Caminhou mais alguns metros após ter comprado café.

   - Senhor, sua carteira!

   Ruki olhou para trás, apalpando os bolsos até perceber que realmente esquecera a carteira. Voltou ao balcão, pegando-a e agradecendo à atendente com uma breve mesura de cabeça antes de voltar ao seu caminho. Distração, a maldita distração. Andava assim há algumas semanas. Desde que terminara pela qüinquagésima vez com Uruha. E dessa vez fora diferente de todas as outras em que Uruha ou ele acabavam dando o braço a torcer e voltando correndo um para o outro. Ainda havia amor, pelo menos da parte de Ruki, mas já estava no quinto estágio dessa vez.

   Ruki suspirou, levando o copo à boca e tomando um gole, afastando-o rápido assim que sentira o líquido quente queimar-lhe a ponta da língua. Esquecera de assoprar, maldita distração. Por que Kübler-Ross não a mencionou?

   Pegou-se lembrando então do livro. Pretendia lê-lo quando chegasse em casa, já que agora o tempo parecia negar-se a passar quando fechava a porta após entrar. On Death and Dying, bom livro. O título chamara-o a atenção, a descrição ainda mais. A contracapa do livro falava sobre o modelo Kübler-Ross e dos cinco estágios do luto e perdas em geral, por onde passara os olhos e ficara extremamente surpreso ao ver o quanto se encaixava ali. Uma perda, uma perda pessoal catastrófica, foi isso que sofrera.

   Negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. E um viva para a psicologia.

[negação~]

   "Ele vai voltar, sei que vai... Ele sempre volta."

   No começo, Ruki encarou como uma crise simples.

   Não, na verdade encarara como ‘nada demais\'.

   Mas Uruha não voltou.

   Nem ligou.

[raiva~]

   "Não é justo! Eu te dei tudo, Uruha, tudo que eu tinha e de que jeito você me retribui?"

   Tentara culpar Uruha.

   Tentara culpar Aoi.

   Tentara culpar qualquer um.

   Deixara a mágoa extravasar mais de uma vez e manteve o orgulho intacto não indo atrás de Uruha.

   Na verdade ficara até rabugento, mesmo com quem não tinha nada com a história.

   E acabou afastando mais gente assim.

[barganha~]

   "Alô? Uru? Bem... não sei se você não está mesmo aí, mas... quando escutar isso me liga de volta... por favor."

   Uruha não ligou de volta.

   Ruki no fundo sabia que não ligaria, mas o magoou mais.

   Estava ali, pisando no próprio orgulho, rebaixando-se quase ao ponto de implorar para que Uruha voltasse, mas de nada adiantou.

   Esperou do lado do telefone até o sono abate-lo da madrugada, quando finalmente foi deitar-se, o orgulho e o coração quebrados.

[depressão~]

   "Não posso viver sem ele, não vou conseguir..."

   Já havia pensado em todos os clichês, bebida, drogas, suicídio...

   Bebida o deixava pior, tinha medo de se meter com drogas e não conseguir sair, e sabia que nunca teria coragem para levar um suicídio até o final.

   Mas pensar não fazia mal, fazia?

   Na verdade confortava-o de algum jeito saber que talvez morto Uruha sentisse sua falta.

   Pois obviamente não estava sentindo agora.

   Nenhum telefonema. Nenhum.

[aceitação~]

   "É isso. Eu desisto."

   Aceitara seu esforço, aceitara seu amor, aceitara sua falha em fazer Uruha feliz.

   Sim, sabia que o sufocava.

   Sabia também que o outro provavelmente houvesse enjoado de suas crises idiotas e cada vez mais freqüentes de ciúmes.

   Aceitara que talvez tivesse se tornado uma pessoa de quem ele mesmo não gostasse.

   Mas o que podia fazer?

   Quando o amor que sentia tomava conta da parte racional de sua mente?

   Aceitar, era só o que podia fazer.

   Tomou outro gole do café agora já não tão quente, mesmo assim sentindo uma sensação incômoda na ponta queimada da língua.

   Apertou o botão do décimo andar do elevador e suspirou, torcendo secretamente para que quando chegasse no apartamento houvesse um recado de Uruha na secretária eletrônica, onde o outro admitiria que acabara de sair do segundo estágio e pediria que Ruki retornasse a ligação, não dando assim tempo para que lesse o livro.