À Gabriele, minha querida teriantropa escrita por Justine


Capítulo 3
Tumulto na aula de redação


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura *u*



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/483399/chapter/3

Eu não contei à minha mãe sobre o que aconteceu no primeiro dia de aula e resolvi não contar. Ela me perguntou como foi o meu primeiro dia de aula e eu disse que foi legal. Minha mãe então me falou que eu e Gabriele tínhamos um ponto em comum que ela esqueceu de me contar: a ausência do pai. O meu estava morto e o dela... Bem, o dela abandonou a família.

As coisas não mudaram muito dali em diante. Eu continuava a não gostar muito da escola nova e a receber olhares medonhos de Poliana e Juliana, os quais eu devolvia do mesmo jeito. Não havia feito amizade com ninguém da turma, muito menos com Gabriele, que, aliás, eu descobri não ter muita aproximação com a dupla de brutamontes. O fato é que elas brincam com todo mundo na sala.

Todo mundo menos eu.

Mas, como minha mãe sempre diz, para ficar bom, tem que piorar um pouquinho. E foi justamente isso o que aconteceu neste dia que contarei a seguir...

Certo dia, durante uma aula de redação, nós tivemos como tarefa de classe redigir um texto dissertativo-argumentativo sobre violência doméstica. Todos estavam muito empenhados na atividade, inclusive eu, muito embora admita que estivesse mais concentrada se não percebesse uma movimentação anormal entre a dupla pesadelo. O mais incômodo da história era que vez por outra elas me olhavam de uma maneira sarcástica, como se estivessem prestes a aprontar alguma coisa. Procurei me desligar o máximo que pude e dar atenção a minha redação. Gabriele estava sentada duas cadeiras à frente da minha.

Então, em um dado momento, Juliana se dirigiu à mesa da minha vizinha, e de uma maneira estranhamente doce, pediu:

– Gabi, me empresta seu celular? Preciso fazer uma ligação, só que eu esqueci o me em casa e Poli tem poucos créditos...

– Ah, claro. – Gabriele respondeu educadamente – Espera um minuto.

E, dizendo isso, a garota pôs-se a procurar o celular na mochila. Procurou o que, naquele momento, seria impossível encontrar entre seus pertences. Quando ela já havia retirado cadernos e livros da mochila e quando, com toda esta procura, já havia atraído a atenção da sala inteira, um leve tom de desespero apossou-se de sua voz ao dizer:

– Acho que perdi meu celular.

– Ah, que nada, gata! Deve estar aí na sua mochila! Vamos fazer o seguinte: eu ligo para seu celular. Assim, quando ouvir o toque, você saberá em que bolso colocou! – sugeriu Poliana, que parecia tão ansiosa quanto uma criança antes de abrir um presente.

Gabriele concordou e deu o seu número para a garota, que discava. Nesse ponto, eu já havia me desligado da cena e voltado a minha atenção para o meu caderno. Mas, um toque de celular absurdamente próximo chamou a minha atenção. Ao erguer a cabeça, percebi que todos na sala me olhavam pasmados. Foi então que, com um choque, eu percebi que o som saía da minha mochila. Naquele momento, eu não tive ação nenhuma. Foi o grito de uma colega loirinha e escandalosa, que me despertou:

– Está tocando na mochila dela! – ela guinchou, apontando o dedo indicador para mim.

Então, eu vagarosamente abri minha mochila e procurei o aparelho que emitia o som. Achei então um modelo de flip, pequenino, vermelhinho e bonitinho, em um bolso frontal. Retirei-o de lá atônita e foi de um jeito bastante simplório, que eu murmurei as seguintes palavras:

– Este celular não é meu.

– Claro que não é seu! – disse Juliana, com um sorriso triunfante. – É dela! – disse, apontando para Gabriele com um gesto de cabeça.

Gabriele olhou para mim com o cenho franzido:

– O que o meu celular estava fazendo na sua mochila?

Antes que eu pudesse responder, Poliana arrematou:

– Não é óbvio? Ela roubou o seu celular!

Eu senti meu rosto queimar.

– Eu nunca roubei nada de ninguém! – respondi, alterando a voz.

Mas Gabriele já estava bastante irritada e resolveu tomar a frente da discussão:

– Então ele criou pernas e entrou em sua mochila?

– Não vem com esse cinismo ridículo! – eu gritei – Por que eu roubaria um aparelho ultrapassado como este?

Ao encarar a garota, percebi algo estranho no seu olhar. Era um brilho selvagem, quase animalesco, um brilho bastante estranho para uma garota que, apesar de eu não ter afinidade, reconheço que é tranquila, quieta e pacífica.

– Cala a boca! Você não tem direito de falar assim comigo!

– Você é que não tem, pois está me acusando sem provas. – eu gritei de volta, ignorando o pedido de silêncio da professora - E você sabia que acusar sem provas dá cadeia?

– Minha querida, a maior prova que tenho é que o meu celular estava na sua mochila.

– Isso não significa nada! – eu respondi – E eu não tenho porque roubar nada! Principalmente um celular velho desses!

– Não importa se o meu aparelho é ou não de última geração! O fato é que você roubou! E quando alguém rouba, nem sempre tem a intenção de ficar com objeto roubado para si.

Ao ouvir isso, minha ira acendeu-se e eu esperei imensamente que ela não estivesse me acusando do que eu achava que ela estava me acusando. Até a professora advertiu:

– Gabriele, muita calma nessa hora... Essa é uma acusação grave...

– Mas professora – replicou a menina – Ela ficou órfã há pouco tempo! Com certeza deve estar levando uma vida bem ruim e...

Eu não ouvi mais uma palavra do ela dizia. Sentia uma raiva tão grande que parecia estar anestesiada. Tudo o que eu conseguia era apenas ver a professora falando algo com Gabriele com uma expressão séria no rosto, além das feições dos meus colegas. Não sei por quanto tempo fiquei assim, mas quando despertei, falei algo para Gabriele que foi o estopim para uma reação absurda dela, levando-nos a uns dias fatídicos:

– Eu não preciso tirar o que é dos outros para ter dinheiro. Meu pai pode estar morto, mas eu recebo uma pensão. E quanto a você? Seu pai foi embora justamente para não ter obrigação financeira nenhuma com você, não é mesmo?

Antes de minhas costas se chocarem contra a superfície dura que era o chão, eu vi Gabriele saltar sobre mim como um animal saltaria ao atacar sua presa. Tudo foi bastante rápido: em um minuto eu estava de pé, no outro eu estava no chão, soltando um grito de dor que se misturava aos gritos alucinados do resto dos estudantes. Talvez você pense que eu tenha exagerado ao gritar de dor, mas se visse a marca roxa que os dentes de Gabriele deixaram em meu pescoço, mudaria de opinião. Ela cravava suas unhas em minha pele enquanto sua feroz mandíbula teimava em não largar o meu pescoço. Mas mesmo assim, consegui desferir tapas e arranhões nela.

Por sorte, aquilo não durou muito tempo, pois os braços magros, mas persistentes de Filipe, o mesmo que havia liderado o meu time de handball no primeiro dia de aula, tiraram Gabriele de cima de mim. Eu me levantei, mas a professora apressou-se em agarrar meu braço; ela, é claro, estava tão nervosa quanto histérica.

– Gabriele! – grasnou – Posso saber que atitude é esta? Eu te conheço há quatro anos, mas você nunca brigou com ninguém, principalmente a ponto de deixar um hematoma destes no pescoço de uma colega! E você, Andressa? Como explica o celular de sua colega estar na sua mochila?

– Mas eu não roub...

– Você vai explicar isso para a diretora! Aliás, as duas vão responder pelos seus atos lá! Andando, agora!

Eu e Gabriele rastejamos para fora da sala sem nos olharmos acompanhadas pela professora que bufava de nervosismo. Antes de sumirmos da vista dos nossos colegas, porém, lancei um olhar rápido para Juliana e Poliana, percebendo imediatamente que ambas me olhavam e estampavam sorrisos cínicos no rosto e naquele momento, eu entendi tudo com a velocidade de uma águia pescadora quando voa em direção à sua presa. Você pode até ser marrenta, sua nojenta. Pode não ter medo de nada, mas nessa escola você não fica. Enquanto estiver estudando aqui, nós não vamos deixar você em paz! Bom, a ameaça foi feita, cumprida, e se eu não conseguir provar minha inocência, teria fama de ladra. E agora?

Um calafrio percorreu meu estômago quando ficamos diante da sala da diretora. A professora bateu na porta e, após uma voz feminina permitir a sua entrada, ela girou a maçaneta e adentramos o cômodo. Inicialmente, a diretora pareceu notar apenas a docente:

– Em que posso ajudar Ana?

Porém, ao notar a presença de duas garotas fardadas e cabisbaixas, ela perguntou, com voz séria e cenho franzido:

– Aconteceu alguma coisa?

– Temos sérios problemas, diretora.

A mulher que estava sentada atrás uma escrivaninha pediu para que nos sentássemos nas cadeiras em frente a ela, enquanto pedia à professora para relatar o que aconteceu. Esta contou tudo com detalhes: desde o celular roubado, às ofensas trocadas, até a agressão de Gabriele e os tapas e arranhões que dei nela. Neste ponto da história, vale ressaltar, que ela fez questão de mostrar à outra docente as marcas no rosto da minha colega e a mordida no meu pescoço. Pela cara da diretora, deduzi que aquilo estava, de fato, horrível.

– Certo, professora. Pode voltar para a sala. Deixe as duas mocinhas comigo.

A professora Ana assentiu e retirou-se da direção. Assim que viu a porta se fechar, a diretora, que se chamava Clementina (a mãe dela devia ser alguém bem desnaturado), limpou a garganta e começou a falar:

– Primeiro, vou conversar com você. Aliás, qual é o seu nome, mesmo?

– Gabriele. – murmurou a menina, que ficou surpresa após ver que era a ela que a diretora se referia. Talvez não esperasse que fosse ela a primeira a ouvir reclamações. Mas em meu íntimo, eu tinha certeza que aquilo não era bom sinal. Aquilo só podia estar acontecendo porque a mulher a nossa frente deixaria a nuvem mais negra do céu despejar a sua pesada chuva por último. Mas e quando você tem certeza de que não merece esse dilúvio?

– Desde quando você estuda aqui, Gabriele? - quis saber a diretora, enquanto consultava a lista de nomes do 9º ano E, para depois puxar a ficha que continha uma foto 3 X 4 e o nome de Gabriele.

– Desde a quinta série.

– Pelo que vejo em sua ficha, você nunca recebeu uma advertência sequer.

– É... – murmurou Gabriele.

– E posso saber o porquê desta atitude selvagem? Uso este termo porque só um selvagem atacaria do jeito que você atacou sua colega, deixando um hematoma horrível como este.

Aquela mulher estava começando a me assustar ao mencionar a marca no meu pescoço. Gabriele não respondeu à sua pergunta.

– Estou esperando a sua resposta. – insistiu ela após perceber que a garota persistiria no silêncio – Não temos a manhã toda.

Gabriele preencheu a sala com o som de sua respiração profunda e respondeu em seguida:

– Ela roubou o meu celular. – sussurrou tão simploriamente que pareceu infantil.

– E é assim que você espera resolver as coisas? – diante do silêncio da menina, ela suspirou e deu continuidade ao seu discurso: - Se um ladrão te assaltasse e levasse algo de valor, você iria atrás dele e pularia em seu pescoço como acabou de fazer com a sua colega?

Quase ri com a ilustração que escutei. Uma coisa não tinha nada a ver com a outra e, além disso, o que me pareceu foi que eu estava sendo comparada a um marginal. Mas, já sem força para armar outra confusão, tentei me sentar mais confortavelmente na cadeira e escutar a resposta de Gabriele. Aliás, conforto era algo que ela também não estava tendo.

– Não. Mas ela me ofendeu. Disse que meu pai me deixou para não ter obrigações comigo. Em outras palavras, me chamou de bastarda.

“Mas não é esta a verdade?”, tive vontade de responder, mas achei melhor ficar quieta.

– E ela falou isso sem mais nem menos? – quis saber a diretora.

Bela jogada! A diretora falou justamente o que eu pensei ao escutar a última fala de Gabriele, pois eu não teria dito nada se ela não fizesse aquela acusação contra mim. Ela, agora, estava completamente sem graça e não conseguiu responder coisa alguma.

– Será que você vai me deixar esperando a sua resposta novamente?

– Não. Ela não falou aquilo por nada. – disse ela, pronunciando as palavras com dificuldade.

– E o que você fez para ela dizer o que disse?

– Eu disse que ela havia roubado o celular porque precisava de dinheiro, já que agora é órfã de pai. Mas senhora entenda: ela roubou! O que eu poderia dizer de uma atitude destas?

– Isso cabe a mim e a sua professora resolver, Gabriele. Há um ditado que se diz: quem grita perde a razão. E você desperdiçou grande parte da sua duas vezes: a primeira, quando acusou sua colega, o que a levou a te ofender, embora isto também não explique a sua atitude, mocinha. – disse, sacudindo uma caneta entre os dedos em minha direção, para depois dirigir-se a Gabriele novamente – E a segunda, foi quando a atacou. E nada justifica a violência. Entendeu?

– Sim. – murmurou Gabriele.

– Agora você, garota. – o tom da diretora era, sem sombra de dúvidas, mais enérgico agora – Explique-me como o celular da sua colega foi parar em sua mochila.

E eu, que já estava cansada de ser acusada de um crime que não cometi, respondi:

– Garanto que se soubesse, com certeza quem estaria não seria eu, mas outras pessoas.

– Como ousa a me responder desta maneira, menina?

– Esta é a maneira de responder de alguém que está sendo acusada do que não fez.

– Ah, é mesmo? E como o aparelho foi parar nas suas coisas? Criou pernas?

Não estava aguentando mais aquilo. Precisava falar.

– A senhora já pensou na hipótese de alguém ter colocado aquele bendito aparelho na minha mochila para me incriminar?

A diretora me encarou abismada.

– Você está fazendo uma acusação muito séria em relação aos seus colegas, menina...

– Eu estou fazendo uma acusação com base na minha consciência, que está limpa. Agora, eu sim estou sendo acusada sem base alguma.

– É? E como pode provar isso.

– As câmeras! Vi duas delas na sala quando eu cheguei no meu primeiro dia aqui.

A diretora abriu a boca para me responder, mas alguém bateu na porta. Ela pediu para que a pessoa entrasse, e na sala apareceu uma senhora magra, baixinha, de cabelos curtos e loiros, segurando alguns envelopes. Era a secretária.

– Aqui estão os papéis das matrículas, diretora. – disse ela.

– Obrigada, Eliza. Assine aqui, por favor. – enquanto a secretária assinava os papéis que lhes foram indicados, dona Clementina retomava suas palavras: - As câmeras estão quebradas e só serão concertadas na próxima semana.

Eu ia abrir a boca quando a secretária disse:

– As câmeras? Eu me esqueci de te avisar, Clementina, mas as câmeras foram concertadas ontem à tarde e já estão funcionando perfeitamente bem.

– Ah, é?

Eliza terminou de assinar seus papéis, confirmou a pequena indagação da diretora e retirou-se. Esta, então, disse:

– Bom, já que é assim, vamos ver o que aconteceu na sua sala durante a aula de redação. Acho melhor a senhorita rezar para que as imagens comprovem o que você disse.

– Eu não preciso rezar. Não por isso.

Então, ela ligou um pequeno aparelho de televisão que estava em um canto da sala e enquanto murmurava a minha série e a minha turma repetidas vezes, apertava um botão. Até que finalmente, as imagens que haviam sido gravadas nos primeiros momentos da aula apareceram, e com elas a minha sala de aula. Lá estava a professora sentada em sua cadeira e os alunos empenhados em suas redações, a minha cadeira e a de Gabriele vazias. Ela parecia no fundo da sala, apanhando algo nas mãos de outra colega.

– O que você estava fazendo ali? – quis saber a diretora.

– Fui pegar uma caneta emprestada na mão daquela menina, pois a minha estava falhando.

– E você? Faz ideia do porquê de sua cadeira estar vazia?

– Provavelmente eu estava no banheiro no momento. – eu respondi, sem desgrudar os olhos das imagens. E ainda bem que eu estava, ou melhor, todas nós estávamos prestando bastante atenção, ou o crime que havia me levado à sala da diretora naquela manhã jamais seria solucionado.

Nós vimos. Vimos como o celular de Gabriele foi parar na minha mochila: no momento em que ela ainda estava com a nossa colega, pedindo a caneta, Poliana, astuta como uma raposa, conseguiu escorregar até a mesa dela rapidamente e pegar algo no bolso frontal de sua mochila. A postos, sua comparsa, Juliana, já aguardava o furto perto da minha mesa, para agilizar a ação e jogou o objeto, até então não identificado em minha mochila. A diretora achou necessário voltar, pausar e aproximar as imagens várias vezes até ter realmente certeza de que o que estava em posse da dupla pesadelo naqueles minutos era um celular. Totalmente pasmada com o que acabara de ver, suspirou e passou a mão no rosto. Eu, por minha vez, me certifiquei de que ela estivesse olhando para mim quando lhe lancei um olhar vitorioso. Ao meu lado, Gabriele encarava o chão.

– Não acredito que estas duas aprontaram de novo. – disse a mulher.

“Que bom que a senhora já as conhece”, tive vontade de responder.

– Já teve algum tipo de problema com uma delas?

– Elas implicaram comigo desde a primeira vez que me viram.

A diretora pressionou os polegares contra a testa e soltou mais um suspiro.

– Certo. Você está isenta de acusações. Mas, ainda há uma coisa: você agrediu uma colega de classe.

– Porque ela me agrediu. Foi em legítima defesa. Eu não poderia continuar apanhando.

A diretora repetiu o gesto com os polegares mais uma vez.

– Tudo bem. Então, a única pessoa que ainda terá de ouvir sermão aqui hoje é a sua colega. Você tem noção do que a sua atitude agressiva poderia ter resultado para a sua colega?

Gabriele murmurou um “sim” quase inaudível.

– A sua atitude foi mais do que grave. Você levará uma suspensão de quinze dias. Vou assinar uma advertência para você levar para sua mãe...

– Diretora, por favor, não! Eu nunca me envolvi em um problema como este! Minha mãe vai ficar decepcionada! – implorou uma sobressaltada Gabriele.

– Deveria ter pensado nisso antes de atacar sua colega. – respondeu Clementina.

– Diretora! Não, por favor! – ela pedia, quase chorando – Minha mãe já tem muitos problemas e...

Dona Clementina, porém, não parecia estar nem um pouco comovida. Eu, por outro lado, parecia ter entrado em transe. A voz da garota choramingando ao meu lado estava tão presente quanto eu mesma naquela sala, fisicamente falando, já que a mente já vagueava... Eu chegaria em casa, contaria tudo para a minha mãe, que bateria na porta de Cristiane bastante irritada, interrogando sobre as manchas feitas por Gabriele na minha pele. As duas entrariam em discussão e a relação com alguém que poderia ajudar minha mãe a se manter mais feliz durante aquela fase difícil das nossas vidas se abalaria. Por outro lado, eu poderia manter minha boca fechada. Mas uma hora ou outra, Cris poderia comentar o assunto da suspensão da filha no trabalho ou até mesmo ir até nosso apartamento para pedir desculpas e...

– Diretora! – eu chamei em uma ligeira e desesperada voz.

– Sim, Andressa?

– Eu posso te pedir uma coisa?

– Se eu puder atender... – respondeu ela sem tirar os olhos do papel que assinava, que representava a suspensão de Gabriele.

– Não a suspenda.

Ao ouvir isso, a diretora pousou a caneta sobre a mesa e me olhou atônita.

– O que foi que disse?

– Eu disse para a senhora não suspendê-la. – repeti com voz trêmula, já incerta das minhas palavras.

– Como pode? Ela lhe agrediu deste jeito e você não quer que eu a suspenda? – indagou a diretora incrédula. Gabriele me olhava com olhos bem arregalados.

– É... – confirmei, a voz saindo trêmula mais uma vez. Mas então eu respirei fundo e falei com firmeza: - Diretora, meu pai faleceu há pouco tempo. Minha mãe e a mãe dela são colegas de trabalho próximas e nós moramos no mesmo prédio.

– Oh, as duas são vizinhas? – retrucou a diretora de um jeito cínico.

– Exatamente! E se tiver dúvidas, pode olhar os nossos endereços nas fichas – eu disse com convicção – Minha mãe tem encontrado na mãe dela apoio para superar toda a dor que está sentindo. Se as duas souberem do que aconteceu hoje, pode ser que a relação das duas fique abalada.

A diretora exibiu um sorriso que era – não há outra definição – malévolo.

– Eu tenho certeza que suas mães vão saber resolver o problema de forma madura, sem colocar o coleguismo de ambas em xeque por causa de uma confusão entre adolescentes.

– Mas diretora... – insisti – A mãe dela é uma excelente pessoa. E como a minha, cuida de tudo na casa sozinha. Vai ser difícil para ela receber uma notícia dessas. E eu não quero que minha mãe também tenha que se preocupar com algo tão... Irrelevante.

Ela parou o que estava fazendo para me encarar.

– Veja bem, mocinha, o que acontece com quem infringe a lei do colégio cabe a mim decidir. Agora, se você acha que a sua mãe vai chegar em casa e não vai reparar nas marcas horrorosas que estão em seu pescoço e nem sequer lhe exigir uma explicação, eu discordo totalmente, e quero ter feito a minha parte antes de ela responsabilizar a escola por não ter tomado nenhuma atitude.

Observei-a voltar para sua folha de papel e caneta. Soltei um sopro baixo e longo antes de chamar:

– Diretora...

Mais uma vez, dona Clementina parou o que estava fazendo para me olhar. Só que desta vez, ela apenas olhou fatigada e nada me disse. Então, continuei:

– Eu sei que quem decide aqui é a senhora. Mas eu não estou lhe pedindo para não puni-la. Apenas lhe peço para não deixar a sua responsável saber o que aconteceu.

Ela soltou mais um de seus suspiros e perguntou:

– Você, como diretora, deixaria um caso como este oculto dos pais do responsável pela agressão?

– Não, se o aluno não tivesse ficha limpa. E depois, se pararmos para analisar o caso, veremos que eu e ela fomos vítimas de uma mentira.

A diretora pressionou mais uma vez seus polegares em sua testa, para depois informar:

– Bom, eu acho que a sua preocupação em relação à sua mãe é desnecessária. Quero que saibam que a decisão que estou prestes a tomar agora não é algo que costumo fazer, mas se a agredida pede a sua anistia, Gabriele, acho que podemos minimizar um pouco a sua punição... Eu não vou te dar suspensão...

– Não?! – indagou Gabriele, surpresa.

– Não. – confirmou a diretora – Mas quero que saiba que este não é o tipo de atitude que eu costumo tomar e muito menos pense que é porque não vai ser suspensa que ficará totalmente impune.

– O que terei de fazer?

– Durante um mês você passará o intervalo na biblioteca, ajudando a bibliotecária com a organização da mesma. E vai me entregar um relatório no final de cada dia. Eu me certificarei de que você está fazendo o trabalho direito. Se não fizer, serei obrigada a chamar sua mãe. Agora, acho que você tem algo a dizer a sua colega, não?

– Sim. – respondeu Gabriele e sem olhar para mim, sussurrou: - Desculpas.

– Ótimo. Não quero mais ouvir nenhuma história desagradável sobre as duas. Você começará seu trabalho hoje, Gabriele. Agora, voltem para a sala. E peça as duas garotas que apareceram na filmagem para vir até aqui, por favor.

Saímos da direção e caminhamos pelos corredores para voltar a nossa sala sem trocar uma palavra. Ao chegar, todos ficaram confusos com meu sorriso vitorioso e pela notícia de que Poliana e Juliana foram chamadas pela diretora. Gabriele negou-se a comentar o assunto quando a professora lhe perguntou o que a diretora resolveu, mas eu contei a história da filmagem para todos ouvirem. O dia transcorreu melhor. A alma lavada...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Por favor... Se estiverem lendo, não hesitem em comentar!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "À Gabriele, minha querida teriantropa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.