Um universo a mais escrita por Léo Silva


Capítulo 1
Capítulo 1




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PRÓLOGO

Pensei, por diversas vezes, em como seria dar aquele próximo passo. Em muitos sonhos fantasiava criar asas no momento em que me decidisse fazê-lo, ou descobrir que Deus mandara um anjo para me agarrar antes... antes de tudo terminar. Mas, ainda que tivesse uma vida inteira para pensar nisso, não seria capaz de prever a forma exata de como aconteceria, ou o que sentiria quando finalmente o fizesse.

Sem a intenção de prolongar ainda mais aquele minuto de dúvida – talvez com medo de desistir, ou de alguém me fazer desistir – levantei o pé e encarei a altura pela última vez, em um último olhar para baixo.

Então o tudo se transformou em nada, céu e mar se misturaram e eu descobri que não é preciso ter asas para voar.

Capítulo 1

Ela é grande, pesada e imponente. Foi concluída em 1937, e liga dois pedaços de terra que se chamam São Francisco e Sausalita.

Enquanto o carro cruza a ponte Golden Gate eu olho pela janela. O trânsito é intenso lá fora, porém organizado. As pessoas vem até aqui procurando por uma bela vista – ou para se matarem. Mais de mil e duzentas pessoas já cometeram suicídio na Golden Gate, e quatro dos corpos jamais foram encontrados. Abro um pacote de batata-frita e penso nisso. Mais de mil pessoas, de todas as partes do mundo, se jogando de uma ponte.

É um número impressionante e terrível.

— Sofia, o que eu disse sobre comer no carro? – pergunta meu pai enquanto mastigo a maior batata do pacote.

Eu engulo o pedaço de batata restante e enfio o pacote de volta na mochila. Continuo olhando pela janela do compacto ano 2012 enquanto terminamos de cruzar a ponte, e não posso deixar de sentir uma pontinha de aflição, um friozinho na barriga. Tenho medo de que mais alguém decida se jogar enquanto estamos passando, e sei que não conseguirei deixar de olhar se isso acontecer.

— Sei no que está pensando – disse meu pai assim que o carro saiu da ponte.

— Não, não sabe – falei.

— Queria que soubesse que...

— Eu não estava pensando nela – falei com certa raiva no olhar.

Mas era mentira. Sim, eu estava pensando nela, por mais que detestasse admitir, e muito mais nas últimas semanas do que nos nove anos anteriores. Faria dez anos no próximo mês, e isso é muito tempo. Era como se eu esperasse que aquilo acontecesse de novo, somente porque eu estava lá, e o dia em que ela decidira dar o passo que mudaria sua vida se aproximava. O último passo.

Minha mãe se chamava Florence Spencer. E ela se jogou da Golden Gate no dia 19 de julho de 2004.

***

É relativamente simples.

As pessoas que vão até a ponte se jogar acreditam que, em algum lugar embaixo dela, existe uma passagem (só não me pergunte para onde). Não, a passagem, para ser mais exata. Então, quando alguém sente que não suporta mais viver neste mundo frio e cruel, vai até lá e mira a água – que é algo relativamente fácil de fazer, uma vez que a parte inferior da ponte está cheia dela. É preciso subir no corrimão e, ultimamente, olhar para o lado e ver se alguém não está correndo para tentar impedi-lo (há câmeras de vigilância). Vencida essa parte, é só se jogar e curtir a queda de quatro segundos até a água – e se preparar para um impacto a cento e vinte quilômetros por hora.

Simples, não?

Em 1982 a ponte foi interditada por causa dos fortes ventos, e a estrutura metálica rebolou docemente, para um lado e para o outro, como se dançasse com a corrente de ar. Algumas pessoas pensaram que ela cairia e desapareceria no mar – talvez atravessando a passagem que guardava. Eu imagino que nem um pedacinho dela seria encontrado se isso acontecesse. Não é o que acontece com o que cai no Estreito Golden Gate e desaparece?

Meu nome é Sofia Spencer, tenho dezessete anos e isso é tudo o que sei sobre a ponte Golden Gate. Minha casa fica em um subúrbio de São Francisco, e meu pai se chama Mark Spencer. Ele é corretor de imóveis. Tenho um irmão mais velho que está terminando a faculdade de direito e uma gata chamada Fofura (é um nome idiota, eu sei, mas é minha gata, e ela é mesmo uma fofura!). Meu vizinho da direita e melhor (e único) amigo se chama Claude e meu vizinho da esquerda (só para constar, ele é um imbecil) não existia até duas semanas atrás.

Até o dia em que Joseph Humfrey resolveu montar acampamento ao lado da minha casa.


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