulso de Tess novamente e a virou. Um soco doeria menos. A ruiva grudou seus olhos azuis, nos olhos azuis mais claros de Ariane e, mesmo usando sua força e orgulho, obviamente não queria que ela lhe soltasse.

-- E eu fiz. E faria de novo. – Os olhos marejados de Tess endureceram, e a pele avermelhada, de tão branca, pareceu se enfurecer -- Nenhuma de nós duas trairia pela outra, Tess. Nós duas sabemos que isso seria errado. Você sabe o que os anjos de lados opostos tiveram que fazer para ficarem juntos. Você sabe que o Trono não permitiria.

-- Você sabe que nem o seu, nem o meu mestre permitiriam. É esse o problema, Ariane! Temos que ter permissão para sentir uma coisa tão pura quanto o amor? Até quando anjos serão proibidos de viver livremente aquilo que foram criados para fazer nascer? – Suas mãos pareciam ganhar vida e perder os nervos com a força que bateu na barra de concreto que despedaçou e esfarelou. Tess nem se importou em limpar as mãos. Por um momento, Ariane pareceu estar presa entre a fúria esbelta no rosto e o medo e insegurança estampado no brilho dourado de uma asa, e na luz, que lembrava a vagalumes, que brotava na outra desde a cicatriz.

Tess não entendia. Tess queria algo inteiro e concreto para se agarrar, mas sabia tão bem quanto Ariane que jamais poderiam. Sabia tanto quanto Ariane, e todos os outros, que seriam fraquezas uma para o lado da outra. Já haviam escolhido, não podiam escolher uma a outra. Simplesmente não podiam escolher mais nada. E ao mesmo tempo podiam escolher tudo. Ariane respirou fundo, mas nenhum ar parecia ser capaz de passar para dentro, nem de sair. Apenas arfou e gaguejou:

-- Até sempre.

Ariane engoliu uma lágrima e fungou, enquanto via Tess apertar os próprios olhos com o peito das mãos. Ela voltou a arcar na ponte, como se desejasse se jogar na água. Virou-se com as penas eriçadas, as plumas atadas, suas asas não pareciam mais responder por si. E como da ultima vez, as asas de Ariane também não. Responderam ao chamado, a fúria, ao magnetismo, a química entre as duas agia e reagia borbulhando. Elas estavam com frio, e ao mesmo tempo embaladas em calor. Ardiam em chamas, as mãos suavam e ao mesmo tempo o estomago revirava e congelava. O coração batia tão forte que tambores pareciam estar tocando ao seu lado. Ariane cerrou os punhos, tentando se autocontrolar. Isso era impossível se quem estava em sua frente era Tessriel. Os cabelos ruivos balançaram nas costas de Tess, quando ela agarrou os ombros de Ariane. Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas nada saía. Nada que ferisse conseguiria sair da boca das duas quando o que deveria sair eram carícias. Ariane remexeu os ombros, levando as mãos na cabeça.

-- Isso está nos matando!

-- Isso já nos matou! Só aparentamos estar bem na presença da outra, porque sabemos que é o que uma espera da outra. Suportar. Suportar a distância, a dor, suportar a nós mesmas. Suportar até pedaços de nós que são contrários um ao outro. – Uma das asas acobreadas em ouro esticou. Era de se esperar que a machucada fosse menos sensível – Nossas asas, nosso sangue, a quem seguimos. Isso sempre estará no caminho!

-- Então vamos contornar o caminho, vamos encontrar um atalho. O que você prefere? Sofrer ou continuar com o que tínhamos? Mesmo chamadas, ainda tínhamos ao menos a esperança, sempre tínhamos momentos juntas. Sempre era um adeus antecedendo um olá. Nunca, em momento algum, nem mesmo todas as vezes juntas e multiplicadas nos trariam mais dor do que dizer um adeus sem esperar ver a outra novamente! – Ariane passou a mão ao correr da nuca de Tess e acariciou uma mecha de cabelo. A ruiva encolheu o lado do pescoço e fechou os olhos, os apertando a cada palavra de Ariane. A cada vez mais em que seus dedos apertavam os fios -- Seu reflexo sempre aparecerá, mesmo que o espelho esteja em pedaços.

-- Não quero pedaços, é pouco demais. Eu quero você! – Tess puxou a cabeça para trás com a leveza de um meteoro, soltando um gemido e deixando uma mecha de cabelo preso entre os dedos da garota que um dia, os transformava em um penteado desajeitado coberto de flores, mas que Tess conseguia achar a beleza que gostaria de ter para sempre consigo. A força foi tanta, que ela virou na ponte, o casaco azul, que realçava seus olhos, abriu seus montes de botões e revelaram uma blusa delicada de renda, que em questão de segundos bateu na água.


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