–Brincar de Recuperável. – Repetiu Amy incrédula para si mesma. Deixando claro que simplesmente não sabia como opinar sobre aquilo.

–Joe, eu não estou afim de fingir que estou estudando. – Gemeu o garoto panda.

–Isso era trabalho do Sam. - Disse Colin, arrependendo-se em seguida de ter dito.

Joe fechou os olhos, respirando fundo. De olhos arregalados o garoto abriu a boca para desculpar-se, mas desistiu. Amy virou-se para uma das mesas, sobre elas havia alguns uniformes do colégio dobrados e empilhados.

–E se eles descobrirem que não estamos realmente enfeitiçados como os outros estudantes? – Indagou o garoto panda tentando desvia-los do assunto.

–Estamos ficando sem lugar para ficar. – Disse Kat abaixando a cabeça. – Essa pode ser a chance de termos uma cama pra dormir, e quem sabe a chance de conseguirmos escapar no final das férias de verão.

O garoto panda e Colin começaram a opinar negativamente sobre a ideia. Enquanto Amy sussurrava para si mesma, pasma com o novo plano. Fitei Joe, a punk mordiscava seu lábio inferior ansiosa, a menção do nome Sam realmente a comoveu, logo quem estava defendendo o novo plano era Kat e não ela.

A garota punk percebeu que eu a observava e sorriu timidamente. Seus olhos diziam pra que eu não me preocupasse, como meu pai depois de uma conversa séria no telefone durante o jantar.

–Devíamos vestir logo os uniformes. – Eu disse por fim. – Se nos misturarmos vamos ter chances maiores de não ser pegos. Eles vão nos caçar todas as noites em lugares abandonados do colégio, enquanto estamos onde realmente eles queriam que estivéssemos, junto aos recuperáveis.

O plano realmente tinha um sentido, camuflagem. Usar os uniformes e identidades falsas de estudantes. Deixar de fugir de base pra base. Os Irrecuperáveis iriam existir entre os Recuperáveis.

–Não vai ser fácil, vamos simplesmente aparecer? Dormir em camas que não estávamos dormindo na primeira noite da V-PAR. – Opinou Colin sentando em uma das cadeiras e apoiando o cotovelo na mesa. O sentimento de raiva transparecia sobre ele, havia perdido a discussão e isso nada o agradara.

–Ele tem razão, os caras podem notar que tem gente a mais entre os alunos. – Disse o garoto panda.

–Temos que nos livrar de alguns deles. – Disse Kat subitamente. Seus olhos azuis e sérios refletiam com a luz amarela da sala.

Todos fizeram um silêncio constrangedor por um momento. Juntei minhas mãos agoniada.

–Você ficou louca? – Disse Colin levantando-se da cadeira. – Simplesmente mata-los ou algo assim?

–Não, - Respondeu Amy interrompendo Kat no momento que ela ia falar – Claro que não, nada de matar.

A ruiva transbordava ansiedade. Nesse momento eu entendi o que a garota de olhos azuis cor de universo pretendia. Sorri torto e não deixei que Kat falasse, interrompendo-a mais uma vez.

–Precisamos incrimina-los. – Dei alguns passos em direção ao grupo, ficando embaixo de um dos lustres da sala, ciente que estaremos agindo em breve.

–----x-----

Em primeiro lugar, Kat forçou Joe a cortar a sua mecha vermelha no lado direito do cabelo. Deixando um cabelo preto, simétrico e curto como de algumas garotas no colégio. A garota punk lamentou pela mecha. Amy encurtou seu cabelo liso e ruivo com uma das tesouras que estavam na mesa, deixando-o na altura do busto.

Os uniformes eram camisas brancas de botão com o nome do colégio, saias que cobriam o joelho e calças pretas. Kat colocou um suéter colegial.

–Beleza. – Falou Colin arrumando a gola da camisa. – Eles viram nossos rostos, devem ter notado principalmente a ruivinha e a loira. – Ele apontou para mim e para Amy.

–Você tem cabelos grandes demais. – Disse o garoto panda apoiando a ideia mesmo sabendo que Amy havia acabado de corta-lo.

–Então temos que achar duas garotas que possuam esses cabelos essa noite. – Supus.

–Uma de cabelo curto e preto também. – Disse Joe.

–Essas três são as principais. O resto não faz muita diferença a aparência, se acharem alguém parecido com vocês vai ser lucro. – Explicou Colin. – Lembrem-se, não sintam pena deles. – Ele olhou diretamente pra Amy. – No final de tudo, vamos fugir e avisar o governo do nosso país, assim os Recuperáveis que pegamos também vão ser soltos.

Os olhos dos Irrecuperáveis brilharam com as palavras vamos fugir.

Quando todos estavam prontos deixamos a sala, esperamos que outra onda de adolescentes caminhasse no corredor a frente como da última vez. Quando eles chegaram, discretamente começamos a andar pouco a pouco entre eles. Os estudantes pareciam concentrados em suas conversas ignorando cara um de nós.

Não sabíamos pra onde eles estavam caminhando, assim como não sabíamos de que sala eles pertenciam. Nosso grupo havia apenas eu no 1º ano do Ensino Médio, os outros Irrecuperáveis eram todos do 2º ano.

Quando o garoto panda contou a história de Jorge Title e Samantha ele mencionou no final que ambos estão no terceiro ano dessa escola brigando entre si por notas e níveis de inteligência. Ambos foram os veteranos deles quando foram mandados para a V-PAR e se eles não tivessem sido pegos quando escaparam estariam conosco nesse momento. Além de Sam, o garoto cujo quando mencionado deixou Joe abalada, Colin disse que era trabalho de Sam andar entre os Recuperáveis, mas o garoto de alguma forma não está mais entre a gente.

Senti vontade de perguntar onde Sam estava, será que está morto? Antes que eu cochichasse a pergunta pra Amy, a única que estava próxima de mim, ela abriu a boca para falar.

–Eu estou faminta, o que será que tem hoje pro almoço? – Disse a ruiva sorrindo, como se estivesse atuando em um filme infantil.

Percebi que os Recuperáveis que andavam com a gente estavam tendo o mesmo estilo de conversa. Algo meio robotizado por sinal, como se estivessem programadas para dizer isso. Demorei pra responde-la.

–É verdade. – Disse um pouco hesitante. – Tomara que tenha macarrão.

–---x----

Havia macarrão, quando uma das moças da cozinha colocou apenas uma colherada no meu prato. Pouco por sinal, será que as garotas Recuperáveis são do tipo que fazem dieta?

Não ousei olhar para os outros Irrecuperáveis, não queria que ninguém notasse que nos conhecíamos. Mas continuei andando com a Amy. Quando paramos para resolver onde iríamos sentar um grupo de estudantes sorridentes acenaram pra nós, então sentamos ao lado deles.

As conversas eram mais soltas nesse momento. Um garoto de cabelos loiros não conseguia ficar calado.

–Então a fórmula que o professor mencionou não vai ser usada o tempo inteiro. – Disse ele levantando o dedo. – O simples motivo é que outras podem ser usadas em seu lugar. O professor devia ter mencionado isso.

–Você é tão esperto Tews. – Disse uma das garotas que o ouvia. Tews era sobrenome dele imagino.

–É mesmo. – Disse Amy apoiando o cotovelo na mesa e juntando as mãos nos lábios.

–Qual o seu nome? – Perguntou Tews. Seus olhos eram acinzentados e na sua orelha havia marcas de piercing que foram recentemente retirados, possuía uma pele muito pálida, com veias transparecendo em seus braços.

–Valesca – Disse Amy sem mudar de expressão.

Segurei o riso, diferente do garoto na mesa que não levantou uma sobrancelha ainda sorrindo.

–Que nome lindo. – Ele disse. Uma das garotas da mesa fulminou Amy. – Você é bem linda. Posso te chamar de Val?

–Obrigada. – Amy disse colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Ela ignorou o apelido.

Pelo que pude notar eles estavam se paquerando, o nome normalmente provocaria risos de todos na mesa, mas nesse caso algo fez com que ele gostasse do nome. Algo bloqueava os Recuperáveis de praticar bullying.

Por algum motivo eles conversavam mais alto no refeitório, imagino que eles levam a regra do colégio de não fazer barulho no corredor muito a sério.

–E quem é sua amiga? – Ele perguntou olhando pra mim. Meu coração acelerou, eu estava esperando que eles não me notassem.

–Essa é Molly. – Disse Amy. Encarei a ruiva assustada.

Ela disse realmente meu nome. Por quê?

–Oi. – Ergui a mão em sinal de aceno. Ele deu um tapa nela, e sorriu.

–Você é bem tímida pelo visto. – Disse um garoto que eu não havia notado que estava um pouco mais distante na mesa. Seus cabelos eram arrepiados, mas por mais que tivesse os cabelos rebeldes era extremamente arrumado. Assenti um pouco hesitante.

Nesse momento senti abertura para olhar para os outros Irrecuperáveis, para ver como eles estavam se saindo. Notei que Colin caminhava em minha direção. O garoto que antes tinha os cabelos desgrenhados e seriedade no rosto caminhava totalmente diferente agora, com cabelos levemente arrumados e um sorriso carismático no rosto, movia seus braços como se fosse o melhor dia de sua vida.

–Hey. – Disse ele parando de falar subitamente. – Qual o seu nome mesmo?

–Molly. – Disse sorrindo. Era legal ver ele atuando assim todo feliz.

Seu sorriso tremeu levemente ao ouvir meu nome. Ele sentou na mesa e cumprimentou todos.

–Escuta, eu descobri o garoto que disseram que estava gostando de você. – Ele disse alto o suficiente pra todo mundo ouvir, fazendo as garotas darem gritinhos com a nova fofoca. – Vem aqui um instante que eu vou te contar!

Minha sobrancelha tremeu com a mentira que escutei. Mas levantamos juntos e caminhamos felizes pelas mesas do refeitório. Todos almoçavam aos sorrisos e risadas, mencionando estudos e professores positivamente.

O refeitório possuía uma parede só de janelas em direção ao jardim, com paredes maiores que as do corredor e cortinas longas e brancas, tudo estava devidamente arrumado e por mais que fosse hora do almoço não havia lixo no chão.

Colin chegou perto de mim e colocou as mãos cobrindo a boca, como se fosse realmente me contar um segredo.

–Você está no quarto 208, – Sua voz soou séria. – É o seu quarto original, onde iria se não tivéssemos escapado no discurso. Felizmente Amy pensou nisso também e não criou um nome falso pra você. Suas companheiras de quarto são meio ignorantes, o que torna mais fácil que elas não desconfiem que você não é a garota tímida que estava lá antes. Boa sorte.

Quando terminou sorriu novamente.

–Mas e a Val? – Perguntei rindo e indicando com a cabeça a mesa em que Amy sentava.

–Todos nós já temos um lugar. – Disse rindo como se eu dissesse algo engraçado. – Depois eu te passo. A gente se vê, vou voltar pros meus amigos. – Ele deu uma piscadela e saiu.

Voltei pra mesa de Amy. Percebi que minha mão tremia um pouco, não estaríamos juntos a partir de agora. Queria que Amy ficasse no meu quarto.

Notei que estava sendo totalmente estranha com as pessoas da minha mesa e lembrei-me de como eu podia imita-los se eu quisesse. Mas, Pow pareceu ter sussurrado no meu ouvido aquelas mesmas palavras. ‘’Eu devia estar com os outros. Os Recuperáveis. Eles são pessoas comuns, que cometeram erros comuns. Que simplesmente não tem chance, diferente de você’’

Senti vontade de nunca mais imitar ninguém.