Faça Suas Apostas! escrita por Gabriel Campos


Capítulo 14
A Verdade Cuspida e Escarrada


Notas iniciais do capítulo

Gente, vai acontecer muita coisa nesse capítulo. O que Sheila pretende fazer? Qual é o segredo de Douglas?



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PALAVRAS DE LARA PACHECO

O expediente na livraria havia acabado e eu estava prontíssima para voltar para casa quando uma outra funcionária me avisou que o patrão estava querendo falar comigo na sala dele.

— Seu pagamento. — disse ele, colocando um envelope em cima da mesa. Guardei dentro da minha bolsa.

— Ah, sim, obrigada!

Meu patrão me encarou.

— Lara, sobre a declaração da sua escola... preciso dela ou terei que despedir você, infelizmente. Não posso contratar menores de idade sem as devidas documentações.

— Oh... — eu não sabia o que falar. Estar devidamente matriculada numa escola não estava nos meus planos — minha escola está em greve há algum tempo. A secretaria não funciona... eu não sei o que fazer, pois também estou preocupada e não quero perder este emprego!

Abaixei minha cabeça e a apoiei na palma das minhas mãos.

— Ei, calma! A culpa não é sua. Traga quando puder, ok? — ele sorriu e me ofereceu um copo d’água.

Saí correndo da livraria, tirei o pagamento de dentro da bolsa, escondi dentro do sutiã, arrumei a bolsa e fui até o ponto de ônibus. O busão parou minutos depois. “Oba, uma cadeira vazia!”. Um verdadeiro milagre naquela sexta-feira. Pousei minha cabeça na janela, acabei cochilando e acordando duas paradas depois da minha.

Cheguei ao flat um pouco mais tarde do que costumava chegar todos os dias. Douglas me esperava, preocupado. Ele estava sem camisa, em frente ao fogão, tentando preparar um miojo (nosso alimento base).

— Poxa, Lara! Onde você estava?

— Acabei dormindo no ônibus. — dei um selinho nele. — Amanhã você vai trabalhar? — perguntei.

No dia seguinte aquele, seria seu aniversário de 18 anos.

— Por que não trabalharia?

— Não é todo dia que alguém fica maior de idade não, meu amor! — o abracei por trás, enquanto ele colocava o tempero no macarrão.

— Ah, você lembrou... — ele sorriu — vai ser um dia como qualquer outro.

Todos os dias Douglas saía de madrugada para trabalhar, voltando à tarde e dormindo até a noite. Normalmente ele passava o começo da madrugada em claro, ou ficava comigo na cama me fazendo companhia até eu dormir e até dar a hora de ele ir para o trampo de telemarketing. Naquele dia não foi muito diferente.

Acordei no meio da madrugada. Olhei no relógio do celular: três da manhã. Doug não estava na cama. Levantei-me, fui até a sala e ele não estava. Ele sempre saía para trabalhar às quatro, então ele ainda não poderia ter ido. Estranhei o fato de ele não estar em casa, então fui até a porta de entrada do flat. Ela estava entreaberta.

Pela brecha, eu conseguia ver Douglas perfeitamente. Ele estava com a regata e o calção que usava para dormir, fumando um cigarro e, aparentemente, discutindo com alguém.

Eu não posso mais, cara! Eu já disse que eu não faço mais isso! — disse ele, num tom sério.

Vai deixar de ganhar uma grana boa por causa dessa sua babaquice? — perguntou alguém. Parecia ser um homem. Não pude ver direito.

— Que se foda a porra do seu dinheiro, cara! Não quero, e ponto!

Douglas jogou o cigarro no chão e pisou em cima (ele estava de havaianas). Assim que percebi que ele estava prestes a entrar em casa, corri para o quarto e me cobri.

Tudo aquilo estava ficando estranho demais.

PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI

O plano era ir até a casa da família Pacheco e contar para Giuseppe o paradeiro de sua filha. Simples.

— E quem vai fazer isso, Gabi? — perguntei, enquanto ela, Valeska e eu caminhávamos pela praça naquela tarde.

— Ora, o senhorito mesmo! Quer que a Lara volte? Pois vai ter que cooperar.

— Sabe, Gabi... às vezes eu acho que você deseja a que a Lara volte mais do que tudo. Tô te estranhando... — disse Valeska.

— Tá me estranhando, Valeska? Tá dizendo que eu sou sapatão? — Gabi deu um cascudo em Valeska — eu tenho os meus motivos, e ela tem as promessas dela. E lembre-se que você também.

Ficamos pensativos por alguns instantes.

— Do que ela tá falando, Valeska? — perguntei.

— Do pacto! Eu não acredito que você ainda se lembra daquilo, Gabi. Isso é mais velho do que a posição de fazer cocô.

Gabi encarou Valeska, sentando-se em seguida no primeiro banco da praça que encontrou. Sentamo-nos junto a ela.

— Então eu sou amigo de bruxas e não estava sabendo? Parece que eu não sou o único a ter segredinhos aqui, não é?

Gabi me ameaçou com um cascudo e eu desviei.

— Não, QI, não é segredo. É coisa de menina! Bom, há uns nove anos, Lara, Valeska e eu prometemos que nenhum cara estragaria nossa amizade. Parece que a primeira a quebrar o pacto foi a própria Lara, não é? Por isso eu odiava aquele Douglas e eu o odeio até hoje. — suspirou — O que eu mais queria era que a nossa amizade perdurasse. É difícil isso?

Percebemos que Gabi estava um pouco chateada e a abraçamos.

— Porra, gente. É sério! — continuou — se tem uma coisa que eu sempre prezei na minha vida é a amizade de vocês. Até mais que a minha família. — percebemos que ela estava com os olhos um pouco marejados. — uma já foi, sem nem ter se despedido. Eu tenho tanto medo de ficar sozinha. Ela abaixou a cabeça.

— Ai, mulher, a gente não vai te deixar em paz tão cedo. — disse Valeska — Você me maltrata, mas eu te amo.

Eu fiquei em silêncio pensando nas palavras de Gabriela.

PALAVRAS DE LARA PACHECO

Acordei cedo. Aquela fora uma noite sofrida, pois foi difícil pregar os olhos pensando no que Douglas estava fazendo discutindo com um cara em plena madrugada. Ele, já havia saído para trabalhar, como fazia todos os dias.

Culpei-me por alguns instantes por achar que tudo o que Doug fazia era suspeito, errado, misterioso. “Hoje é o dia do aniversário dele e eu quero fazer uma surpresa pro cara que eu amo, que me acolheu e que me fez feliz em tão pouco tempo”. Dei um sorriso besta para mim mesma, pensando que tudo a minha preocupação era bobagem.

Tomei um banho, comi algumas bolachas com café e saí apressada para o trampo.

PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI

Era fim de tarde. Chegamos à casa da família Pacheco. Uma moça, a empregada, cuidava de Clarinha, meia-irmã de Lara, na calçada da residência.

— Oi! Nós somos... amigos... Gabi hesitou um pouco ao falar essa palavra — da Lara. Gostaríamos de falar com o Senhor Giuseppe ou com a Dona Sheila.

A babá disse que podíamos entrar, pois o portão estava aberto. Gabi, Valeska e eu pedimos licença e nos deparamos com a sala de estar vazia.

— Será que eles estão no quarto? — perguntei — não seria muito legal ir até lá, né?

— Deus me livre e guarde. — disse Gabi — tenho medo de me deparar com o pior. Já pensou, aqueles dois, juntos... argh!

Quando menos vimos, Valeska já subia as escadas que davam para os quarto, fazendo um sinal para irmos também.

— Essa é enxerida mesmo. — falei.

***

Música: Britney Spears – Me Against The Music

Valeska estava abaixada, escondida atrás de um móvel, quando Márcio e eu chegamos. A garota fez um outro sinal, agora para que fizéssemos silêncio.

— A bruaca tá falando no telefone. — sussurrou Valeska, Márcio e eu prestamos atenção.

Sheila estava apreensiva, vestia um roupão que, surpreendentemente cobria todo o seu corpo. Seus cabelos estavam enrolados em uma toalha. Andava pra lá e pra cá no corredor e falando ao telefone.

— Bom, querido, já que a insuportável da Lara não apareceu, eu vou seguir com o plano. — pausa para ouvir a pessoa do outro lado da linha — ai, que ela morra lá no Rio de Janeiro! E eu vou concluir o plano e vai ser agora!

Sheila desligou, tirou o roupão, — deixando seu corpo cheio de crateras a mostra —, abriu a porta do quarto e entrou.

— ECAAAA! EU SABIA QUE NÃO ERA PRA GENTE TER SUBIDO! — Gabi exclamou, não o suficiente para que Sheila ouvisse.

— Eu vou vomitar! — senti meu estômago embrulhar.

Valeska foi para próximo à porta por onde Sheila havia entrado e ficou olhando pela fresta deixada.

— Valeska, mulher, você sabe o que ela e o velho vão fazer, né?

Valeska parecia concentrada olhando a cena que acontecia no quarto. Ela tinha estômago; Márcio e eu não. Não mesmo.

PALAVRAS DE VALESKA SOARES

O que fosse o que Sheila faria com Sr. Giuseppe, seria algo extremamente sério. Ela dissera a alguém ao telefone que seguiria com a próxima parte do plano. Que plano seria esse?

Fiquei observando pela fresta da porta, enquanto Márcio QI e Gabi fingiam ter ânsias de vômito ainda por ter visto Sheila pelada. Sr. Giuseppe estava deitado na cama, também sem roupa, com uma cara de animado. Sheila colocou uma música no celular e começou a se rebolar na frente do velho. Fazia uma dança meio “vulgar sem ser sexy”.

Vamos ver se a pipa do vovô não sobe mais? — disse ela, aproximando lentamente do pai de Lara.

Confesso que seus peitos de pera (“peraqui” na altura da cintura) estavam me fazendo ficar enjoada, diferente de Giuseppe, que estava contente com aquilo tudo.

Vem cá, amorzinho vem!

Sheila deu um pulo em cima de Giuseppe. Tão logo os gemidos de satisfação dele se tornaram de pavor, pois estava explícito que sua esposa queria sufoca-lo com o próprio corpo.

Fiquei apreensiva.

— Gabi, Márcio! A Sheila quer matar o velho! Ela tá sufocando ele!

Márcio QI foi obrigado a olhar pela fresta da porta e também teve certeza das intenções de Sheila. No entanto, ele teve a ideia de chutar forte a porta do quarto, o que fez com que ela se escancarasse e nós saíssemos correndo de dentro daquela casa dos horrores e, talvez de quebra, salvasse a pele daquele pobre e infeliz marido.

PALAVRAS DE LARA PACHECO

Pedi ao meu patrão para sair cedo do trabalho, pois queria fazer uma pequena surpresa a Douglas. Eu não queria que a data de seu aniversário de dezoito anos passasse em branco.

Fui a uma padaria, e com o meu salário comprei uma torta enorme de abacaxi, uma garrafa de Coca e uma caixa de salgadinhos. Passei em uma loja e comprei uma camisa do Red Hot Chili Peppers, pois aquela que ele tinha já estava meio acabada.

Tomei o ônibus perto da loja e desci em frente ao nosso flat. A porta estava trancada, mas como eu tinha a chave, pude abrir sem incomodar Douglas, que provavelmente estava dormindo.

Ele não estava na sala, mas pude ouvir o som do ventilador ligado no nosso quarto.

Fui até a cozinha, coloquei a torta de abacaxi em cima da mesa, pus as velinhas e as acendi. Peguei a torta e, contente por estar fazendo uma surpresa para ele, fui caminhando com ela em mãos até o quarto.

Abri a porta de súbito e me deparei com uma das cenas mais horrendas da minha vida: havia um homem, gordo, careca, sem roupa e em cima da nossa cama. Douglas estava ao seu lado, também sem roupa. Espantou-se quando me viu.

— ENTÃO É ISSO O QUE VOCÊ FAZ QUANDO EU NÃO ESTOU EM CASA? — vociferei.

— Lara? Lara, amor, eu posso te explicar!

Joguei a torta de abacaxi em cima dele, enquanto ele se vestia e, tomada por cólera, saí daquele antro rapidamente.

Sujo de torta, Douglas correu atrás de mim.

Eu estava sem chão. Parecia que todos os planos que eu havia feito desmoronaram em um único segundo. Era como se tudo aquilo em que eu confiei tivesse sido uma brincadeira de mau gosto.

Douglas me enganara. Era difícil pensar nisso, era ruim pensar que aquele que repudiava desconfianças tinha uma vida dupla. Uma vida suja, uma vida podre, de mentiras!

Minha vontade, ao atravessar a avenida em frente ao flat era me jogar em frente ao primeiro caminhão. Eu não tinha para onde ir, eu não tinha mais família, nem ao menos amigos. Meu coração amargurava de arrependimento. “Como eu fui burra. Como eu fui burra”! Eu penitenciava a mim mesma ecoando aquela frase na minha própria mente. As lágrimas desciam pelo meu rosto enquanto eu andava naquelas ruas sem destino e sem ter mais futuro algum. Minha vontade era de morrer, apenas aquilo faria com que eu pagasse por tudo, por eu ter sido uma inútil para a minha família, uma ingrata com os meus amigos e uma boba por ter acreditado que aquele cara era o mesmo garotinho de nove anos de idade que outrora segurara a minha mão no cinema. Ele era um sujo, e sabia-se lá Deus o que ele mais fazia com aquele tipo de pessoa, NA CAMA ONDE NÓS DEITÁVAMOS JUNTOS, TODAS AS NOITES, PARA DORMIR!

Sentei-me embaixo da copa uma árvore e, encolhida, fechei os olhos e comecei a chorar, desejando que quando os abrisse, estivesse em casa, ou na escola com os meus amigos que eu havia traído.

Alguém tocou meu ombro.

— Lara...

Olhei para trás. Era ele. Douglas Loreto não estava mais com aquela cara forçada de que tinha algo a esconder. Ele mostrava arrependimento. Parecia que ele carregava um peso em suas costas.

— NÃO TOCA EM MIM, SEU MENTIROSO FILHO DA PUTA!

Por nojo de mim mesma, eu arranhava meu próprio corpo. Eu queria tirar da minha pele os vestígios daquele desconhecido, daquele que me enganara por todos aqueles dias que eu estive com ele.

— Por favor, não faz isso! Eu posso te explicar!

— Como é que você ousou me tocar com as mesmas mãos que você toca aquele cara? — avancei pra cima de Douglas, esmurrando todo o seu corpo. Ele deixava, talvez como forma de penitência, como um castigo por ter me enganado. — Seu... lixo... seu ... mentiroso!

Cansei. O corpo de Doug estava vermelho de tanto eu esmurra-lo. Eu queria mata-lo.

— Eu precisei, Lara... Eu precisei... EU JURO!

— Você é um doente! Como eu pude acreditar em você?

Virei e saí. Douglas não ousou me seguir.


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Notas finais do capítulo

E aí, muito ruim? Previsível? Comentem \o



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