O último suspiro da errante apaixonada. escrita por LadySilence


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Ai, ai... Com tanta fanfic que eu tenho pra atualizar e de repente eis que me surge essa estória em mente. Não consegui evitar de escrevê-la, pois curiosamente não me saia da cabeça e simplesmente não me permitiu escrever nada além dela, até o seu fim...

Enfim, o tema dela é uma melodia chamada Heaven's Lullaby (deixarei postado o LINK do YouTube nas notas para que possam ouvi-la)

Link: http://www.youtube.com/watch?v=FAeN2SgtNwU


Notas:
— A definição para a palavra errante do título é "desnorteada".
— Soneto é uma pequena canção, portanto a melodia que ora a personagem chama de canção outrora de soneto se dá a partir da interpretação dela mesma daquela forma.

Boa leitura!



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Aqueles foram os meses mais felizes de minha vida...


Obadalar das cordas — eu podia ouvi-lo... Tão sereno. Tão tranquilo?

Sim. Eu estava apreciando aquele som que suavemente minhas mãos moldavam sobre as teclas lisas e gélidas deste velho piano de cauda ao centro da sala.

De olhos fechados, meu corpo — dos quadris à cabeça —, balançava-se ao delicado ritmo daquela melodia.

Ah, aquela melodia... Uma canção de ninar talvez? Não, era um triste soneto. Na realidade era tema da ruína de um grande amor.

Não. Não se tratava de um desengano, tampouco um amor unilateral. Era mesmo um puro e intenso romance que se findou em uma tragédia, ou pelo menos foi assim que eu passei a interpretá-la...

Embora naquele tempo eu realmente acreditasse que ela fosse uma canção de ninar, em um determinado momento de minha vida, passei a ouvi-la com outros sentimentos.

Se antes eu a tocava para fazê-lo dormir, naquele instante eu a tocava para fazer-me recordá-lo, ressuscitá-lo, mesmo que fosse apenas dentro de minha mente.

Um dia ele esteve ao meu lado a ouvir-me tocar neste velho piano ao centro da sala. Os dias eram belos e ensolarados naquele cálido verão.

Hoje está tão frio que mal sinto meus dedos que dormentes, até agora pouco, latejavam devido à baixa temperatura. Agora é inverno, entretanto, mais gelado que a neve acair lá fora, está o meu coração. Basta-lhe um toque e se desfará em mil pedaços, como um vidro estilhaçado.

Se me perguntassem — naquele tempo —, se eu era feliz, eu diria com toda a certeza do mundo que sim. Hoje, tamanha ousadia seria o mesmo que mentir para mim.

Às vezes, quando fecho os meus olhos enquanto toco e ouço esta triste canção, sinto que ele está ao meu lado e até mesmo posso sentir o seu cheiro de camélia e canela, fazendo-me suspirar em nostalgia.

Mas em momentos como este no qual me encontro: em que acabo de tocar, abro os meus olhos e percebo que tudo apenas existiu em meu devaneio, é frustrante — dolorosamente frustrante.

Ele não está mais aqui. O meu trágico romance pertence ao passado — um recente passado. Morto e enterrado debaixo de sete palmos de terra, embora ainda viva melancolicamente em meu coração.

A primeira vez que entrei nesta sala e avistei este piano, sem pensar duas vezes, sentei-me sobre esta cadeira de madeira ébano e pus-me a tocar, como uma criança que não hesita em enfiar o dedinho na torta de maçã sobre a mesa.

Ao término daquela canção eis que ele, o estranho ouvinte à minha janela — que me escutava minuciosamente —, pôs-se a aplaudir-me. Atrevido! Fora a primeira palavra que me viera em mente após o susto.

Homem curioso — o morador da casa ao lado —, ouvira a melodia e seguira o seu rastro sonoro até deparar-se comigo, a nova moradora da vizinhança.

Entre longas tardes de verão e pequenas lições de música, ao ritmo de incontáveis canções — ao decorrer daquela cálida estação —, partilhamos sonhos e aos poucos tornamo-nos cada vez mais íntimos.

Um belo dia, sua confissão e o começo de um romance. O amor eminente, irrefutável, arrebatador, arrastou-me àquela inevitável e irresistível história de amor.

Sentimento puro e mágico, algo que eu jamais havia sido capaz de sentir em toda a minha vida e estou ciente de que jamais o sentirei outra vez. Eram doces os dias de meu nostálgico romance. Naquele tempo, a felicidade mal cabia dentro de mim.

Tão rápido nos envolvemos, o verão passou, o outono começou e logo chegou ao seu fim. Nas últimas semanas daquela estação, os dias estavam mais frios, e as secas folhas das árvores caídas já estavam ao chão. Pelas tardes nubilosas, juntos nesta sala, dividíamos as mesmas paixões: músicas e livros, entre goles de chocolate quente. Sentia-me tão completa em sua companhia...

Quando o inverno chegou — devido ao requerimento em seu trabalho —, ele teve de viajar à sua cidade natal em busca de alguns documentos que deixara aos cuidados de familiares, e por lá permaneceu por alguns dias, visto que decorrente da nevasca, as estradas encontravam-se congeladas.

A solidão apertara-me o peito em sua ausência, no entanto, por ligações e mensagens pelo celular, continuamos a nos falar.

Em nossas conversas, perguntas surgiam tão rápidas como se extinguiam e em um momento ele disse-me que voltaria o mais rápido que pudesse, para a minha companhia. Preocupada, embora eu ansiasse por aquilo, pedi para que tomasse cuidado e que viesse quando pudesse. Porém, pela teimosia eminente em sua voz grave e aveludada, de certa forma eu sabia que ele não me ouviria e que realmente acabaria vindo o mais rápido que conseguisse. Por fim, naquele dia eu acabei não insistindo em me opor a aquilo, afinal, eu também almejava vê-lo o mais rápido possível. Arrependo-me amargamente por isso.

Há uma semana, recebi sua ligação avisando-me de que voltaria ainda pela manhã daquela segunda-feira gélida. O tempo não estava tão ruim, a nevasca havia passado e o dia parecia tão tranquilo.

Preparei chocolate quente para nós dois, coloquei ambas as canecas de porcelana sobre a pequena mesa de madeira ao lado do piano e sentei-me ao mesmo, pondo-me a tocá-lo à espera de meu amado, que logo viria se juntar a mim.

Toquei por toda aquela manhã. Ele não voltou. Veio-me a preocupação e antes que eu o ligasse, recebi uma ligação sua, e tão feliz a atendi. Era estranha a voz do outro lado da linha, que me perguntou se eu conhecia o dono daquele telefone celular. Um acidente ocorrera em uma estrada parcialmente congelada, próximo da cidade em que eu morava.

Ao fim daquela ligação, estarrecida, coloquei o aparelho sobre a cauda deste piano e pus-me a tocar aquela mesma canção que toquei no dia em que nos conhecemos. Logo a tarde passou, o chocolate quente esfriou, a noite chegou e afundada em lágrimas, sentenciei-me a lamentar até o nascer do sol do novo dia que viria e me levaria para reconhecer o corpo daquela pessoa tão especial para mim. Havíamos feito tantos planos.

Neste instante, os prantos desprendem-se de meus olhos inebriados por todas essas recordações. Não consigo pará-los. Eles persistem em molhar o meu rosto e embaçar a minha visão.

Faz tão pouco tempo que ele se foi e sinto como se já fizesse uma eternidade que eu o perdi. Passo os meus dias tocando e contemplando este velho piano de cauda ao centro desta sala, que fora o cenário do meu único romance.

Todos os nossos sonhos e planos esvaíram-se e com eles, toda a minha vontade de viver também se dissipou, deixando-me a mercê de algum vestígio de esperança, que até neste momento não consegui encontrar.

Hoje eu tenho a certeza de que sem ele, a minha existência solitária não se encaixa neste mundo. Não mais. Deixarei a ti solidão e irei pelo caminho que me levará a encontrá-lo. No entanto, mesmo que nossos passos não se cruzemna outra vida — se é que ela realmente exista —, ainda assim acredito com todo o meu coração que toda a minha dor e sofrimento se extinguirão.

Repentinamente eu me levanto desta cadeira de madeira ébano, acaricio algumas teclas e ponho-me a caminhar para longe deste velho piano. Agilmente deixo esta sala e sigo para o jardim coberto de neve.

Apaixonada, amargurada e desnorteada, ainda de pijamas nesta madrugada de inverno, eu ando sobre o chão congelado. Sinto através das meias que mal aquecem os meus pés, o frio intenso atingindo-me até os ossos.

Tão pouco consigo caminhar, logo eu caio ao chão e estiro-me sobre toda essa camada espessa de neve. Está tão gelado que me dói até mesmo respirar. Fico imaginando o que ele sentira no momento em que partira e se eu também sentirei o mesmo, embora sejam distintos ambos os meios. Logo o meu corpo se contrai e trêmula, eu abraço minhas pernas.

Será que ele pensou em mim até o seu último suspiro? Será que ele se recordou do passado, de nosso romance e lamentou todos os planos e sonhos que não seriam concretizados? Quem sabe... Honestamente, eu prefiro acreditar que ele pensou em mim — somente em mim —, até o fim, da mesma forma que estou pensando nele neste momento.

Sinto algo gélido pousar em meu nariz, olho para cima e avisto a neve voltar a cair desse céu cinzento sobre mim. Sou tão pequena diante deste mundo. Uma fração insignificante de toda essa imensidão.

Em breve eu deixarei de respirar. O processo é tão doloroso e libertador ao mesmo tempo. Percebo que aos poucos a hostilidade da morte aproxima-se de mim e o meu queixo já não bate mais de frio.

Não tenho mais consciência do tempo que se passa, tudo parece estar tão lento, tão distante de mim. Turva, vagarosamente a minha visão escurece. Tudo está se apagando, já não vejo mais nada. Não há mais nada. Não sinto mais nada.


De repente abro os meus olhos e vejo que o inverno acabou. Levanto-me do gramado verdejante e a minha volta há um imenso jardim de flores brancas, e não muito distante daqui — debaixo de uma grande árvore —, alguém pacientemente me espera. Quem será?

Receosa, eu caminho sorrateiramente na direção daquele alguém. Eu o conheço?

Ao longe escuto uma nostálgica melodia. Talvez uma canção de ninar? Não. Aos meus ouvidos parece o soneto do fim de minha vida.

O vento gentilmente dança com os meus cabelos e carrega consigo algumas pétalas das flores brancas. Este cheiro... Quem diria? São camélias as flores deste jardim e este homem sob a árvore é o meu amado, que espera por mim.

Adeus vida, adeus velho piano, adeus a tudo e a todos.

A partir de agora, somos apenas nós dois, as camélias e esta melodia.

Ah, esta melodia! Antes uma canção de ninar. Depois um triste soneto da ruína de um grande amor. Mas e agora? A comoção não me causa dor. Na realidade, neste instante esta linda melodia apenas figura a trilha sonora de minha alegria.

Que descanse em paz esta nossa sofrida história de amor.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Kissus de chocolate :*



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