CAPITULO ÚNICO

'Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.'

O som daquele antigo relógio rondava em sua cabeça. Em um círculo vicioso, o único som da biblioteca irritava sua mente, agitava os seus neurônios. Um perfeito silêncio, que poderia ser apreciado por muitos, mas por ele era como um incomodo.

Folheou – impaciente – as páginas no livro á sua frente. 'Romeu e Julieta', a obra de Willian Shakespeare, que já havia lido várias vezes, e que agora estava sendo forçado a ler novamente. Não que não gostasse, pelo contrário, Shakespeare era o seu autor favorito; o problema era o motivo de estar ali lendo.

Kurosaki Ichigo olhou mais uma vez para o seu único companheiro. O relógio marcava 5:30 (cinco e meia) em ponto. Naquele horário a maioria dos alunos já tinham ido embora, na verdade, quando dava o horário de saída eles pareciam feras enjauladas implorando por liberdade. Saiam sem cerimônia. No entanto, ele era o único imbecil a ficar ali.

Por que tanta demora?

Bufou em raiva. Massageou as têmporas com o dedo indicador tentando permanecer calmo, até que o som do celular em seu bolso quebrou o silêncio. Pegou de imediato. Era ela!

- Porra, Rukia! Onde é que você se meteu!? Sabe quanto tempo eu estou aqui nessa-

- Cala a boca, Ichigo! - a voz dela saiu tão forte que ele teve que afastar o celular – Deixa desses chiliques! Parece uma mulherzinha!

- Mulherzinha!? - se levantou da cadeira indignado – Eu aqui te esperando e é assim que você me agradece!?

- Tá. Tá. Desculpa. - pode ouvir um suspiro do outro lado da linha – Esta mais calmo agora? Preciso de sua ajuda.

- Lá vem... - revirou os olhos – Desembucha. Eu quero ir pra casa, sabe?

- Eu sei. Eu sei. Se você me ajudar, eu deixo você ir.

 

Ele resolveu ignorar a expressão 'deixo'. Desde quando precisava da ordem de Rukia para fazer alguma coisa?

- Você vai me ajudar? - ouviu ela falar mais uma vez.

- Se isso me fizer ir pra casa...

- Ótimo! Estou te esperando na sala de dança do segundo andar. Não demore. - enfim desligou.

 

Ele olhou para o celular em mãos.

Sala de dança? O que essa nanica esta fazendo?

~o~o~o~

Finalmente o último degrau. Já estava no segundo andar. Agora, o que tinha á frente era um longo corredor. Com algo bem notável e diferente, por assim dizer.

Ichigo ouvia um som. Alguma música talvez? Era o que estava parecendo. Uma música com um ritmo diferente. Vem da sala de dança - concluiu.

Começou a seguir aquele som. A fonte dele era o local onde Rukia estava. No curto caminho, sua mente resmungava e preparava uma bela bronca para a Kuchiki.

Ela vai me pagar pelo 'chá de cadeira'.

Chegou em frente a porta. A música já pestanejava em seus ouvidos. Alto e chato.

Em seu jeito costumeiro, abriu a porta com impaciência.

- Rukia, sua idiota! O que você está... está... - as palavras engataram em sua garganta. Os olhos castanhos se arregalaram em choque. Mas o que...?

- Ichigo, até que fim. - ela falou normalmente. Teve que abaixar o volume do pequeno gravador ao lado para escuta-lo melhor – Por que demorou?

 

Nenhuma resposta. Os olhos deles continuavam grandes, iguais a um caroço de abacate. Olhos em choque, dirigidos á ela.

- Ichigo? - percebeu o estranho – Você está bem? - começou a andar até ele.

- Porque... você está... desse jeito? - ele falou debilmente.

- Hã? - ela o olhou confusa, começou a examinar o próprio corpo procurando o problema. Até que percebeu. - Ah, essa roupa, não é?

 

Ele não disse nada.

- É para a minha avaliação extra classe. Já que a matéria que escolhi foi a dança, a minha prova será aprender uma dança de origem estrangeira.

 

Extra classe?, pensou. Sabia que todos os alunos tinham o direito de escolher uma matéria á parte em relação àquelas costumeiras ministradas em sala. Via isso como um modo que os professores encontravam para não deixar seus alunos em um completo estado de tédio.

Lembrou que Ishida e Inoue escolheram a costura, Chad o basquete, e Rukia... Dança? Por que raios ela iria querer aprender a dançar!?

- Por que você...

- Por causa da minha zanpakutou, imbecil. - ela respondeu antes mesmo de ele perguntar – Não sei se você reparou, mas a Sode é uma zanpakutou com habilidades manisfestada através de danças.

- Ah... - ele exclamou como um perfeito pateta. Percebeu isso, então cruzou os braços e virou a cara emburrado. Talvez fosse somente por que estava chateado...

- Agora deixa de conversa. Eu quero que você me ajude, Ichigo.

 

A voz dela fez com que os seus olhos voltassem a fita-la.

...Não. Talvez fosse porque não queria olha-la normalmente. Não daquela maneira.

- O que você quer? - perguntou olhando além dos ombros dela. Aprendeu isso com Byakuya, que nunca olhava para as pessoas diretamente. Imbecil!

- É simples... - Rukia o despertou de seu momento 'chingue o maldito Kuchiki' – Eu quero a sua opinião.

 

Ichigo arqueou uma sobrancelha curioso.

- Minha opinião?

- Sabe, apesar de eu estar morando aqui no mundo real, tem muitas coisas que eu desconheço. - deu de ombros, andando novamente em direção ao pequeno som – Uma delas é sobre essa dança que escolhi. Na verdade foi a Chizuru-san que me disse para escolher...

 

'Só podia ser!' - Ichigo praguejou mentalmente.

- Ela se chama dança do ventre. - ela o olhou do canto dos olhos – Você conhece?

 

Agora entendeu o motivo de Rukia esta vestida daquele jeito.

- Ah... Já ouvi falar. - respondeu ele.

- Já basta. Eu apenas quero que você me diga se estou fazendo certo. - ligou a música em um volume baixo – O livro que li dizia que essa dança é feita de uma mulher para um homem e que a grande característica dela é a sedução através de seus movimentos. Por isso que eu preciso da sua opinião. Quero saber se estou fazendo certo.

 

Homem? Sedução!?

 

- Será que você é capaz de fazer isso? - falou em um tom provocador.

Ichigo resolveu ignorar. Não se via capaz de fazer aquilo. O modo como ela estava... Nunca havia visto Rukia daquele jeito. Tanta pele exposta... Era inapropriado. Rukia parecia não se importar, mas ele sim.

 

- Rukia, acho que não vou pod-

- Obrigada, Ichigo. Agora é só ficar parado. - a pequena sorriu, mostrando que não aceitaria nenhuma resposta negativa.

 

Ele viu que não poderia escapar.

Rukia aumentou o volume da música, podendo ser bem mais distinguida pelos ouvidos do ruivo. Pegou um véu verde ao lado do aparelho, da mesma cor de sua roupa, dando alguns passos para frente e ficando no meio da sala.

- Se eu fizer algo de errado... - ela ergueu ambas as mãos, segurando o véu atrás da cabeça – Me avise.

 

Ichigo engoliu seco. Confirmou com um leve movimento com a cabeça.

A música tinha um ritmo diferente. Uma batida diferente, e de repente os quadris de Rukia começaram a acompanhar esse ritmo. Ichigo arregalou os olhos.

As mãos dela faziam movimentos circulares, acompanhadas do véu verde que rodeava o seu pequeno corpo. Esvoaçante e deslumbrante. Gestos delicados... Sedutores.

Os olhos castanhos dele não conseguiam mais desviar. Estavam fixos nela. Na pele clara como leite, em contraste com o verde. Nos ombros, braços, as pernas que escapavam do fino tecido... Estudava detalhadamente cada mínimo detalhe. Algo espontâneo de seu corpo, que ignorava a ordem do cérebro.

- Estou fazendo certo? - ela perguntou em meio aos movimentos.

 

Instintivamente ele balançou a cabeça positivo. Não ouviu realmente o que ela havia dito, estava em transe naquele momento. Mas aquela 'resposta automática' foi aceita por ela.

Rukia começou a dar paços para frente. Começou a se aproximar dele, e Ichigo percebeu. Ficou alarmado. Sentiu um certo perigo.

Ela ficou á poucos passos dele. Com um movimento leve - sempre de acordo com o ritmo da música - o véu cobriu metade de seu rosto. Apenas os seus grandes olhos azuis estavam amostra. Ichigo se viu presos nele.

Preso a cor; a forma; a essência dos olhos azuis de Rukia... Algo que sempre chamou sua atenção. Conseguia perceber através deles o que ela queria lhe falar. Quando queria que ele ganhasse força; quando queria que ele fosse mais confiante; ou quando somente queria que ele gostasse de seus desenhos (algo que nunca aconteceu e duvidada que pudesse acontecer).

De repente Rukia deixou que o véu caísse no chão, ficando com as mãos nuas e movimentando-as, na verdade, em direção a Ichigo, como se o tivesse chamando.

Ele notou isso, e mais uma vez o corpo falou mais alto dando um passo a frente.

No entanto, percebeu que não era somente o seu corpo que comandava. Aquele sentimento estranho - que sempre se manisfestava quando os seus olhos conheciam o rosto de Rukia - começou a ganhar espaço.

Sabia o quanto Rukia era importante pra ele. Não poderia negar. O que sentia por ela era muito forte e não sabia como explicar. Chegou a pensar nela como irmã, uma preciosa amiga; mas o que sentia agora não se aproximava disso.

Ela estava seduzindo os seus sentimentos; trazendo-os para fora com entendimento.

Ignorando a aproximação dele (ao qual achou estranha), Rukia começou a girar graciosamente. O que era um simples trabalho, acabou despertando o seu interesse. As coisas do mundo real eram interessantes. Os gestos com as mãos sempre a acompanhavam, dando enfase ao seu rosto.

Ela parou, mexendo os quadris vagarosamente. Os olhos, por um momento, estavam em direção a eles para conferir se estava fazendo certo - Acho que sim.

Quando ergueu o rosto novamente, percebeu novamente algo estranho. Ichigo estava próximo dela, para ser especifica, a poucos centímetros. Olhava-a fixamente, de um jeito... doce?

- Ichigo? Aconteceu alguma coisa...?

 

Nenhuma resposta. Ele apenas a olhava.

Pensou em abrir a boca mais uma vez, mas desistiu ao ver o olhar dele ficar mais perto. O rosto dele começou a se aproximar e Rukia se viu incapacitada de fazer algo, limitando-se a permanecer estática.

Perto... Mais perto...

As respirações se colidirão. Perto demais.

Um leve toque em seus lábios. Rukia continuava de olhos abertos surpresa.

Ichigo olhou para ela, como se estivesse pedindo para continuar. Sem uma palavra, compreendeu. Ousou avançar.

Rukia sentiu os lábios de Ichigo pressionar contra os seus. Dessa vez fechou os olhos, se entregando ao momento. As mãos foram em direção aos cabelos chamativos - Correspondeu ao gesto.

Ichigo desfrutava aqueles lábios macios. Em um estado de completa hipnose, ligado ao seu desejo mais intimo. Levou as mãos a cintura de Rukia, sentindo a pele exposta e correndo os dedos em contemplação de forma.

Perda de controle. O íntimo falou mais alto. A situação seduziu... ambos.

Até que em um certo momento a mente saiu das nuvens, então Rukia se afastou.

Ichigo estava surpreso - desconcertado.

- Rukia, me desculpe. - falava apressado – Eu não sei o que deu em mim. Eu-

- Ichigo, não se pede desculpas após beijar alguém. - ela disse ríspida. Ele olhou-a surpreso – Porque fez isso?

Ele permaneceu parado, pensando no que poderia dizer.

- Eu... - começou – Eu já disse que não sei. Sempre achei que você fosse uma amiga pra mim, mas... Agora, quando vi você dançando; você tipo que me... seduziu.

- Eu!? Então a culpa foi minha agora!? - cruzou os braços arqueando uma sobrancelha.

- Não. Não é isso! Mas a verdade é que... eu pude compreender o que sentia.

Ela ficou imóvel, esperando ele continuar.

- Rukia... Eu já ouvi falar dessa dança e pelo que sei ela é feita de uma mulher para um homem, como você disse. Mas você se esqueceu de que... Ela é feita entre amantes. - deu um passo á frente.

- E você acha que é a pessoa que eu amo?

- Er... Eu não... Eu acho que... - se viu perdido em palavras.

Rukia virou o rosto para o lado, olhando para o nada, até que...

- Rukia! Você sabia!? - ele acusou-a surpreso.

A Kuchiki se virou para ele com um leve sorriso.

- Na verdade... Eu não vi nenhuma outra pessoa para me dá uma opinião além de você, Ichigo. Vamos dizer que você se encaixou perfeitamente no contexto. - sorriu – Então? Será que fiz certo?

Ele se aproximou, compartilhando do mesmo sorriso.

- Só posso dizer que sim. - a tomou pela cintura – Você está parecendo o Urahara, Rukia. Tramando tudo, não é?

- Se eu fosse esperar por você, Ichigo, creio que levaria o tempo da idade do Comandante Yamamoto. - riu.

- Idiota.

E mais uma vez compartilharam dos lábios que há tanto tempo – secretamente – desejavam.

FIM!