Faça Suas Apostas! escrita por Gabriel Campos


Capítulo 1
Iniciando os Trabalhos


Notas iniciais do capítulo

Espero que tenham lido as notas da história :T
E espero que gostem ~medo~
Se gosta de ler escutando alguma música, ponha pra tocar "As Quatro Estações - Sandy & Júnior"



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PALAVRAS DE GABRIELA CARVALHO

Na minha cabeça, sempre soube que namoros poderiam foder uma grande amizade, mesmo se esta tivesse sido construída com tijolos reforçados e mantida durante anos. Éramos em cinco (tá bom, somos). Sempre estudamos na mesma escola, onde, aliás, foi onde nos conhecemos; ficávamos de recuperação sempre juntos, mesmo o mais nerd de nossos amigos ficava, só para nos ajudar. Oferecíamos sempre os ombros, cada um, nos momentos mais difíceis para que estes servissem de apoio para mentes estressadas e nervosas. Sempre fomos unha e carne, dedos de uma mão só. Inseparáveis. Mas aí veio a nossa puberdade, nervos à flor da pele, hormônios entrando em ebulição... o diabo à quatro. Essa parte você já sabe se você tem mais de 14 anos. Se não tem, sorte a sua.

Nosso primeiro contato foi em 2000, no jardim de infância. Na creche da escola estadual. Eu me lembro muito bem quando eu, aos meus cinco anos de idade, tive minha primeira experiência escolar. Minha mãe esperava que eu, como todas as outras crianças, chorasse e suplicasse de joelhos para voltar pra casa e não entrar na escola pela primeira vez. Tá certo. Da calçada mesmo eu me soltei dos braços dela, corri e entrei na instituição.

— Gabi, filha, você esqueceu seu lanche!

Aí ela pegou pesado. Voltei e fui buscar minha lancheirinha do Pequeno Urso, onde lá me esperava um pacote de salgadinhos Tot’s¹ (onda do momento) e um suquinho Jandaia de acerola. Como eu não sabia muito bem como funcionava essas coisas de escola, assim que a Tia me conduziu até minha sala, abri minha lancheira e comi meu lanche. Fiquei assistindo de camarote todos aqueles bebês chorões esperneando por suas mamães. Eu ria daquilo tudo, comendo meus salgadinhos, tomando meu suquinho e, claro, como toda criança que se preze, tendo como um “tempero especial” aquele catarro verde e salgadinho que descia do meu nariz (“eca”? Estamos entre amigos, ok?).

Uma menina chorona me chamou atenção. Ela era magrinha, os cabelos pretos, lisos e, enquanto chorava, passava as costas do braço no rosto, e misturava cabelo com meleca, uma loucura. Desci da minha cadeira e fui falar com ela. Sabe-se lá Deus o porquê. Pensei por um instante que poderia ser pela música do CD da Sandy e do Júnior que a Tia havia colocado no rádio portátil que ela chorava. Os adultos sempre achavam que aquele CD iria manter as crianças quietas. Típico.

“[...] na primavera, calmaria... tranquilidade, uma quimera

Queria sempre essa alegria... viver sonhando, quem me dera...

No outono, é sempre igual. As folhas caem no quintal...

Só não cai o meu amor, pois não tem jeito, é imortal...”

— Oi, bichinha, tudo bom? — inocentemente, perguntei. Ela não respondeu nada. — Como é teu nome, bichinha?

Com cara de choro, a menina enfiou a mão cheia de meleca dentro dos meus Tot’s (ninguém resistia) e, de lá,tirou um monte de salgadinhos. A minha mão acertou em cheio a cara dela.

— Sua ladrona! Sua ladrona! Ô tia, ela roubou meus Tot’s! — bradei.

A garota, por sua vez, puxou meus cabelos, e eu revidei. Rolamos no chão, uma puxando o cabelo da outra, por alguns minutos. Esquecemos até o motivo de nós brigarmos.

— Sua cabelo de Bombril! — disse ela.

A Tia enfim nos colocou separadas uma da outra durante toda a aula. Era aula de Sandy & Júnior, porque a professora repetiu aquele CD até me dar uma dor. Anos depois eu senti saudades dessa aula, principalmente quando comecei a estudar Física.

Recapitulando, encarei a magricela durante toda a aula, fazendo sinais de ameaça, como socar a minha mão esquerda com a direita. Valeska, o nome dela, foi a única criança que chorou a aula toda, e por minha causa. Se naquela idade eu já era perigosa, imagine hoje em dia? Brincadeiras à parte, acabamos ficando próximas semanas depois. Com um mês de convivência, éramos Valeska Soares e Gabriela Carvalho: a dupla dinâmica da escola. Éramos tão chegadas que, anos depois, ficamos menstruadas pela primeira vez na mesma época (acostumem-se).

Mas fugindo de tais detalhes, não tínhamos interesse em nos aproximar das outras crianças. Até falávamos aqui, ou acolá com a Lara Pacheco, que parecia humilde o suficiente para entrar pro nosso grupo das excluídas. Ela era uma ruiva bonitinha, e que, anos depois, seria a mais cobiçada pelos meninos. De dupla dinâmica, passamos a trio parada dura, não que isso me interessasse. Eu gostava de ir à escola pra conversar, brincar, ser feliz. Posso dizer que Valeska, Lara e eu aproveitamos ao máximo o período da escola onde não precisávamos nos preocupar com notas, nem nada. Só em brincar e, ao chegar em casa, passar a tarde assistindo aos desenhos da TV Cultura. Santo canal 5 da TV aberta!

Eu, Gabi, era a líder do nosso trio. Modéstia à parte eu era traquina desde criança. Morena, cabelos cacheados que, quando estavam enxutos e soltos eram mais difíceis de domar do que qualquer leão selvagem. Meus dentes da frente, os definitivos, nasceram separados e maiores, como os daquela personagem de quadrinhos, a Mônica. Nada que eu pudesse me estressar até então. Eu sabia enfrentar as brincadeiras de todas as crianças trolls com socos na cara e ameaças do tipo “te pego na hora da saída”. Isso foi um fator determinante para que eu pudesse me tornar líder nata do grupo sem que Lara e Valeska pestanejassem, pois eu sabia as defender muito bem de qualquer zoação.

Valeska era a, digamos assim, menos esperta. Um pouco até ingênua. Certa vez, contei uma piada para descontrair e ela não entendeu. À noite, quando eu estava em casa, quase dormindo, minha mãe me acordara dizendo que Valeska estava no telefone. Ela queria apenas dizer que havia entendido aquela piada.

Lara era a mais neutra, mais quietinha. Eu sempre dizia que ela era sonsa, e ela entendia aquilo como um elogio. Sim, desde pequerrucha bastava que ela estalasse os dedos que os meninos da escola faziam o que ela quisesse. Sem dúvida, era a menina mais bonita da escola, não nego. Mas o que ela tinha de bonita, faltava-lhe de juízo.

Conhecemos o membro que transformaria nosso “trio parada dura” em “quarteto fantástico” apenas quando estávamos na alfabetização. Tínhamos seis anos de idade, sendo que quase dois deles eram apenas de tempo de amizade. Lara, Valeska e eu, passávamos as aulas juntas, assim como os recreios. Revezávamos no balanço, no parquinho imundo da escola estadual.

Márcio Ferrari era um menino muito inteligente, e esta qualidade às vezes se tornava um defeito, pois ele sempre se achava o dono da verdade. Eu sempre odiei o jeito que ele respondia a professora, desafiando-a e alegando que ela estava errada. Seu vocabulário era requintado, anormal para um garoto daquela idade, assim como o seu alto Q.I. Aliás, nós o chamávamos de Márcio Q.I. Todavia, ficamos com pena dele quando, certa vez enquanto estávamos brincando no balanço, garotos da quarta série o chutavam sem dó nem piedade enquanto ele esperneava no chão.

— Vocês são uns desprovidos de qualquer intelectualidade! — dizia Márcio, enquanto apanhava.

Lara ficou no balanço, rindo, enquanto eu e Valeska fomos ajudá-lo.

— Deixem ele em paz! — falei.

— Olha só! O senhor cabeção tem duas namoradinhas! Que veadinho! Precisa ser defendido por garotinhas. Haha! — disse um dos meninos da quarta série.

— Boiola é você, que fica se trocando com gente pequena. Queria ver se você brigaria com alguém da sua idade. Boiolão! Boiolão! — mostrei a língua e o dedo do meio para ele e, enquanto isso, Valeska ajudava Márcio Q.I a se recompor. Lara continuava rindo.

— Ah, é, dentuça do cabelo ruim? E qual é o pente que te penteia? — ele e todos os outros garotos começaram a rir. Eu, num impulso, chutei entre suas pernas. O garoto caiu de joelhos no chão e lá ficou, se retorcendo com a dor.

Márcio Q.I veio nos agradecer:

— Garotas, permitam-me que eu agradeça pelo ato de coragem e dedicação para com um simples e frágil rapaz de seis anos cujo vocês estão falando agora.

— Hã? Menino, tu veio de que planeta hein? — perguntou Valeska.

— Fecha essa matraca, Valeska, pelo amor de Deus! — recomendei. — Márcio, você quer se juntar à gente? A gente divide o nosso biscoito com você. O que você trouxe pro lanche?

— Aqueles rapazes “pseudoalfabetizados” roubaram o dinheiro do meu lanche. — contou Márcio. — Mas aceitaria um agrado de vocês, se não for muito.

Lara Pacheco, já preocupada com as notas baixas, via na nossa "recém-amizade" com Márcio Q.I um jeito de recuperar seu ano. Estendeu sua mão direita para ele para cumprimenta-lo.

— Oi, meninozinho. Meu nome é Lara.

Márcio Q.I, por sua vez, deixou nossa amiga no vácuo e não apertou sua mão.

— Oh, desculpe, Lara, mas ultimamente está havendo um surto de gripe que, para prevenir, é melhor evitar qualquer tipo de contato humano, não?

O menino andava com uma garrafinha de álcool gel para cima e para baixo, e achava que todo tipo de contato com qualquer pessoa ocasionaria a ele uma doença grave. Ele foi criado nos maiores mimos, preso dentro de casa, de onde só saía para ir à escola ou para o cinema, quando tinha estreia de algum filme da Marvel. Até que um dia...

Mais precisamente no dia 11 de setembro de 2001, terça-feira. Estávamos todos na escola. As tias mantinham uma TV ligada dentro da sala de aula. Era dia de aula livre e algumas crianças ficavam no parquinho, outras ficavam na sala, como eu, Márcio Q.I, Valeska Soares e Lara Pacheco. A programação foi interrompida com aquela famosa vinheta do plantão da Globo: tã,tã,tã,tã,tã,tã,tã...

Nossa amiga Valeska ficou de pé e começou a chorar e a gritar. Era a notícia do incidente das Torres Gêmeas, mas a vinheta do plantão e as imagens dos prédios desabando faziam não só ela, mas todo mundo ficar assustado.

Até mesmo Márcio Q.I correu e apertou o botão de emergência. O barulho da sirene, junto com o esperneio de Valeska, assim como a algazarra que todas as crianças faziam, fez com que todas as professoras colocassem as mãos na cabeça sem ter o que fazer.

Lara me puxou pelo braço, pegou as nossas mochilas, e no meio daquele fuzuê todo, ela me levou até o portão de saída da escola.

— Hora de ir pro cinema. — disse Lara, escalando o portão, que era baixinho.

— Mas a gente tem aula, mulher! — falei.

— Tá todo mundo fugindo, Gabi! Vem, deixa de ser besta. Vai ser legal.

Além de Lara e eu, fugiram da escola naquele dia mais dois garotos. Todos fomos ao cinema, mas não juntos. Eles foram na frente. Não falávamos com eles, só sabíamos seus nomes, Douglas e João, pois eram da nossa sala. O shopping era perto do colégio e logo estávamos lá para vermos um filme que eu nem lembro, mas que Lara estava doida para ver. Venderam ingressos para crianças de seis, sete anos de idade, desacompanhadas dos pais, só um detalhe ínfimo. Lara cuidou de mentir, dizendo que os seus pais estavam na fila da pipoca.

Haviam poucas pessoas na sala do cinema; sentamos na frente e, por estar escuro, não vimos quem estava do nosso lado. Eram João e Douglas, os dois garotos que também fugiram da escola.

— Tô com fome. — disse.

— Gabi, você é um saco sem fundo, mulher. A gente acabou de lanchar.

— Mas tô com fome!

Lara tirou da mochila um monte de moedas e me entregou.

— Compra pipoca e traz pra mim.

Levantei-me, e quando estava me encaminhando para a saída da sala do cinema, eis que pude ver um dos garotos da nossa sala sentando-se próximo à Lara, no lugar onde eu estava. Era o Douglas Loreto, eu tinha certeza. Acho que ele estava xavecando minha amiga. Foi aí que a nossa amizade começou a ser destruída. Aos poucos.

“Eu quero ser um lindo sonho pro seu coração

Quero fazer da tua vida poesia e canção

Eu quero estar no seu caminho como um raio de sol...”


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Notas finais do capítulo

¹: Tot's eram salgadinhos muito bons que fizeram sucesso no começo desta era. Eu adorava. Quem fazia a propaganda era a Xuxa kkk
O que acharam? Sejam sinceros, mas não me façam chorar, é uma fic inédita :T
Curtam a página, fiz há pouco tempo: https://www.facebook.com/FacaSuasApostas
(Bjim)



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