Escuridão escrita por Luh Moon


Capítulo 1
Primeiras impressões


Notas iniciais do capítulo

Daniel Phillip Collins desperta sem lembrar bem onde está ou quem é...A descoberta é mais surpreendente do que se pode imaginar!



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A primeira coisa que consigo lembrar é das luzes fortes; um som estridente e depois um silêncio aterrador. Não me lembro de nada antes disso. Em meio ao silêncio, uma dor excruciante que começava em algum ponto indefinido e se espalhava por todo o meu ser! O silêncio foi cortado por sons confusos: vozes, sirenes e, ao fundo, o som suave de uma chuva fina que, embora eu não pudesse realmente ver ou sentir, sabia que estava ali.

Eu senti frio. Um frio gélido como jamais havia sentido antes! Um frio congelante que começou em algum lugar embaixo dos pés e foi se espalhando pelo corpo inteiro. Não me lembro de ter pensando em coisa alguma, minha mente estava vazia. A dor de repente tinha simplesmente ido embora, o frio havia tomado completamente o seu lugar. Era como se os meus ossos estivessem congelando, como se o frio viesse de dentro de mim. Não era por causa da chuva, isso eu sabia.

Há muita coisa que eu só entendi muito tempo depois, mas naquele momento eu apenas sentia o frio intenso tomando conta de mim e depois foi apenas mais silêncio e escuridão. Alguma coisa como aquele momento em que você finalmente adormece, depois de rolar na cama por horas e quando abre os olhos já é outro dia. Foi algo assim que aconteceu.

Honestamente eu estava esperando por um momento revelador, algo como um túnel de luz ou alguma coisa assim. Algum ser celestial me aguardando de braços abertos, trombetas, anjos, qualquer coisa dessas... Mas nada aconteceu! Só um imenso vazio. Tenho uma vaga lembrança de luzes ofuscantes, mas não eram celestiais! Eram alinhadas, redondas e frias... Humanamente frias.

Depois disso apenas aquele instante breve e interminável entre o dormir e o despertar. Vazio, frio e escuro. Um sono sem sonhos, sem sobressaltos, sem nada. Interrompido apenas por um solavanco, uma sensação esquisita, como se eu estivesse sendo virado do avesso, como se eu estivesse sendo espremido feito um tubo de pasta de dentes... Como se uma mão gigante apanhasse alguma coisa muito minha e puxasse para fora. Sem dor... Só uma estranha sensação de saudade, de perda, de separação... E depois só o vazio.

Como dormir... Tão rápido e ao mesmo tempo pareceu se arrastar pela eternidade. Mas quando eu finalmente abri os olhos não era dia! Ou ao menos eu não vi luz! Continuava tudo escuro! Eu não tinha ideia de onde estava, mas estranhamente não tinha nenhum medo em mim.

Terra. O cheiro da terra úmida foi a primeira sensação. Nenhum tato e nada além da escuridão. Eu não ouvia nada, não sentia nada, exceto aquele cheiro forte de terra! Foi quando tive o primeiro impulso, talvez o primeiro pensamento... Eu quis me mover! Tocar em alguma coisa! Saber onde eu estava! Foi apenas no momento em que percebi que isso era impossível que senti medo pela primeira vez.

Não era que eu não pudesse me mover! Eu não sentia meus braços, pernas, nada! Eu não tinha o que mover! Eu não entendia o que estava acontecendo, por isso um medo tremendo me tomou. Embora eu não sentisse meu corpo, sentia que o medo me paralisava. E o cheiro daquela terra foi se tornando mais e mais insuportável.

Não era apenas terra molhada, era alguma coisa mais, alguma coisa que eu não conseguia definir. Alguma coisa envelhecida, como a terra que se usa para plantar. Concentrei todo o meu ser em compreender aquele cheiro que parecia se abrir em inúmeros outros cheiros que se misturavam e me confundiam. Havia algo decomposto naquele odor, algo orgânico... Algo apodrecido. Um cheiro doce e repugnante me invadiu de repente. Lembrava os perfumes amadeirados.

Naquele momento o sentimento que tomava conta de mim não era mais o medo! Era desespero! Onde eu estava? Que cheiro era aquele? Por que eu não podia me mover? Por que eu não via nada além de uma imensa massa densa de escuridão? O desespero fez com que eu começasse a me agitar com violência! Eu precisava sair dali, embora eu não soubesse onde era ali! Tudo o que eu sabia é que eu não devia estar ali...

Não sei por quanto tempo fique naquele estado de alarme! Eu sentia como se fosse um animal enjaulado! Eu sentia como se fosse uma formiga presa entre os dedos de alguma criança travessa e cruel! Eu queria sair! Eu precisava sair! E de repente, senti como se fosse muito leve, como se flutuasse em uma piscina... Para cima, para cima... Depois senti que caia e caia num abismo infinito...

E eu caí. Sem dor, sem impacto. Eu apenas sabia que havia caído. E o cheiro de terra me encheu outra vez. Mas era diferente agora! Ainda a terra úmida, mas agora parecia fresca... Acompanhada de um cheiro de erva, mato, grama recém-cortada... Mas eu ainda estava preso naquela escuridão e não via coisa alguma. Eu tinha mudado de lugar, mas ainda estava perdido... Ainda não fazia ideia de onde estava.

Não sei dizer quanto tempo eu fiquei ali, onde eu havia caído e não fazia ideia de onde era. Fiquei ali, como um bebê que não aprendeu a andar, rolando... Eu ainda não sentia meu corpo, nem via nada, mas eu sentia assim: como se eu estivesse rolando de um lado para o outro, cego, surdo e incapaz de me mover além daquilo. Pareceu uma eternidade...

Foi então que tive o primeiro vislumbre. Eu vi alguma coisa! Ainda desforme e esquisito... Alguma coisa cinza, coberta de marcas estranhas. Eu queria me aproximar, mas não tinha noção de distância! Queria tocar a coisa, pegar... Mas eu ainda não sabia o que havia com meu corpo que não me atendia! Aquela coisa estranha me assombrou de um modo que eu não entendia. O que era aquilo afinal?

Se eu pudesse sentir meus olhos, as pálpebras, eu teria me esforçado para apurar a visão. Mas parecia que não eram os meus olhos que viam... Tudo parecia um sonho desfocado. Como se aquelas imagens de repente tivesse começado a se formar a partir do nada, diretamente na minha mente. Comecei a sentir frio novamente e percebia uma chuva fininha. Eu realmente pude ver a nuvem de umidade caindo diante de mim, embora eu não estivesse realmente enxergando.

Eu vi as gotas de chuva se acumulando naquela coisa cinza e escorrendo. Aos poucos ficou claro que eu estava olhando para um pedaço de pedra. Alguma coisa ainda não fazia sentido em tudo aquilo, mas eu conseguia juntar as peças: terra, mato, pedra gravada... Eu sabia onde eu estava! E essa constatação me encheu do maior terror que já experimentei!

Pela primeira vez desde que tudo aquilo tinha começado eu finalmente sabia alguma coisa, mas aquilo não me reconfortava de forma alguma. Eu sabia onde eu estava! Não sabia como, mas reconhecia aquele lugar. Se eu pudesse teria chorado, mas eu não podia. Eu sabia onde estava e aquele seria o último lugar que eu teria imaginado. Como um flash, toda a imagem ao redor ficou dolorosamente nítida! Eu estava no cemitério!

Eu tinha certeza de já ter estado ali antes! Eu reconhecia aquelas lápides, árvores e tudo o mais. E o medo crescente me dominou! O que eu estava fazendo ali? Como fui parar naquele lugar sombrio? Parecia uma conclusão tão óbvia... Mas eu simplesmente me recusava a aceitar. Só havia uma resposta: eu havia morrido.

A angústia que me dominou é simplesmente indescritível! Principalmente por que naquele momento eu não tinha lembrança alguma de quem eu era. A única consciência clara em mim era ser alguém, uma pessoa, um ser humano! Mas qual era o meu nome, ou onde eu vivia ainda era uma incógnita para mim!

De um lance só eu vislumbrei toda a paisagem em meu redor. Não serei tão idiota em dizer que não era de uma beleza absurda! Há quem não goste de cemitérios, não vou dizer que sou fã deles, mas não posso negar que alguns deles são tão belos como obras de artes. Era o caso desse! Repleto de esculturas e monumentos era um convite à contemplação. E eu quase me esqueci o que tinha me levado até ali.

A ideia de morte tirou qualquer entusiasmo que as esculturas ou o ambiente pudesse produzir. É simplesmente impossível pensar que você está morto e sentir-se animado com qualquer outro fato. Tampouco eu me sentia triste e isso era alguma coisa que eu ainda não entendia muito bem. Mas naqueles dias eu sequer entendia direito o que estava acontecendo! Voltei a me concentrar na pedra cinza, que agora eu sabia, era minha lápide.

Agora estava tudo muito claro! Era uma lápide em mármore branco, mas por causa da escuridão e da chuva havia me parecido acinzentado. Havia duas datas gravadas, mas por maior esforço que eu fizesse, não conseguia decifrá-las. Acho que as datas não fazem mesmo muita diferença para os mortos, mas honestamente, se era minha lápide eu gostaria de saber quando foi que eu morri! Mas o nome gravado ali estava claro e nítido: Daniel Phillip Collins.

Então esse era eu? Eu fiquei reproduzindo aquele nome para ver se fazia algum sentido. Mas nada me ocorria! Nada! E nem posso dizer que tudo estava um branco em minha mente... Tudo estava muito mais para uma escuridão infinita. Percebi depressa que a ausência de luminosidade estava intimamente ligada ao meu novo estado. Naquele momento eu me senti impotente, perdido, sem rumo.

Eu teria me sentado sobre meu próprio tumulo e apoiado a cabeça nas mãos desolado, se naquele momento eu tivesse um corpo, mãos e cabeça. Mas percebi que eu estava mais para uma massa disforme e levemente brilhante. Talvez fosse apenas o efeito da garoa que continuava caindo, mas o fato é que quando eu realmente consegui perceber minha própria presença foi isso o que eu consegui perceber: uma nuvem compacta e disforme, levemente reluzente.

Então era assim a vida após a morte? Aquilo era mesmo algum tipo de vida? O que eu era afinal? Um espectro? Eu era apenas a minha alma? Morrer era isso? Uma sem conta de indagações me invadiu e me deixou em um estado de confusão profunda. Eu fiquei ali, imóvel por tanto tempo que não sei precisar. Tive medo de desaparecer... Medo de virar fumaça no ar e me dissipar pela noite negra.

E se eu sumisse? E se eu simplesmente voasse como fumaça no ar? Fiquei tentando me concentrar nisso, em permanecer ali, em uma forma única. Estava com muito medo de me espalhar pelo universo. Fiquei esperando ser recolhido por alguma força cósmica, ou seja lá o que fosse que cuidava dos mortos depois de mortos.

Fiquei tentando me lembrar de tudo que eu sabia sobre morte, sobre vida após a morte, sobre mitologias... Era engraçado como eu era incapaz de lembrar qualquer coisa sobre mim e sobre minha vida, mas conseguia lembrar com facilidade de tudo quando eu aprendi durante a minha vida. Ao menos eu acreditava que era meu aprendizado em vida. Talvez fosse o aprendizado de outras vidas... Como eu poderia saber?

Nada. Nada daquilo que eu achava que sabia fazia sentido naquele momento. Eu nunca tinha ouvido falar de algo como aquilo... Naquele momento eu nem tinha certeza se estava mesmo morto! Por alguns momentos eu cheguei a pensar que estava sonhando, ou tendo um terrível pesadelo. Nada fazia o menor sentido. Mas se aquilo fosse um sonho, eu deveria me lembrar quem eu era, não é? Eu já não tinha certeza de coisa alguma.

Não sei quanto tempo demorou até eu entender que eu era aquela nuvem esquisita pairando sobre um túmulo; o meu próprio túmulo. Comecei a juntar os fatos e entendi que estivera preso lá embaixo, dentro do caixão, junto com meu antigo corpo por algum tempo... Agora o cheiro de terra, de podridão e de decomposição fazia sentido! Também entendi que eu flutuei para fora quando acordei. E agora eu começava a sentir o meu corpo, mesmo que não fosse um corpo de verdade.

Naqueles primeiros momentos eu mal conseguia me mover. Percebi que conseguia dar a volta em torno de mim mesmo, ou o que o valesse. Eu conseguia olhar em redor... Às vezes eu me sentia profundamente cansado e caía de novo numa escuridão profunda. Era como se eu adormecesse. Quando me dava conta estava ali outra vez flutuando. Era como se toda a vez eu percebesse pela primeira vez que estava morto. As primeiras vezes foram bastante dolorosas, mas depois se tornou comum, exatamente como dormir e acordar.

Depois de algum tempo naquela rotina repetitiva eu finalmente entendi o que eu era. A nuvem que eu era subiu um pouco mais no ar e atravessou os galhos de uma árvore que havia ali por perto. Vim meu túmulo do alto e percebi um cortejo fúnebre se movimentando em outro ponto do cemitério. A morte se tornou terrivelmente palpável para mim naquele momento.

Eu estava morto. Eu era um fantasma.




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Notas finais do capítulo

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