Faça Suas Apostas! escrita por Gabriel Campos


Capítulo 4
A Caminho do Rio de Janeiro


Notas iniciais do capítulo

Os termos marcados com estes números (¹,²..) terão seus significados nas notas finais.



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NOVE ANOS DEPOIS.

RIO DE JANEIRO, outubro de 2011.

PALAVRAS DE GABRIELA CARVALHO.

Tínhamos naquele momento 16 anos de idade. Continuávamos amigas e, mesmo com o passar dos anos, não nos esquecemos do nosso pacto de sangue. Às vezes tínhamos uma ou outra recaída ficando com uns caras, mas nada de compromisso. Continuávamos unidas, do nosso jeito.

Márcio Q.I continuava na nossa cola. Ele nos respeitava e gostávamos dele por isso. Valeska e eu parecíamos ter ficado no ano 2000, pois tínhamos, ás vezes, a mesma mentalidade. Lara, contudo, estava um pouco chata, mas ainda assim nos tratava bem.

Quase caímos para trás quando anunciaram que os Red Hot Chili Peppers, nossa banda favorita, tocaria no Rock in Rio daquele ano. Das outras vezes, lamentávamos não ter grana nem idade para sairmos de Fortaleza (já que eles nunca vinham para a nossa cidade) em direção ao Rio de Janeiro, apenas para vê-los. Eu meio que precisei vender um dos meus rins para poder ir ao show, pagar a estadia, e claro, pra comer, porque ninguém é de ferro.

Éramos nós quatro, o mesmo quarteto fantástico de 2002. A diferença eram os hormônios e as espinhas. Muitas espinhas. Eu não trocava nossa amizade por nada. Achava que era verdadeira, infindável. Fomos capazes de enfrentar nossos pais e responsáveis para podermos viajarmos, juntos, pela primeira vez na nossa vida.

— Tô com fome. — disse Valeska, enquanto viajávamos. Estávamos no ônibus. Fazia um calor infernal e eu estava estressada. Não via a hora de chegar à Cidade do Rock.

— Pega uma barrinha de cereal aqui no meu bolso. — falei. Ela pegou. — Aff, essa menina parece um saco sem fundo. Não sei como tu consegue ser tão magra. É de ruim, só pode,Valeska.

— Coitada, da senhora! — respondeu Valeska — Minha filha, fique sabendo que eu malho, tá?

— Sei... levantamento das coxinhas da cantina lá da escola é um esporte e tanto. — disse Márcio Q.I. Todos nós rimos, menos Lara Pacheco.

— O que foi, Lara? Tá de bode?¹ — perguntei a ela.

— Gabriela, poderia ser um pouco mais discreta? Tô precisando ir ao banheiro... trocar aquilo. O motorista disse que a próxima parada é só daqui a duas horas.

— Nada disso! — falei. — Esse motorista só pode estar de brincadeira!— gritei — Ô, meu senhor, minha amiga tá precisando trocar o Modess² dela!

Lara se encolheu na poltrona do ônibus. Valeska se levantou e também gritou:

— Sr. Motorista, tem gente aqui que precisa cagar!

— Vocês que caguem nas calças! — respondeu furioso o motorista.

— Pessoal, silêncio. Eu não quero ir caminhando até o Rio de Janeiro! — disse Márcio Q.I. — as pessoas estão se incomodando!

— Os incomodados que se retirem! —gritei.

— Acho que vocês duas se esqueceram de crescer. — completou Lara.

Perturbamos tanto que o motorista parou. Lara e eu descemos e fomos ao banheiro, em um posto de gasolina. O ônibus partiu sem nós duas.

PALAVRAS DE LARA PACHECO.

Por culpa da Gabriela, que não sabia ficar calada, o motorista saiu em disparada com o ônibus e ficamos perdidas no meio do nada. Ainda por cima nos separaram da Valeska e do Márcio Q.I, que era o único de nós com um pingo de juízo na cabeça.

— E agora, Lara, amiga? — perguntou Gabi, quase chorando.

— “E agora” digo eu, imbecil. Você vai ficar lá na beira da estrada mostrando as suas pernas para todos os caminhoneiros tarados que passarem.

— Ô, Lara, mulher, deixa de ser ruim! Eu só quis te ajudar. Agora diz que você não trocou seu Modess. Diz, diz!

— Gabriela, eu preferiria mil vez ficar com um absorvente sujo do que ter que ir caminhando até o Rio de Janeiro. — comecei a mexer no celular. — E a porcaria do celular não pega. Droga! Droga! Mil vezes droga! A culpa é sua, Gabi!

— A gente pagou caro pra andar na porra daquele ônibus, que nem banheiro tem. Se você não sabe dar valor ao seu dinheiro, eu sei. Ok?

Íamos pedir ajuda a alguém que estivesse no posto, porém alguns bandidos estavam assaltando a loja de conveniência. Com medo, saímos correndo.

PALAVRAS DE VALESKA SOARES.

Márcio Q.I estava dormindo. Achei que Lara e Gabi estavam demorando e então eu o acordei.

— Márcio, Márcio. Márcio, acorda!

— Ai, Valeska... o que houve?

— As meninas ainda não voltaram do banheiro.

— Como assim?! O ônibus tá andando, se você não percebeu!Será que elas ficaram no posto? — perguntou, olhando ao redor. — Valeska, pega seu celular e tenta ligar pra Lara ou pra Gabi.

— Ele descarregou ontem à noite. — respondi. — Cadê o seu?

— Eu não uso celular. As ondas eletromagnéticas que eles recebem e emitem destruiriam todos os meus neurônios.

— Nossa, pois eu não vivo sem celular. Sempre fico grudada no meu.

— Por isso essa inteligência toda. — disse Márcio Q.I.

— Não entendi.

— Deixa pra lá. Pede o celular de alguém aqui do ônibus, vai. Rápido!

Pedi o celular de uma moça que estava na poltrona ao lado. Pena que não funcionava. Estávamos perdidos.

PALAVRAS DE LARA PACHECO.

Andávamos há uns quinze minutos em busca de carona, ou algo do tipo. Nenhuma alma solidária. Nossas coisas haviam ficado no ônibus; não tínhamos dinheiro, apenas um creme hidratante, um pacote de absorventes e um estojo de maquiagem que estavam na minha bolsinha.

— Que vontade de te dar um cascudo³, Gabriela!

— Cai pra cima então, pô! — disse ela.

— Você vai ver o que eu vou fazer contigo se escaparmos vivas dessa.

— Tá me ameaçando, Lara? Quem me ameaça não é minha amiga.

— Ótimo. — respondi. — Cada uma por si, então.

Cada uma foi para um lado da estrada. Gabriela tirou do seu bolso uma barrinha de cereal, removeu o pacote e ficou mostrando para mim.

— Hum... ainda bem que a morta de fome da Valeska deixou essa barrinha sabor chocolate com laranja aqui no meu bolso. Só pra mim. Pena que eu não tenho mais amiga pra dividir. — Provocava ela, caminhando do outro lado da estrada.

Eu não resisti e, furiosa, corri atrás dela. Queria bater nela e, ainda, pegar a barrinha de cereal.

— Eu vou dar na tua cara, sua vaca!

— Me alcance antes! — Gabi me deu língua e correu, mas rápido do que o Papa-Léguas. Quando finalmente eu a alcancei, segurei com toda a minha força os seus cabelos. Ela fez o mesmo, e logo estávamos no chão, nos estapeando.

— Cachorra! Cachorra!

Eu a xingava e batia nela. Ela ria, gargalhava como uma criança. Descontei em Gabi toda a minha raiva e mais um pouco. Nem percebemos quando um Chevette de cor preta encostou-se à beira da estrada, onde nós estávamos.

— Opa! Briga de mulher! — disse um rapaz. Esperamos que a fumaça do cigarro que ele fumava se espalhasse para podermos ver o seu rosto. Ele tinha os cabelos longos, era barbudo e vestia uma camisa dos Red Hot Chili Peppers com as mangas rasgadas. Ele me pareceu familiar, mas não consegui ligar seu rosto a nenhum nome.

— Acabou a briga. — disse Gabi, tentando prender seus cabelos. — Lara bate feito mulherzinha. tá indo pra onde, meninozinho?

— Pra Cidade do Rock. Querem carona?

— Oba! A gente também tá indo pra lá, mas a Lara foi trocar o Modess e perdemos o ônibus. Vamo aceitar a carona sim.

Dei um tapa nas costas de Gabi. Entramos então no carro do roqueiro.


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Notas finais do capítulo

¹menstruada.

² Marca de absorvente famosa nos anos 80/90. Aqui em Fortaleza e em alguns outros lugares, a marca virou o nome do produto. Tipo, palha de aço todo mundo chama de Bombril. Absorvente aqui muita gente chama de Modess (kkkkk)

³ Um pequeno soco na cabeça.

Se gostar, comenta. Um salve pros leitores fantasmas que eu nem conheço, mas já considero pakas