Silent Hill: Sombras do Passado escrita por EddieJJ


Capítulo 29
Reencontro nas Sombras - Pt. 2


Notas iniciais do capítulo

"A tristeza de uma despedida é necessária para que haja a alegria de um reencontro." - Edmundo Dragon Heart



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Antes que pudessem pensar no que iam ou podiam fazer, a mancha já dava o segundo passo no seu terrível esquema: revelar sua verdadeira forma e pôr um fim nas suas presas. Os fragmentos dissipados da macha absurdamente escura percorreram velozmente o corredor e um deles saltou contra braço de Emma, fazendo-a derrubar sua lanterna, que apagou devido ao impacto no chão. Presas num breu que parecia sem fim e assustadas demais para apalpar o chão a procura da lanterna, as garotas se orientavam dentro do corredor observando, não uma luz, mas os vários fragmentos absurdamente escuros que conseguiam o incrível feito de se destacar na escuridão. Os tais fragmentos reuniam-se de pouco em pouco na parede oposta à da porta das escadarias, onde o corredor único terminava. Formando então uma sombra volumosa e densa, a mancha ergueu-se como se uma pessoa robusta estivesse levantando. As duas garotas, horrorizadas como estavam, puderam ver gradativamente a sombra sair de dentro da parede, como em um filme 3D ou algo parecido. Primeiro, longos e esqueléticos braços absurdamente escuros saíram, depois, o que pareciam duas pernas absurdamente escuras saíram também, e, por fim, um tronco absurdamente escuro (pela fisionomia era semelhante ao de uma mulher) saiu de dentro da parede, sustentando uma cabeça absurdamente escura e sem face, de onde partiam vários, grossos e longos fios de cabelo, que flutuavam como se estivessem dentro da água. Por um breve período de tempo a criatura manteve-se parada, sendo o balançar dos seus cabelos o único movimento naquele corredor.

– Err... er... er... – as palavras não saíam da boca de Emma, como se algo estivesse apertando sua garganta e impedindo que o ar passasse por ali.

– Emma.... – a garota sussurrou em se ouvido – Ele está olhando para nós...

– Eu sei...

– Emma... a arma.

Emma recebeu e compreendeu a mensagem. Aproveitando-se da imobilidade da criatura, ela silenciosamente pôs o dedo no gatilho e apontou a arma para seja lá o que fosse, tentando ao máximo não ser percebida. Um clarão e um alto “Bang” anunciaram o tiro. A criatura não se movera, como era esperado, mas para a surpresa das duas, a bala simples passou pela criatura e atingiu a parede atrás dela, como se não tivesse tocado nada além do ar ou da escuridão.

– Merda... – Emma sussurrou, baixando a arma.

A criatura escura do corredor do cartório não era diferente de todas as outras encontradas em Silent Hill, ou melhor, era, em termos de aparência, distinta de todas as outras, mas semelhante a elas em todo o medo e horror que causavam a Emma. Porém, dentro de tudo que havia de horrível e amedrontador naquele ser, a face, ou melhor, a falta dela, era o que gelava a espinha da garota. Emma não conseguia, por mais que tentasse, tirar os olhos do imenso vazio negro que era o lugar onde seu rosto deveria estar. Foi quando a criatura, em reciprocidade, resolver olhar diretamente para Emma. Dois grandes círculos se abriram em sua face vazia, estes ainda mais negros do que a criatura, que era ainda mais negra que a própria escuridão e contemplando aqueles olhos, Emma sentiu como se tivesse saído da realidade. Não sentia mais seu corpo, nem seu medo ou qualquer outra coisa. Ao fundo, podia ouvir a outra garota chamar-lhe pelo nome e perguntar o que diabos ela estava fazendo, até que sua voz desaparecesse e Emma não pudesse ouvir mais nada. Era como se fosse pouco a pouco tragada pelo vazio que via nos olhos da sombra.

– Emma! – disse uma voz delicada e aconchegante, agradavelmente familiar – Emma... – a voz voltou a chama-la num jeito arrastado, quase como um canto. Aquilo era tudo que Emma conseguia perceber à sua volta, o resto parecia... escuro.

Mas a escuridão não durou muito tempo. Como quem desperta de um sono profundo, Emma abriu seus olhos e então escancarou um sorriso, maravilhada e aliviada com o que viu. Estava fora do outro mundo, estava fora de Silent Hill, estava em frente à sua casa. Não em frente ao Edifício Seven Wonders, onde Sebastian deveria tê-la deixado ao invés de iniciar toda aquela viagem, mas na casa onde crescera com seu pais em New Jersey: um sobrado, feito de madeira escura, grande e elegante, afastado o suficiente da cidade para que não fosse considerado urbano e afastado o suficiente do campo para que não fosse considerado rural. Era como se aquele sobrado, que se situava nas proximidades de um vasto bosque repleto dos mais diversos tipos de árvores (que naquele momento estavam estranhamente mais vivos e verdejantes do que em qualquer outra época em que Emma vivera naquele lugar), fosse um pequeno mundo independente e, de fato, durante sua feliz infância, ele fora esse mundo.

Emma se via sobre a estreita rua única de pedra, toda forrada de arbustos floridos dos dois lados (dos quais Emma não se lembrava), que levava das rodovias movimentadas do centro urbano ao confortável alpendre da sua casa, onde uma mulher a aguardava sentada, acenando com um sorriso no rosto.

– Emma... – a mulher voltou a chama-la.

Emma pôde sentir as lágrimas escorrerem no seu rosto.

– Mamãe? Mamãe, é você mesmo? - perguntou, limpando as lágrimas para que sua visão ficasse o menos obstruída possível.

– Sim, borboletinha. – era como a mãe de Emma a chamava quando esta era pequena.

– Mas eu achei que você... – a garota preparou-se para retrucar, mas, sua mãe pediu silêncio, pondo gentilmente eu dedo sobre os lábios.

– Shhhhh..... Não importa. O importante é que estamos juntas de novo.

– Mamãe! – o sorriso de Emma tornou-se ainda mais largo, motivado pela empolgação proporcionada pela visão feliz e agradável de sua mãe.

De fato, aquela era, ou pelos menos aparentava com muita precisão ser, sua mãe. Uma mulher morena, olhos cor de mel e volumosos cabelos cacheados a aguardava sentada numa cadeira de balanço no alpendre. Emma a reconheceria em qualquer lugar.

– Eu tenho sentido tanto a sua falta, borboletinha.

– Eu... eu também tenho, mãe! – Emma não sabia se continha as lágrimas ou o sorriso, que se fundiam em seu rosto.

– Venha aqui, querida. Deixe-me tocar seus cabelinhos.

– Sim, mamãe! – Emma deu alguns passos pela estreita e única rua de pedra em direção ao alpendre e pôde sentir-se pesada, como se algo forte e invisível a estivesse puxando para trás. Mas esse peso não a conteve pelo simples fato de que ele não podia ser comparado com o peso da felicidade que Emma sentia em seu coração por ter acordado do inferno que era Silent Hill e encontrar-se em sua casa, próxima de sua mãe.

– Eu te amo tanto, borboletinha... – disse a mulher, como se cantasse uma música, observando Emma se aproximar em passos pesados e resistivos.

– Eu também, mamãe... eu te amo tanto!

– O que você quer dizer com mamãe?!!! – gritava desesperada a garota, que puxava o braço de Emma com toda força para trás, enquanto esta, em uma espécie de transe, chorava e sorria, andando pelo corredor único e escuro em direção ao ser sombrio no fim do mesmo. Emma não respondia, apenas continuava olhando e avançando fixamente para os olhos super absurdamente negros que a fitavam.

– Mamãe... eu achei que não a veria de novo... – Emma disse em voz alegre, continuando seu percurso pesado ao alpendre da casa, onde a mulher a aguardava.

– Essa coisa não é sua mãe!!! – a menina retrucou, puxando-a, porém Emma parecia não ouvir nada.

– Venha querida... – disse a mulher estendendo o braço, enquanto Emma subia o primeiro degrau do alpendre - ...há muito tempo não sinto o seu abraço.

– E há muito tempo eu não sinto o seu... – Emma sorriu.

– O que diabos você está fazendo, Emma?! Você vai morrer! – mais uma vez não houve resposta e a garota decidiu agir por si mesma.

Ao largar o braço da amiga, a garota permitiu que Emma avançasse livre e mais rápida em direção à grande sombra escura que, de alguma forma, a atraía. Mas também não se deu ao luxo de desperdiçar tempo. Procurando algo pelo chão que pudesse ajudar, a garota apanhou um grande e pesado bastão de ferro que caíra dos destroços do teto na grande explosão de sombras.

– Liberte ela!!! – gritou, avançando sobre a criatura, pronta para acertar-lhe com o bastão. Porém, como já foi dito, a sombra era incomparavelmente mais rápida.

Com um súbito movimento de apenas um de seus fios longos, grossos e flutuantes de cabelo, o ser escuro retirou o bastão da mão da garota, não oferecendo chances ou aberturas para que esta sequer se aproximasse. Com outro fio flutuante ele a agarrou pelo pescoço e a jogou longe dali, no meio do corredor, onde a pressionou contra o chão com toda força que tinha, impedindo-a de se levantar.

– EMMA!!! – gritou, debatendo seus braços e pernas a fim de obter liberdade.

– Estou aqui, mamãe... – Emma subira todos os degraus e se encontrava agora com sua mãe, que lhe apertara a mão.

– Sim, borboletinha... – a mulher levantou-se da cadeira e agarrou gentilmente os braços de Emma com os seus – Finalmente você está aqui...

A boca da mulher se abriu em um sorriso, que, ao contrário dos sorrisos comuns (que normalmente mostram dentes, gengiva, língua e afins), exibia um grande oco absurdamente negro. O rosto pardo de Emma empalideceu e seu fôlego se esvaiu quando viu a cena, ela então tentou soltar-se dos braços da mãe, que agora pareciam longos braços esqueléticos e negros.

– O que está acontecendo? – Emma entrava cada vez mais em um profundo desespero à medida que observava as árvores verdejantes tornarem-se paredes sujas compostas de ferro enferrujado e tijolos desgastados, a rua única de cascalho tonar-se um corredor único sujo e pegajoso e a sua mãe tornar-se uma pessoa sombria e absurdamente escura - Mamãe? Mamãe? – Emma estava assustada como uma criança indefesa e chamava pela sua mãe como se algum dia ela realmente tivesse passado por ali.

– EMMA! – a garota novamente gritou, percebendo que sua amiga havia saído do transe.

Emma tentou responder o chamado, mas não foi possível. Após destruir a teia de ilusões onde aprisionara sua presa, a criatura abriu uma enorme boca (tão escura quanto os olhos, que eram mais escuros que a sombra, que era mais escura que a escuridão) e a aproximou da boca de Emma. Em pouco tempo, Emma sentia como se tudo dentro dela estivesse sendo sugado, desde sua vitalidade, passando pelo seu fôlego e chegando até sua vontade e força de reagir ou falar qualquer coisa.

– EMMA!!! – a garota balançou os braços querendo desesperadamente libertar-se do tentáculo que a pressionava no chão e, sem querer, tocou com a ponta dos seus dedos um objeto cilíndrico.

Ela apalpou o objeto e logo se deu conta de que se tratava da lanterna.

– Isso! – a lanterna foi ligada na potência máxima e apontada para o ser que sugava a vida de Emma.

A criatura largou sua vítima no chão e grunhiu violentamente, lançando-se em agonia contra as paredes e acertando com um de seus tentáculos o tubo de ventilação do teto, que caiu e atravessou o piso, produzindo um grande buraco que dava para o andar térreo. A poeira baixou e nada mais se viu da sombra absurdamente escura, que, enquanto as garotas recuperavam o fôlego, se dissiparam nas paredes na forma de uma mancha negra.

– Emma! – a garota levantou-se e correu até o corpo caído da amiga, que se ainda se debatia no chão, como em uma convulsão – Emma, calma! Calma! - ela sentou-se e ajeitou a cabeça de Emma em seu colo, passando a mão suavemente em seus cabelos – Você está bem?

Emma fez que sim com a cabeça, ainda trêmula.

– Não podemos continuar aqui. Definitivamente, não podemos. – disse – Vem, vamos.

A garota levantou Emma com dificuldade e passou seu pescoço por baixo do braço da companheira. Ambas atravessaram o corredor a passos descompassados e no fim dele encontraram uma janela, vedada por grades finas e frágeis, que pareciam aguardar um simples empurrão para desabarem. A tal janela ficava sobre uma grande caçamba cheia de lixo fofo, que por sua vez ficava num canto do estacionamento do cartório, que por sua vez ficava do lado da rua onde, para todos os efeitos, as duas queriam chegar desde o início.

– Vai ter que servir. – a garota concluiu, assegurando-se de que Emma já podia ficar em pé sozinha, e começou a chutar violentamente a grade da janela.

– O que... o que está fazendo?

– Estamos saindo daqui. – respondeu, dando um último chute antes da grade desprender-se da parede e cair no estacionamento lá embaixo.

– Não quer que pulemos, quer?

– Tem uma caçamba cheia de lixo lá embaixo. Além do mais estamos apenas no primeiro andar, uma queda desta altura não seria mortal.

– Acho que não temos outra opção... – Emma sentou na janela com certa dificuldade e pulou para dentro da caçamba de lixo, seguida da garota.

Já no chão, ambas saíram de dentro da caçamba de lixo e seguiram apressadamente, em meio às trevas do Outro Mundo, para fora do estacionamento, em direção a rua.

– Você também viu o bosque? – Emma referia-se ás visões que tivera no corredor.

– Que bosque?

– O bosque... a casa onde eu morei... e minha m... – o tom de voz de Emma baixou até ela calar-se por completo, dando-se conta do quão louco aquilo estava soando.

– Não, não vi nada. Mas você com certeza viu alguma coisa... Estava avançando para a morte, chamando aquilo lá dentro de mãe.

– Mamãe... Ela também estava lá.

– Lá?

– Esqueça. Nem mesmo eu sei o que foi aquilo tudo. Quando me dei conta já estava naqueles braços nojentos.

As garotas seguiram em silêncio o curso da rua até chegarem a mais uma grande fenda, semelhante àquela do outro lado da rua, mas dessa vez não era em grades, mais no asfalto que ainda sobrara ali, mesmo depois da transformação entre os mundos. A fenda no asfalto formava um grande e maciço paredão rochoso que dava para uma imensidão escura ao fundo do buraco, ao longo do qual se estendiam vários desníveis suficientemente grandes para uma pessoa sentar-se ou até mesmo deitar-se.

– Não podemos seguir por aqui... – resmungou Emma.

– Podemos dar a volta e virar a esquina logo ali à esquerda e depois virar de novo à esquerda, assim daremos a volta no quarteirão.

– Sim, podemos.

As garotas viraram as costas para as margens do buraco e ficaram sem fôlego com o que viram.

– Isso não pode ser...

Emma não precisou terminar o raciocínio para perceber que sim, isso era. A mancha absurdamente escura vagava agora no meio da rua trevosa do Outro Mundo em direção a ambas as garotas. A ideia de recuar foi mútua e quase simultânea, mas se qualquer uma das duas dessem mais que cinco ou seis passos para trás seriam lançadas na grande e funda fenda. Estavam encurraladas.

– Teremos que dar a volta nessa coisa... – Emma sugeriu, embora nem ela mesma parecesse segura do que estava dizendo.

– Tem certeza?

– Não... Mas é tudo em que eu consigo pensar. Atirar não adianta e se apontarmos a lanterna isso vai se esquivar. – Emma suspirou – Quando eu contar até três quero que dê a volta pela esquerda, eu o farei pela direita. Acho que ele não vai conseguir focar em nós duas.

– Mas o que acontece com aquela na qual ele focar? – perguntou a garota, assustada.

– Vamos descobrir no três. Um... – ambas se puseram em posição – Dois.... – o máximo do ar fedorento foi absorvido em seus pulmões – TRÊS!

Inútil. Em vão. Supérfluo. Dispensável. Essas são palavras e expressões que descrevem perfeitamente tanto a ideia de Emma, como o esforço empregado pelas garotas no seu plano.

Ao tentarem dar a volta na criatura, a mancha simplesmente lançou dois de seus vários tentáculos em direções opostas e agarrou Emma pelo pé e a outra garota pelo braço, lançando as duas de volta às margens do abismo e construindo com suas sombras pequenos muros escuros, os quais fecharam a rua e impediram que a ideia fosse tentada outra vez.

– Droga... – grunhiu Emma, levantando-se.

– Emma...

– O quê?

– Não temos muito tempo.

De fato, não tinham. Era uma questão de mais ou menos uma dezena de metros até que a mancha as alcançasse e Emma não sabia, de todo o seu coração, se preferia ser lançada no escuro do abismo ou no escuro dos olhos daquela criatura alguma outra vez. Sem ter para onde ir, a garota sugeriu uma ideia arriscada.

– Eu avançarei sobre ele. – ela concluiu.

– Está maluca?!

– Eu irei apenas distrair, quem sabe lutar...

– Não, você vai...

– Emma, não temos escolha. Prepare a lanterna para atingi-lo quando ele estiver ocupado comigo. Você entendeu?

– Mas...

– Você entendeu, Carter?

– SIM! – Emma assentiu, determinada, e empunhou a lanterna.

A garota correu audaciosamente até a sombra, confiando sua vida completamente a Emma e pronta para jogar-se naquele escuro movediço. No entanto, não teve tal chance. Não é possível dizer se a criatura havia se enfurecido por causa da ousadia da garota ou se simplesmente havia decidido ser violenta, mas era certo dizer que estava bem mais agressiva. Do escuro no asfalto emergiu um enorme e robusto tentáculo que agarrou a menina pela cintura e levantou-a no ar, apertando-a.

– Maldito! – Emma não esperou a garota terminar sua respectiva parte do plano para pôr a dela em prática.

Com a lanterna ligada na potência máxima, Emma apontou o feixe de luz para o tentáculo, acertando-o em cheio. O membro da criatura agonizou, vibrou e se contorceu, tentando inutilmente escapar do feixe de luz que partia da lanterna de Emma e fazia questão de acompanhar seus movimentos. Furioso, o ser chocou o corpo da garota suspensa com toda a força que tinha contra a parede de um dos prédios ao redor e então arremessou-a de volta aos pés de Emma, recolhendo-se de volta à mancha escura no chão, que continuou a se aproximar.

– Em...ma... – a garota gemeu. Estava claramente tomada de dores devido às fortes pancadas.

Emma olhou para o corpo caído e virou-se para a sombra, cheia de ódio.

– Malditoooo!!!! – ela gritou novamente, preparando a lanterna para um segundo ataque.

Quase como em reposta ao insulto, a estranha forma humana das sombras se ergueu do chão e atirou um de seus longos fios flutuantes de cabelo contra a lanterna que Emma portava, fazendo a garota derruba-la no abismo. Desolada, Emma ainda estendeu sua mão no ar, como se esperasse que, assim como os cabelos da figura sombria, seu braço esticasse e recuperasse para si o objeto. Porém tudo que conseguiu foi uma vista desesperadora do feixe de luz girando enquanto caía para dentro da imensidão escura até não poder mais ser visto.

Emma pôde ver um sorriso absurdamente negro se abrindo no rosto sem face do seja lá o que fosse aquilo, como se até mesmo o ser tivesse a plena consciencia de que ambas estavam definitivamente perdidas. Ela então recuou um passo para junto do corpo da garota (que oscilava entre consciente e inconsciente) e, ajoelhando-se, agarrou-a junto ao peito.

Aquela não era a primeira vez, desde que entrara em Silent Hill, que Emma havia perdido as esperanças diante de qualquer que fosse a ameaça. Havia perdido as esperanças quando se vira trancada naquela conveniência suja do posto de gasolina, cercada de bestas feras, logo que chegara na cidade, havia perdido as esperanças quando um grande abismo na estrada a impedira de sair de Silent Hill, havia perdido as esperanças quando fora encurralada dentro de um closet no Jacks.Inn, havia perdido as esperanças quando Sebastian caíra para a morte naquele buraco, como havia perdido as esperanças em tantos outros momentos. Mas o diferencial em todas essas situações citadas, que as distinguiam da situação em que ela se encontrava naquele momento, era que a ajuda, ideia ou plano aparecia sempre no último minuto e lhe restituía a esperança. Mas desta vez o último minuto já havia chegado (isso se as duas ainda dispusessem de um minuto) e tudo que Emma via era um corpo semiconsciente em seus braços, uma grande e profunda escuridão atrás de si e uma grande e profunda escuridão erguida em sua frente, que parecia sentir prazer em simplesmente observar o medo da garota. Parecia que a ajuda, ideia ou plano não viria para lhe restituir a esperança, parecia que nada viria para tirá-la dali. Parecia.

Um som de uma violenta arrancada no asfalto ecoou pela rua silenciosa (essas que os motoristas fazem quando pisam com tudo no acelerador do carro) seguida de uma buzinada longa e aguda e de um estrondo ensurdecedor. Tanto Emma, como a criatura, e até mesmo a garota, mesmo fraca, olharam para a fonte do som, que vinha do estacionamento do cartório, de onde haviam saído há pouco tempo. Um carro marrom, antes parado, havia arrombado o portão do estacionamento e agora se dirigia pelo meio da rua, com uma velocidade impressionante, na direção das três. Os faróis, que foram subitamente acesos em sua potência máxima, fizeram Emma e a garota em seus braços cerrarem seus olhos ao mesmo tempo que acertavam sua luz em cheio na criatura.

O ser gritou de uma forma tão medonha que Emma não sabia se deveria se assustar com o perigo que corria, com o veículo que vinha com tudo em sua direção ou com o gemido da sombra; afinal, ela não estava mais sendo acertada pelo feixe de uma simples lanterna, mas sim por dois enormes e brilhantes faróis. Os pensamentos de Emma foram interrompidos quando uma voz familiar gritou.

– Saíam do caminho!!! – e um vulto, aparentemente o motorista do carro, abriu a porta do automóvel e jogou-se na rua, girando descontroladamente.

Emma teve que pensar rápido. Muito rápido. A criatura agonizava em sua frente, debatendo-se de dor e procurando alcançar, com seus tentáculos trêmulos, a parede mais próxima para que pudesse se dissipar para longe dali e o veículo vinha cada vez mais veloz na sua direção, atrapalhando, com seus faróis, sua visão e seus pensamentos. Olhando para trás, para o imenso vazio escuro do abismo, Emma contemplou novamente os desníveis do paredão rochoso, aqueles que eram grandes o suficiente para uma pessoa sentar-se ou deitar-se em cima, e, sem pensar duas vezes, agarrou o corpo da menina contra o seu e jogou-se de costas para trás. Como planejado, ambas caíram sobre um desses níveis, situado a mais ou menos dois metros abaixo da borda do paredão rochoso e Emma bateu a cabeça fortemente contra o chão. A dor lancinante fez com que Emma perdesse a consciência em alguns poucos segundos, mas estes poucos segundos foram suficientes para que ela pudesse ver, e ouvir, duas coisas que, de tão rápido que aconteceram, cogitou ser apenas fruto da sua própria imaginação: sua primeira visão foi o carro marrom sendo atirado dentro do abismo negro junto com a criatura sombria que, estirada sobre o capô, havia falhado em seu plano de fuga. A segunda visão, esta ainda mais incrível e maravilhosa, era a do que parecia ser um rapaz, um que Emma não esperava ver nunca mais na sua vida, observando-a da borda do paredão. A visão de Emma não estava apta a reconhecê-lo, pois estava cada vez mais embaçada à medida que ela beirava o inconsciente, mas a voz do tal rapaz penetrou como música em seus ouvidos e ela teve certeza do que estava vendo e de quem se tratava.

– Você é mesmo impossível, Emma Carter... – disse docemente a voz de Sebastian, que contemplava feliz suas amigas em segurança.


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Notas finais do capítulo

Acho que não preciso de um resumo deste capítulo que diga mais que: "Sebastian reencontrou Emma". Depois de tanto sufoco e situações perigosas separados, os dois estão novamente juntos para mais... sufoco e situações perigosas. Pois bem, uma vez que ambos se reencontraram, o fim chegou para a FIC Spin-Off de Sebastian (Silent Hill: Sombras do Passado - Convergentes), que, caso alguém não saiba, foi iniciada há cerca de dez capítulos atrás, e tem como objetivo narrar o percurso de Sebastian dentro de Silent Hill enquanto esteve separado de Emma. Como eu já havia dito, essa FIC conta com alguns personagens essenciais para a história e recomendo, para aqueles que não leram, a leitura: http://fanfiction.com.br/historia/558090/Silent_Hill_Sombras_do_Passado_-_Convergentes/



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