Dor de Dente escrita por ling-chan
Dezembro de 2003 - Rio de Janeiro
Ao passar a mão pela cama nota que está só. Abre os olhos, tenta focar a visão nos números luminosos do relógio.
- Oito horas. - resmunga baixo, reflexo de sua sonolência.
Levanta-se, Toma banho, escova os dentes e depois de vestir uma roupa leve, caminha em passos lentos até a cozinha. Lá Sandra já a esperava.
- Bom dia. - disse com a voz ainda rouca pelo sono.
- Bom dia. - responde com seu habitual sorriso.
- Liu? - perguntou entre umas goladas de café.
- Saiu com o papai.
- Mamãe? - era de poucas palavras ao acordar.
- Lendo na sala. - Sandra sabia que a irmã preferia o silêncio nas primeiras horas do dia, por isso também economizava palavras com a mais nova logo que esta acordava. - Você está bem? - estranhou a careta de que Cláudia repetia pela terceira ou quarta vez.
- Dor de dente.
~oOo~
Estava na sala com a mãe, cada uma lendo o seu jornal. Era engraçado, cada um naquela casa lia um jornal diferente.
- Melhorou? - Sandra perguntou, pegando na mesa o jornal de Liu, pois já havia lido o seu.
- Não... Está cada vez pior. - nem precisava disser, as caretas falavam por ela - Não bagunça o jornal da Liu, senão ela me faz comprar outro.
Ignorando o pedido da irmã, Sandra pois se a bagunçar o jornal da cunhada.
- O que você está sentindo? - perguntou preocupada.
- Dor de dente. - disseram as irmãs em uníssono.
De preocupada D. Lúcia passou para uma súbita felicidade.
- É hoje! É hoje! - disse levantado do sofá - Liga para o seu pai e diz pra ele trazer a Liu pra casa.
Com Cláudia se contorcendo de dor no sofá, Sandra achou melhor ela ligar para o pai.
~oOo~
Liu andava pelo shopping com o sogro ao seu lado. Tinham saído bem cedo de casa, passaram no consultório onde a jovem trabalhava, para ela esclarecer umas dúvidas do seu assistente. Passaram também na casa de sua mãe, que os obrigou a tomar café da manhã uma segunda vez e ainda foram ao banco pegar algum dinheiro.
Jairo a olhava com olhos brilhantes. Desde que os sogros e a cunhada resolveram passar uma curta temporada em sua casa, o homem mais velho a olhava daquela maneira todos os dias.
- Seu Jairo assim o senhor me deixa sem graça. - disse sorrindo.
- Desculpe minha filha, mas estou muito feliz.
- Eu estava brincando. - deu um beijo suave na face barbada. - Por onde começamos?
De um jeito sapeca, seu Jairo, que não era bobo respondeu:
- Brinquedos!
~oOo~
- Seu Jairo eu acho que já está bom. - estava preocupada com a quantidade absurda de brinquedos que o sogro queria comprar.
- Calma minha filha vou comprar só mais umas coisinhas. - disse sorridente e despreocupado.
Liu suspirou, era a terceira vez que ouvia aquilo. Sentiu seu celular vibrar. Viu o número e sorriu.
- Oi amor.
- Liu... É a Sandra. Mamãe pediu para vocês voltarem.
- Ah! Oi Sandra. Estou tentado ir para casa há umas duas horas, mas seu pai está empolgado comprando os brinquedos.
- Deixa eu falar com ele.
Entregou o celular para o homem a sua frente e o viu murchar. Seu Jairo parecia criança as vezes.
- Aqui minha filha. - entregou o telefone a ela e foi finalizar a compra.
- Oi.
- Minha filha como você está? - dona Lúcia perguntou, como quem não quer nada.
- Muito bem. - acalmou a mulher que perguntava-lhe a mesma coisa de cinco em cinco minutos.
- Certo. Não deixa o Jairo se animar, venham logo para casa, sim!?
- Pode deixar. A Cláudia está por perto?
- Sim. Espere um pouquinho.
Em poucos segundos ouviu a voz de sua mulher.
- Oi.
- Oi amor.
- Tudo bem com você?
- Tudo bem.
- E o bebê?
- Se está tudo bem comigo, está tudo bem com ele, né!?
- É verdade. - riu.
- Amor, está tudo bem?
- Mais ou menos... Quer dizer sim. - não queria preocupá-la.
- Cláudia... - conhecia a esposa, sabia que ela não queria lhe deixar preocupada.
- Nada demais, só uma dor de dente. - disse como se doesse muito menos do que doía de fato.
- Estranho... Vou pegar sua ficha antes de voltar pra casa.
- Não precisa. Quando você chegar em casa você a gente vê.
- Certo. Seu pai já está vindo, chegamos em vinte minutos.
~oOo~
Como eram muitos os embrulhos, ela e o sogro não davam conta de carregar tudo. Três funcionário da loja tiveram que ajudá-los com as sacolas.
- Ainda bem que viemos no carro da Cláudia. - comentou seu Jairo enquanto colocava o cinto de segurança.
- É verdade... - concordou imaginando como fariam para colocar tudo aquilo em um Celta.
Pouco tempo depois de seu Jairo sair do estacionamento, Liu já dormia.
~oOo~
- Querida cheguei!
- Deixa de ser bobo, pai. - Sandra ria ao beijar-lhe o rosto.
- Homem vocês trouxeram a loja toda? - dona Lúcia brincou, antes de beijar e apertar o marido.
- Quer dizer as lojas, né!? - implicou Liu que vinha logo atrás.
- Deixa que eu te ajudo com isso. - propôs Sandra já arrancando metade das sacolas de sua mão.
- Vamos pegar o que falta. - Saiu puxando a filha mais velha pelo prédio.
Depois de encostar a porta, e beber muitos copos d'água, foi encontrar ver se Cláudia já tinha melhorado.
O quarto estava a meia luz, do som saía uma música suave e sua mulher estava, aparentemente, dormindo.
Sentou-se ao seu lado e enquanto acariciava os cabelos molhados de suor perguntou:
- Melhorou?
Ainda de olhos fechados, e já com a cabeça sobre o colo da mulher, respondeu:
- Não, mas já vai passar.
- Deixa eu dar uma olhada.
Liu não viu nada de anormal. Sabia que Cláudia escondia sempre escondia suas dores, e isso aumentou muito com a gravidez, por não querer preocupá-la sempre resolvia as coisas a sua maneira.
Se a companheira estava se queixando é porque a dor era grande. Deu dois comprimidos a ela e foi tomar um banho rápido.
Voltou para o quarto, recostou-se na cabeceira da cama, guiou a cabeça de Cláudia até suas pernas e ficou massageando a gengiva da outra com um pouco de xilocaína.
Acabaram adormecendo.
~oOo~
- Amor? - a voz estava rouca pelo sono e sofrida pela dor constante.
- Hum...
- Depois de grande você passou a molhar as calças?
- O quê? - já estava um pouco mais desperta, mas nem tanto assim.
- A cama está molhada.
Em poucos segundos notaram o que aquilo realmente significava. Cláudia entrou em pânico. Não sabia se pegava as chaves do carro, a bolsa do bebê, ligava para o obstetra, chamava os pais...
-.Amor... Eu estou bem. Ainda temos algum tempo. Fica calma e chama a sua mãe.
D. Lúcia sabia como organizar a família em situações de emergência.
- Jairo pega as chaves do carro!
- Sandra pega a bolsa do bebê!
- Cláudia leva a Liu para o carro! Eu vou pegar a câmera e tranco a casa.
O falatório no carro estava deixando a motorista nervosa. Liu começava a sentir as contrações, estavam presos no trânsito e seu dente doía cada vez mais.
- Calem a boca! - gritou
Não era comum vê-la explodir, era sem dúvida a pessoa mais contida da família.
- Amor quanto tempo você acha que agüenta? - perguntou carinhosa.
- Não sei Clau, não sou médica... Uns dez minutos eu acho.
Correu com o carro pelo acostamento até achar um caminho alternativo, em dez minutos estavam na maternidade.
Duas horas de trabalho de parto e o médico adentra o quarto e profere as palavras mágicas.
- Vamos lá mamãe?
~oOo~
- Sandra entrou com a cunhada, Cláudia tinha pavor a sangue. A dor de dente não parava de jeito nenhum.
- Isso é porque ela tinha dez minutos... Estou a três horas dentro desse hospital. - reclamou para a mãe.
Bip bip. Olhou para o relógio, onze horas. A dor... passou.
~oOo~
- E assim foi o dia em que você nasceu.
- E a dor de dente nunca mais voltou? - Pedro perguntou curioso.
- Só voltou uma vez.
- Quando? - seus olhinhos brilharam, ouviria mais uma história.
- No dia que a sua irmã nasceu. Mas só vou te contar como foi amanhã. - sorriu do bico que o pequeno fez.
- Boa noite rapazinho.
- Boa noite mãe.
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Para minha mãe que sempre conta da dor de dente que meu irmão teve no dia que minha sobrinha nasceu e para minha dentista, que nunca vai ler isso aqui mesmo. xD