Another Life escrita por MsNise


Capítulo 9
Esforçando


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como vocês estão?
Mais uma sexta-feira cumprida com sucesso, o que é uma alegria imensa para mim. Eu estou mantendo o compromisso *palmas, palmas*
Leiam escutando: https://www.youtube.com/watch?v=6BBksAK0f0g
Espero que gostem *-*



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— Eu sabia — foi a primeira coisa que escapou de minha boca, em um ganido subitamente nervoso. Alguém tinha que me incomodar.

Consegui imaginá-lo franzindo seu cenho no escuro, tentando descobrir o que eu tinha tentado dizer.

— Sabia do quê? — ele me perguntou.

Virei de costas para ele, mesmo que soubesse que ele não era capaz de me ver claramente. Quando percebi quem era, pensei que estivesse segura. Mas, na verdade, eu estava com muito medo de ser impedida. E se eu não pudesse ir essa noite? E se...? Deus, Jamie estava em perigo.

— Eu sabia que você sabia que... — murmurei, interrompendo-me e balançando a cabeça. — Eu ouvi tudo. E você sabe disso.

Ele ficou em silêncio por um tempo, enquanto eu fechava meus olhos e aceitava com pesar a minha derrota. Engoli em seco.

— Não vai me dizer que eu não posso me arriscar? Que ele provavelmente já está morto? Que eu só vou me perder no meio da floresta? — perguntei acidamente.

Ele riu; quis saber onde estava a graça.

— Realmente, eu vim dizer tudo isso — ele falou, contudo o seu tom era demasiadamente provocativo. — Vim dizer que é loucura. Que eu te vi acordada no carro. E vim brigar com você por ser tão imprudente.

Sem paciência para ladainhas, virei-me para ele e o encarei no escuro. Não consegui distinguir o azul de seus olhos. Meus braços se cruzaram involuntariamente.

— Pois bem, pode começar. Depois você me deixa ir.

Ele começou então a gargalhar, tendo até mesmo espasmos. Seu corpo se balançava de um lado para o outro, como se eu tivesse contado a piada mais engraçada de todos os tempos. Qual era o seu problema?! Eu estava louca para ir atrás de Jamie, ainda transtornada com o pensamento de que talvez não pudesse encontrá-lo, e tinha um babaca grandalhão rindo desgraçadamente nas minhas fuças.

Avancei alguns passos, o suficiente para alcançar o seu rosto e espremê-lo com os meus dedos. Se eu pudesse vê-lo seria mais fácil, mas tentei sustentar o seu olhar invisível mesmo assim. Minha respiração falhava.

— Pare com isso, Kyle — briguei, com o cenho franzido e bem perto de uma crise de choros. Que droga! Eu precisava sair daquele lugar que estava me sufocando. — Me diga por que você está aqui. Eu realmente preciso ir. Deixe-me ir.

Meus olhos estavam mergulhados em água salgada. Ele pareceu retomar o controle sobre si com uma respiração bem profunda. Desvencilhou-se de mim e ficou com a postura ereta, parecendo bem mais assustador no escuro. A sombra de seu corpo grande era projetada sobre mim. Ele não parecia zangado; mesmo no escuro eu sabia que não estava.

— Você já pegou a chave do jipe? — ele perguntou com a voz fria e calculista; porém, eu percebi uma pitada de emoção verdadeira em suas palavras.

Por alguns instantes, franzi o meu cenho. Estava cansada de seus enigmas e de sua tortura. Queria me mandar, correr pelo deserto, sentir o cheiro da floresta, procurar por Jamie. E estava prestes a fazer isso sem a sua permissão, quando realmente percebi o que ele tentava me dizer.

Ele havia me perguntado se eu tinha pegado a chave do jipe, certo? Então, isso significava que...

Ele iria junto comigo. Kyle não estava chamando a minha atenção e me chamando de irresponsável. Ele estava sendo irresponsável junto comigo.

Tentei entender o motivo, mas ele escapou por entre os vãos de meus dedos e se espatifou no chão de areia.

— Por quê? — sussurrei, com medo que ele mudasse de ideia. Meus olhos se perderam na escuridão.

O minuto de silêncio que se seguiu foi sereno. Foi um silêncio carregado de pensamentos e decisões. Fechei meus olhos e respirei fundo, sentindo pela última fez o cheiro mofado e reconfortante da caverna. Eu estava a deixando; tinha certeza disso. E Kyle também.

— Eu já perdi coisas demais, Susi — ele murmurou e escutei o farfalhar de seus passos na escuridão quando eu abri meus olhos. — Não te deixaria passar pelo mesmo sofrimento de perda que eu passei. Ninguém o merece. Muito menos a minha irmã mais nova.

Escutei seus passos se afastando em direção à saída da caverna. Fiquei paralisada com o motivo que ele tinha apresentado, mas a alegria de que ele iria junto comigo me fez sorrir um pouquinho.

Tive que correr para alcançá-lo.

— Agora, me diga — murmurei, já sentada no banco do passageiro do jipe com Kyle dirigindo. Eu encarava a paisagem escura e pipocada de estrelas que passava rapidamente através de meus olhos. Ele não pronunciou uma única palavra desde que deixamos a caverna; estava preso em seus próprios devaneios, os nós de seus dedos brancos por causa da força que aplicava ao segurar o volante. — Qual o real motivo de você ter vindo comigo?

Ele suspirou baixinho e eu tentei descobrir o que sua expressão dizia, sem obter sucesso.

— Eu já disse — ele murmurou em uma voz fria, bem diferente da que usava comigo nos últimos tempos.

Engoli em seco, passando para outra pergunta.

— Ok. E você deixaria Sunny só por causa desse motivo?

Kyle vacilou um pouco diante dessa pergunta, mas a respondeu com uma conotação firme: — Sim.

— Hm — assenti, cética. — Certo. E por que você não denunciou que eu escutava a conversa? Ou, melhor, como percebeu que eu escutava a conversa dentro do carro?

Ele franziu um pouco o cenho.

— Teve um momento... Eu olhei para Sunny. E percebi que você tinha fechado os seus olhos em um rápido movimento — ele deu de ombros.

— E então você soube — não era uma pergunta; eu realmente afirmava. Ele se limitou a assentir. — Por que não me acusou?

Ouviu-se um suspiro fraco dentro do carro.

— Pensei que você tivesse o direito de saber.

Eu tinha; eu realmente tinha. Balancei a minha cabeça e uma insinuação de sorriso surgiu em meus lábios.

— Obrigada — sussurrei. — Sobretudo porque você também sabia que eu tinha o direito de ir.

Kyle percebeu que eu enfatizei o “ir”, assim como percebeu que eu sabia o seu real motivo. Ele tinha vindo comigo porque sabia que eu tinha esse direito, mas também não me deixaria em perigo sozinha, no meio da mata.

E eu também soube por que ele tinha deixado Sunny: ele tinha certeza de nossa volta. Com ou sem Jamie, ele nos manteria vivos até voltarmos à segurança da caverna. E, além de tudo, eu era sua irmã.

— Ela sabe? — questionei sobre Sunny, dessa vez sem olhá-lo.

— Deixei uma carta.

Assenti com os olhos estreitos, encarando a escuridão da paisagem.

— Ela não teria me deixado vir — ele sussurrou, mais para si mesmo do que para mim. — Mas eu precisava.

Encostei minha cabeça no banco do carro e me permiti fechar os olhos suavemente; o sono me invadiu com calma e com a certeza de que era a minha última chance de dormir de verdade. Portanto, afundei na inconsciência com sonhos sobre Jamie e nosso reencontro.

— Susi — Kyle me chamou, balançando um pouco o meu corpo. O toque não foi delicado como seria o de Jamie; e pensar nele me fez ter vontade de chorar. — Susi.

— Jamie — murmurei sonolenta e com a voz chorosa. Pisquei lentamente. — Jamie.

— Sou eu, Kyle — ele murmurou isso meio transtornado e se eu pudesse ver o seu rosto tenho certeza que haveria uma ruga de preocupação entre suas sobrancelhas.

— Sim, eu sei — sussurrei automaticamente, lutando para manter os meus olhos abertos. — Eu só estava... pensando nele — minha voz saiu rasgada de sofrimento, afinal a única coisa que estava realmente ao meu alcance eram os meus pensamentos. E, verdade seja dita, eles não eram um pedestal muito eficiente.

A única coisa que eu podia fazer era pensar, relacionar e suspirar pensando o tempo todo em um par de olhos castanhos derretidos e convidativos.

Kyle permaneceu em silêncio com a mão apoiada em meu ombro, sem saber o que dizer. Não havia o que dizer. Engoli em seco.

— Onde estamos?

Ele demorou alguns segundos para processar a pergunta e respondê-la.

— Na floresta — ele esclareceu. — Precisamos esconder o carro com alguns galhos ou coisas assim antes do alvorecer.

Foi então que o meu corpo ganhou vida e passou a perceber o que realmente acontecia. Comecei a pensar praticamente, deixando o meu sofrimento de escanteio. Às vezes eu fazia isso; era muito mais fácil usar a lógica do que sofrer penosamente e ficar parada. Poderia ser uma atitude fria, mas o que eu poderia fazer? Ficar parada chorando não mudaria nada.

Ainda estava escuro. Certo. Contudo, não demoraria a clarear. Antes disso, porém, tínhamos que apagar qualquer vestígio que nos denunciasse. Estávamos na floresta que Jamie estava vagando sem rumo, provavelmente dormindo uma hora dessas... ou não. Ele podia estar com muito medo para conseguir descansar. Como poderia conviver com os constantes e assombrosos pensamentos do que ele estaria passando? Era sofrimento demais para um coração suportar.

Tentei afastar aqueles pensamentos e virei meu rosto para o de Kyle, que me observava atentamente. Forcei um sorriso.

— Então vamos logo — balbuciei, desvencilhando-me de sua mão e saindo do carro.

Ele demorou alguns segundos para sair do carro; segundos suficientes para eu coletar uma quantidade de galhos e começar a cobri-lo.

— Você está bem? — ele perguntou, parando ao meu lado e segurando em meus ombros com um olhar terno e preocupado.

Eu poderia começar a chorar, como já tinha feito milhões de vezes. Poderia jogar meus braços em sua cintura larga e me deixar ser consolada. Poderia também falar tudo o que estava em minha cabeça, em como eu estava preocupada e com medo. Poderia falar do fato de que, apesar de tudo, estava extremamente feliz que ele tinha simplesmente... me acompanhado. Tinha tantas coisas para falar. No entanto, sabia que se eu me permitisse um deslize, ficaria talvez impossível de me levantar. E eu tinha de me manter em pé. Por Jamie.

Portanto, engoli em seco e ergui meus olhos para o dele.

— Na medida do possível — murmurei com a voz falha, saindo de seu aperto reconfortante e voltando ao trabalho. Infelizmente, manter as minhas ocupadas não distraía os meus pensamentos tanto quanto eu gostaria.

Kyle voltou a trabalhar e eu senti o seu olhar me queimando muitas vezes. Sabia que ele me inspecionava e conferia a minha sanidade mental, me protegendo de mim mesma. Odiava admitir, mas eu precisava de uma proteção. Quem estaria comigo quando eu desabasse?

— Eles não estão investigando o caso ainda? — questionei, mordendo o lábio enquanto trabalhava. — Desse modo, não encontrariam o carro mesmo disfarçado?

Kyle respirou ruidosamente.

— A parte da floresta que o Jamie está é do outro lado da rua, Susi — ele esclareceu. — Eles não vão procurar nada aqui.

Assenti, achando uma boa maneira para nos despistar daqueles vermes malditos. “Ok”, pensei, mas preferi ficar de boca fechada. Teria muito tempo para falar. Ainda. O pensamento me assombrou, no entanto a realidade de que Jamie não estava tão próximo de ser encontrado quanto eu pensava que estivesse me desanimou por alguns longos instantes novamente. Eu não pararia de me desanimar. Mas então eu respirei fundo e voltei ao trabalho, com mais garra do que antes. Garras de uma lutadora. Não era aquilo que eu era? Trabalhava com as garras de uma lutadora que precisava ser forte, muito forte, para enfrentar todas as tempestades que ainda viriam.

Quando adentramos a floresta que Jamie estava supostamente perdido, um arrepio perpassou o meu corpo. Parei por algum tempo, analisando as sombras bruxuleantes da floresta no escuro. Umedeci os meus lábios e tentei controlar as minhas mãos que tremiam.

Eu teria de fazer aquilo para encontrá-lo, não é?

Por Jamie eu até o mataria se ele o pedisse, de tanto que eu o amava.

— O que foi? — Kyle perguntou, olhando para trás. Sabia que ele estava preocupado. Torcia para eu desistir e deixar os outros cuidando desse assunto com mais cautela e menos emoção envolvida. E o que eu faria? Morreria lentamente em uma cama que antes eu compartilhava com Jamie enquanto ele sofria perdido em uma floresta?

Nem morta, pensei com acidez.

Recompus-me rapidamente.

— Nada. Eu só estava pensando nos meus direitos — murmurei, com uma meia mentira brotando em meus lábios, mas não obstante.

— Ah, sim — ele sussurrou desconfiado. Sua mão alcançou o meu pulso e eu tive de olhar seus olhos azuis no escuro, sem conseguir decifrar os sentimentos neles. — Pronta então?

Não, pensei. Apesar de não querer me definhar lentamente em uma cama que antes eu compartilhava com o amor da minha vida, eu não estava pronta para enfrentar tantas coisas. Por alguns segundos, fui covarde o suficiente para desistir e voltar para o carro quentinho e confortável. Mas não o fiz, porque sabia que tinha que encontrar Jamie. Ficaria atormentada a vida toda por causa de alguns segundos de medo egoísta. Eu não podia ser egoísta. Jamie não merecia uma pessoa tão fraca e... desumana. Meu Jamie precisava de alguém, de mim, e eu precisava dele. Estava tremendo dos pés à cabeça com a ideia de ter que adentrar aquela floresta escura e cheia de perigos. Tudo ao mesmo tempo me fez começar a suar e meus olhos se encherem de lágrimas. Agradeci pela escuridão, porque desse modo Kyle não me veria desabar lentamente.

Mas eu precisava ir.

Amedrontada, com lágrimas nos olhos e um sorriso forçado que não parecia um sorriso em meus lábios, eu assenti.

— Estou pronta para matar o meu luto.

A minha voz saiu firme e decidida, bem diferente do meu real estado de espírito. Mas ela me contentou e me deu muita coragem; coragem o suficiente para repetir mais alto no meio da floresta:

— Estou pronta para matar o meu luto.

E então eu fui.


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Notas finais do capítulo

E entãããããão? Gostaram?
Sério gente, não tenham medo de comentar, nem para dizer se está ruim. É muito importante para mim saber a opinião de meus leitores lindos!
Por hoje, é isso. Depois disso, haverá um pouquinho mais de ação e - é claro - mais dose depressiva do momento-sem-Jamie. Nada que vocês já não estejam acostumados vindo de mim hahahahaha
Até o próximo capítulo!