Tomoeda High escrita por Uma Qualquer


Capítulo 9
Testemunha




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Syaoran estava atônito.

– Você... não é um vampiro– exclamou. –Não como o Sebastian-sensei.

– Claro que não– Ciel encarou-o com desprezo, enquanto girava o líquido lentamente no cálice. – Você já devia ter percebido. Mas claro, o cérebro da dupla não é você.

O Li mais jovem encarou Tsubasa, tentando ver sua reação. Ele estava muito sério.

– Vocês têm algum pacto ou algo assim?–indagou.

– “Ou algo assim”– Sebastian sorriu. – Só devo beber sangue humano se vier do jovem mestre. Ele me cedeu este privilégio de não precisar caçar, e em troca, ofereci meus serviços.

– E seu sangue– Meiling acrescentou, um tanto repugnada.

– Não é algo proibido, até onde eu sei– Ciel prosseguiu. –Vampiros e humanos fazem isso quando tem interesses em comum. Os Caçadores são pessoas cruéis e perigosas, e de modo geral, um incômodo grande para vampiros. Se um vampiro se aliar a um humano, deixa de ser perseguido, já que não vai atacar mais ninguém além da pessoa a quem se aliou.

– Para firmar o contrato, o humano deve beber o sangue do vampiro e fazê-lo regularmente. Isso confere ao humano capacidades físicas incomuns; no entanto, o organismo fica viciado na substância. Como em uma droga.

Ciel encarou o interior do cálice, com um suspiro resignado, e então tomou em dois grandes goles. Respirou fundo e estendeu o copo de volta a Sebastian, que o pôs na bandeja.

Tsubasa havia sentado-se na cama, as costas retesadas, fitando a dupla sem nem piscar.

– Por que vocês vieram pra Tokyo?

Ambos olharam na direção dele, imperturbáveis.

– Como Guardião, você sabe por que criaturas como eu vêm a Tokyo– disse Sebastian. –E eu não poderia vir sem trazer junto o meu mestre.

– Sim, eu já entendi isso– Tsubasa replicou. –Mas até onde eu sei, Londres é um lugar tão bom pra você como Tokyo. Talvez até melhor. Então... o que vocês estão realmente fazendo aqui? Tem algo nesse lugar que vocês querem?

Ciel suspirou novamente. Parecia decididamente aborrecido, e resolvido a acabar logo com aquilo.

– Jovem mestre... –Sebastian alertou-o.

– Esquece, Sebastian– ele resmungou.

Jogou a mecha do lado esquerdo do rosto para trás, revelando o tapa-olho negro. Ele o desamarrou num movimento rápido e o atirou no chão. Surpresos, os jovens viram, em seu olho esquerdo, uma íris vermelha flamejante. Mas não era só aquilo. Sebastian puxou com cuidado o roupão do garoto para trás, de modo que seu torso magro e pequeno ficasse à mostra. Ciel enrubesceu diante do olhar de Meiling e virou-se de costas. E, na altura das costelas, havia uma marca feita à brasa, que lembrava uma flor de lis.

Os Li sabiam o que era aquela marca. O brasão de uma liga de Caçadores de Vampiros.

– Entendem a aberração que eu sou, não é? – Ciel vestiu-se rápido e se jogou na poltrona. –Um Caçador que não pode caçar. Um humano que bebe sangue de vampiro, que serve a um deles e é servido por ele. Sou uma vergonha para minha família, para todos que vieram antes de mim. E no entanto, só o que posso fazer é seguir em frente, nessa existência humilhante.

Seus punhos estavam cerrados de ódio. Tsubasa queria perguntar mais, mas percebeu que o garoto estava se contendo a muito custo. Devia ser quase doloroso se expor daquela maneira.

– Os Phantomhive foram parte da liga oficial de caçadores a serviço da Rainha– Sebastian decidiu tomar a palavra por ora. – Quanto a mim, por conta de minha linhagem mais antiga, sempre tive privilégios, desde os primórdios da formação do Reino Unido. Podia me alimentar sem ser caçado, desde que não causasse muitos problemas; e em troca, ajudava alguns grupos de Caçadores em seu trabalho. Os Phantomhive estavam na minha lista de famílias às quais devia prestar contas.

– Você ajudava eles? –Meiling parecia confusa.

– Com informações, principalmente. Preferia não manter contato com eles. Caçadores são humanos que possuem um ódio milenar por vampiros, e uma personalidade bastante volátil. Nunca se sabe quando eles vão enfiar uma estaca no seu peito.

– Vontade nunca me faltou– Ciel disse entre dentes, e Sebastian acenou para ele, como se comprovasse seu ponto.

– E por que você está com ele agora? –Syaoran indagou afinal. –Se prefere não manter contato, e se tinha liberdade de tomar o sangue de quem quisesse...

– Porque eu quis– o homem inclinou a cabeça na direção dele, achando a resposta óbvia demais. –Caso não saiba, jovem Guardião, e eu duvido que saiba, o sangue de um Caçador é bastante especial. Cobiçado entre vampiros. Carrega consigo toda uma linhagem de lutas, ódio e desejo de vingança. Com o meu jovem mestre, não é diferente. Afinal...

– Afinal, sou o único Phantomhive que restou– Ciel cortou-o. – Minha família foi atacada. Eu fui o único sobrevivente. E o único jeito de me vingar era estar à altura da criatura que fez isso. Então me aliei a Sebastian, e viemos para Tokyo, porque essa criatura logo estará aqui também. Satisfeitos agora?

Falou tudo num fôlego só, o tom imperativo de quem queria se livrar logo daquelas visitas incômodas. Um silêncio pesado se fez por alguns momentos, até que Tsubasa assentiu, franzindo a testa.

– Bom, se o que vocês querem resolver não tem a ver com os humanos, os Guardiões não devem interferir. Nós... Sentimos muito por todo o transtorno.

Ele curvou-se sobre a cama em sinal de desculpas. Meiling o imitou, mas Syaoran precisou de um beliscão para fazê-lo.

– Limpar a bagunça que vocês fizeram vai tomar um pouco do nosso tempo – Sebastian olhou ameaçador para os três criados, que estavam alinhados junto à parede oposta, um tanto constrangidos. – Mas foi por uma boa causa, se isso ajudou a esclarecer nossa situação para os Guardiões.

Os jovens se entreolharam aliviados, mas foram atraídos pela voz de Ciel.

– Exceto por uma coisa– ele disse, estreitando o olhar, o olho vermelho faiscando. – Se são Guardiões mesmo, como não perceberam que, esse tempo todo, havia uma humana seguindo vocês?

Eles o encararam sem entender. Sebastian então puxou uma cortina nos fundos do quarto. A cortina protegia uma cama como a deles, com alguém dormindo sob os cobertores.

Alguém de cabelos curtos e castanho-dourados.

– Mais uma coisa sobre a minha habilidade– Sebastian sorriu para eles. –Eu não apago memórias. O que significa que a senhorita Kinomoto vai querer boas explicações sobre tudo o que viu esta noite.


Quando Sakura despertou, sentiu seu coração pulsar com força por um momento. Perigo grave. Estava em perigo. Ergueu o corpo, assustada, a respiração curta. E então, olhou em volta.

Não conhecia aquele lugar – o aposento em madeira, o futon no qual estava deitada, a lamparina ao pé da porta corrediça. Mas reconheceu seu irmão e Yukito, encostados na parede, do lado oposto à porta. Touya cochilava com a cabeça encostada na de Yukito, mas o rapaz estava plenamente desperto. Ele sorriu suavemente, e sua calma tranquilizou Sakura. Seu coração retomou o ritmo normal e ela respirou fundo.

– Onde estamos? –indagou baixinho.

– Num templo– Yukito sussurrou. – Eu costumava frequentar esse lugar quando era mais novo. O monge responsável ainda é o mesmo. Ele ligou pra mim e disse que a irmã do Touya estava aqui. O que foi bom, porque estávamos feito loucos procurando você pela cidade toda.

Ela enrubesceu. Não gostava de causar problemas, ainda mais quando não sabia como fazia aquilo.

Era raro, mas acontecia. Sakura lembrava de ter perdido a consciência algumas vezes quando morava em Enoshima com o pai e o irmão. Nessas ocasiões ela acordava em lugares que não recordava de ter ido. Aquilo parou por vários anos, mas agora, parecia ter acontecido novamente.

– Como eu vim parar aqui? – indagou constrangida.

– Um professor de sua escola te trouxe aqui, junto com uns alunos da sua turma. Explicou que vocês estavam tendo aulas de reforço, mas você acabou caindo no sono. Ele achou que você já tinha avisado a Touya que sairia à noite.

– Não, eu não avisei... Acho que esqueci.

Esfregou os olhos lentamente. “Alunos de sua turma”... Os irmãos Li. E a prima deles, Meiling. Agora ela lembrava, em fragmentos, o que havia acontecido naquela noite.

– Yukito-senpai... –sussurrou, trêmula. –Pode me levar pra casa?

– A gente tá aqui pra isso, sua monstrenga– Touya disse numa voz estremunhada de sono. – Ande, levante daí.

Kurogane os encontrou na varanda, saudando-os levemente num aceno de cabeça.

– A garota tem um sono pesado– comentou.

– Ela vira noites estudando– explicou Touya. – Nem parece, mas é uma aluna dedicada.

– Isso explica.

Ainda sonolenta, Sakura viu, oculta na penumbra, a figura de Meiling a lhe observar. Então Touya chamou-a; ela agradeceu a Kurogane e seguiu Yukito e o irmão.

Dentro do carro o silêncio era opressor. Yukito dirigia, enquanto Touya estava ao lado dele. No banco de trás, Sakura olhava a cidade passar pela janela.

– Lembra de alguma coisa? –Touya indagou de repente, fazendo-a erguer a cabeça. – De como chegou lá, ou de algo que tenha acontecido?

Ela lembrava, claro. Nunca esqueceria o que presenciou – a luta insana entre seus colegas de sala e aquelas pessoas desconhecidas – mas agora, olhando apenas para a parte de trás da cabeça do irmão, sozinha no banco de trás, sentia que tudo poderia muito bem ter sido um sonho.

Sabia que não havia sido. Mas não havia por que preocupar Touya ainda mais.

– Não –disse num murmúrio, e calou-se. Não era boa em mentir, e felizmente o irmão também não falou mais nada.


– Eu falo com ela– Syaoran estava irredutível.

Tsubasa riu, incrédulo.

– Sério, você? E o que exatamente vai dizer pra ela?

– Tudo o que ela quiser saber.

– Irmãozinho, se você não percebeu, a coisa é complicada demais pra...

– E daí? –Ele gritou, tirando o sorriso do rosto do irmão. –Eu posso não ser o cérebro da dupla, mas ainda posso fazer isso. Só fique de fora e deixe que eu falo com ela.

Tsubasa se ergueu do futon e olhou bem para o irmão. – Você ficou chateado porque o Phantom-kun te chamou de burro, e agora tá com ciúmes de mim, por isso não quer que eu chegue perto da Kinomoto-san?

Syaoran balançou a cabeça, inconformado.

– Achei que você entenderia– disse. – Sakura estava lá, sem que a gente soubesse. Tem ideia do perigo que ela passou?

– Sim, mas...

– Se alguma coisa acontecesse com ela, eu nunca ia me perdoar. Por isso, ela tem direito de saber o que quiser sobre essa noite.

Tsubasa calou-se. Observou em silencio o irmão se enrolar na coberta e deitar de costas para ele no futon adiante.

Todo aquele tempo, só esteve interessado em saber como Sakura tinha encontrado os dois sem eles sentirem sua presença. Claro, lhe passou pela cabeça que ela correu um grave perigo, mas aquilo não pareceu muito importante. Pelo menos, não tanto como para Syaoran.

Aquilo era estranho. Ele não amava Sakura então? Tudo bem que havia desistido dela, e agora havia Meiling, embora não fosse nada sério. Mas esquecer as prioridades tão rápido, como assim? Ainda se importava com Sakura, claro. Mas de repente, o modo que passou a enxergar a situação lhe pareceu tão frio que ele mesmo se surpreendeu.

No fim das contas, era Syaoran quem tinha que lidar com ela. Era ele quem realmente se importava com ela, quem realmente a amava.

– Tudo bem– disse por fim. –Só tome cuidado com o que vai falar. Tem coisas sobre o nosso mundo que ela não precisa saber.

– Ela vai saber tudo o que ela quiser– Syaoran respondeu, sem se mover.

Tsubasa assentiu e levantou-se. Foi dar uma volta pelo pátio do templo. Havia perdido o sono.

Encontrou Meiling no jardim, sentada nas pedras que o cercavam. Tocava nas flores mais próximas com cuidado, perdida em pensamentos. Parecia estar sem sono também.

– Noite cheia –ele comentou, sentando seu lado.

A garota não voltou-se para ele. – Vocês não perceberam. Eu não percebi. Aquela garota... O que tem nela afinal?

Ele suspirou. Era uma boa pergunta.

– Também não sei. –disse. – Ela é só uma humana, mas eu realmente não sei explicar o que houve. Syao-kun vai falar com ela amanhã, quem sabe ele não descobre alguma coisa.

– É, quem sabe.

Ela voltou-se para o rapaz. –Se machucou muito? Aquela mulher era mesmo habilidosa.

– Era, mas estou bem. Seja lá o que fizeram com a gente, nos curou bem rápido.

– Ainda bem. Fiquei com medo de não poder te ajudar.

Tsubasa encarou-a, confuso. –Me ajudar? Eu sei me virar, sabia?

– Claro que sabe.

Ela puxou-o devagar pela lapela da yukata. O beijo foi lento e suave, e havia algo nele que Tsubasa não sentiu nas outras vezes. Uma doçura estranha, uma ternura que não imaginou que pudesse vir da prima.

Por um instante temeu que, para ela, aquilo estivesse começando a ficar sério.

– Olha... –ele sussurrou, recuando sem perceber. –Eu não...

– Você tem aula amanhã– Meiling disse, levantando-se indiferente e caminhando na direção do quarto dela. –Vai dormir.

Ele ficou vendo-a se afastar, a brisa soprando nos cabelos longos. Cansado e confuso, resolveu obedecer a prima.


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Notas finais do capítulo

Caso dê vontade, comentem. Té mais.



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