A prayer for a robot escrita por Mimiya


Capítulo 1
Uma prece para um robô




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O século XXI se tornou uma promessa para a robótica, mas tal fato ainda não havia se concretizado inteiramente, ao menos na imagem mental dos cidadãos comuns das metrópoles.

Nyre era um robô fêmea que cumpria a promessa de avanço, no entanto, a lei maior dos governos a nível mundial não a permitia ser detectada pelo público. A obra de perfeição criada com empenho e dedicação dos humanos, fora, por incrível que pareça, uma secretária comum.

Ela trabalhava em uma empresa de grande porte na área eletromecânica, sob o comando de Galyei, o poderoso dono do aglomerado de empresas. Um homem conhecido por sua seriedade e impessoalidade, sempre pronto para vencer. Jamais foi próximo suficiente de pessoas ou situações, sempre as tratava como momentâneas e supérfluas.

Galyei denotava a soberania de sua família, a linhagem de homens capazes e talentosos, que possuíam o faro e o tom ideal para fechar negócios e fazer com que suas empresas prosperassem. Qualquer um que caminhasse pelas cidades grandes espalhadas pelo globo, se depararia com produtos que vinham diretamente das filiais sob o nome de Galyei e família.

O chefe era um mistério que ninguém se atrevera a desvendar, uma canção que mesmo tocada repetidas vezes não poderia ser traduzida. Era imprevisível e parecia estar sempre pronto para dar o tiro certo. Negócios fechados rapidamente, ou propostas trabalhadas durante meses sendo negada sem rancor ou hesitação, tal personalidade se tornara invejável.

O que poucos sabiam, mesmo dentro do ramo, era o desejo absoluto de controle que Galyei exercia sobre Nyre. Diferentemente de qualquer outra mulher, ela era sedutora, porém não tinha a mínima noção disso. Era bela e prestativa, não exigia nada em troca além dos bons costumes de trabalho. O intocável Galyei desceu ao chão ao vê-la.

Era digna demais para ser uma mulher comum e simples demais para ser da alta sociedade, ela simplesmente era. Fazia com que tudo à sua volta se reformulasse a uma velocidade impressionante. Para Nyre, não havia tempo ruim, trabalhar duas ou vinte e quatro horas pareciam não exercer poder sobre ela, pois os resultados se tornavam o ápice do empenho.

Galyei se fraglou observando aquela mulher constantemente. O que se tornou intrigante, pelo fato de Nyre passar até mesmo o horário de almoço trabalhando em algo em seu notebook todos os dias, não parecia sentir fome ou frio, era quase blindada. A pergunta que jamais se calara dentro da mente engenhosa de Galyei era simples e devastadora: como poderia uma moça tão jovem se empenhar tanto em seu trabalho ao ponto de priorizar a situação mais do que ela mesma? Era um enigma que ele estava disposto a desvendar.

Passou uma das mãos sobre os cabelos negros e suspirou. Nyre se encontrava sentada em sua mesa sem ao menos piscar. Parecia que a atenção da secretária sugava o ambiente em volta e somente ela existia. Era uma bela visão, porém confusa.

Aproximou-se a passos lentos da escrivaninha, notando que o olhar dela se direcionou a ele e seus belos olhos negros pareciam não enxergar nada do que havia além de Galyei.

_Chefe. – A voz de Nyre era bela, porém inesperada. Se o homem pudesse defini-la em uma palavra, seria gélida. Era como um iceberg se deslocando até ele.

_Nyre. – A mente de Galyei trabalhava arduamente para encontrar uma resposta lógica para se aproximar da secretária e ele não parecia obter sucesso. – Eu gostaria de saber se você já almoçou.

A moça pareceu refletir por uma fração de segundo e seus lábios formaram uma palavra, que, no entanto, não fora pronunciada. Ela encarou o notebook sobre sua mesa e tornou a olhar para Galyei.

_Não. – A palavra saiu lentamente.

Um meio sorriso se formou nos lábios do executivo e ele lançou um rápido olhar para o relógio de pulso.

_Se importa em me acompanhar então? – As outras secretárias presentes encararam o chefe e pareceram suspirar. Aquilo era o sonho de qualquer moça.

Nyre, por sua vez, apenas assentiu lentamente e se levantou, quase mecanicamente. Galyei buscou algo na expressão da moça, não havia alteração alguma. Se ele pudesse fazer uma comparação, seria a uma estátua de museu.

Caminharam a passos rápidos até o elevador e o adentraram. Havia mais alguns diretores no local e, inesperadamente, o olhar de todos se direcionaram a Nyre. Ela era um imã precioso que os atraia de uma forma perigosa. Galyei apenas sentiu uma pontada de ciúmes e conteve-se em apenas girar os olhos.

A porta foi aberta e todos saíram, o que não fora esperado naquele momento, já que os passos do chefe cessaram e ele se virou em direção à Nyre, notando que um dos homens a convidava para o almoço.

A moça apenas fez um gesto negativo com a cabeça e se aproximou de Galyei, que mantinha as mãos nos bolsos e a aguardava.

_Você é uma pessoa popular. – O tom saiu mais alto do que o esperado e ele pigarreou.

_Assim é, se lhe parece. – As palavras fluíam de Nyre como a uma onda no mar: tranquila, porém devastadora.

O caminho até o restaurante em frente ao prédio da empresa foi feito em silêncio. Qualquer frase naquele momento parecia inútil e ambos não se empenharam em dialogar.

Uma garçonete se aproximou de ambos e seu sorriso simpático se encarregou do resto. Sentaram-se em uma mesa próxima à rua e Galyei se preparou para fazer um pedido, quando notou a inexpressão no rosto de Nyre.

_Não irá fazer um pedido?

_Não preciso. – A voz parecia quase programada.

O olhar de Nyre percorreu o ambiente e ela se fixou na placa que exibia o símbolo do banheiro feminino. Encarou Galyei enquanto se levantava.

_Eu preciso ir ao toalete. – Seus passos lentos se encaminharam até o banheiro e ela parecia não ter noção da atenção que atraía. Todos pareciam estar fixos nela.

Nyre adentrou o toalete e encarou uma moça que passava o batom em frente ao espelho. Ela parecia nem ao menos ter notado a presença da moça, pois seus olhos nem ao menos se moveram.

A secretária deu mais uma rápida olhada para a entrada do toalete antes de fechar a porta e caminhar até a mulher que parecia estar submersa em seu próprio mundo.

Nyre abriu seu pulso e retirava um pequeno aparelho eletrônico que continha um frasco e uma agulha embutida.

_Me desculpe. – As palavras saíram lentamente enquanto a secretária apertava o aparelho contra o corpo da mulher e via sua vida esvair-se em sua frente.

X

Galyei encarou o relógio de pulso. Fazia exatamente dez minutos que Nyre fora até o toalete, porém ainda não havia retornado. Ele estava ao ponto de levantar quando notou a secretária caminhar até a mesa e se sentar, lançando um olhar enigmático para ele.

_Demorei muito? – Sua voz parecia ter mais firmeza e isso trouxe uma sensação estranha à Galyei.

_Não exatamente. – Pronunciou sem perceber.

Ela apenas assentiu e encarou o cardápio à sua frente.

Por algum motivo obscuro, o empresário não conseguiu desviar seus olhos de Nyre. Havia algo diferente nela. Era encantador, porém incomum. Notou que a maioria dos homens sentados próximo à mesa do casal, parecia encarar a moça com afinco, era quase como se estivessem hipnotizados. Era desconfortante, mas a simples presença de Nyre fora suficiente para que ele se esquecesse do que estava ao seu redor.

Apenas Galyei se alimentou, Nyre parecia estar submersa em um livro que trouxera consigo e apenas acompanhou o chefe por cortesia. Diferentemente do imaginado, ele se não importou. Não houve diálogo ou propostas, apenas o som dos talheres e das conversas a eles externa.

O almoço ocorreu relativamente tranquilo, como o esperado. Nyre pronunciou algumas palavras quando solicitada, no entanto, ainda parecia extrínseca.

Retornaram ao prédio empresarial em silêncio. Nyre o acompanhava um pouco atrasada em relação aos seus passos e ela ainda parecia perdida em seu livro. Galyei preferiu apenas sentir a companhia da moça ao invés de questioná-la.

Chegaram até o elevador e o chefe não pôde evitar fazer um comentário para a moça.

_Você é uma leitora assídua. – Ele notou o olhar de outras secretárias que pareciam se esforçar para chamar a atenção.

Nyre levantou a cabeça e seu olhar vazio encarou o homem. Sua mente se conectou a ele e ela fechou o livro, enquanto seus lábios se moviam lentamente.

_O senhor está se esforçando demais. – A frase foi dita com indiferença e Galyei sentiu um arrepio percorrer seu corpo. A moça parecia ter certeza do que falava.

_De certa forma sim, você é simplesmente... Intrigante. – Foi sua resposta final.

O elevador parou no penúltimo andar e ambos saíram, Nyre para sua mesa e o chefe para sua sala.

X

Galyei deixou seu corpo cair sobre a cadeira no escritório e soltou um longo suspiro. Nyre se mostrava cada vez mais indiferente e externa à presença dele, algo que jamais acontecera com outras pessoas.

Ele era como um corpo iluminado que seria enxergado a quilômetros de distância. No entanto, isso não parecia ser o suficiente para os olhos negros de Nyre.

O telefone tocou duas vezes em sua mesa antes dele se mover atendê-lo, preguiçosamente.

_Senhor Galyei, temos uma chamada internacional para o senhor, aparentemente é de uma agência de investigação. – A voz de Nyre foi rapidamente reconhecida e ele percebeu que seu tom não tinha emoção alguma.

_Entendi, pode me repassar. – Apesar de sua voz ter saído calmamente, em seu íntimo, milhares de questões se formavam a uma velocidade absurda. O que eles querem comigo?

Galyei ouviu um botão ser apertado e uma voz masculina preencheu o outro lado da linha.

_Olá, Senhor Galyei, eu sou Hilden, do SIR.

_SIR? – O chefe tentou se lembrar do que se referia aquela sigla, porém nenhuma ideia lhe veio à mente.

_Sistema Internacional de Robótica. – Ainda não houve reconhecimento.

_Entendi. – Galyei pigarreou antes de prosseguir. – E eu gostaria de saber o que este “sistema” deseja com minha empresa.

_Resumidamente, nós gostaríamos de alertá-lo de uma possível violação de um de seus subordinados. – O homem fez uma pausa, aparentemente lendo algo. – Existe dentro de sua empresa, atualmente, um robô com Inteligência Artificial, porém, neste momento, ele se encontra fora de controle e nossas ordens são claras para uma eliminação.

Galyei sentiu uma pontada em sua cabeça enquanto tentava absorver as palavras do representante. Um robô? Em minha empresa? Isto só pode ser uma piada.

_Peço que me perdoe pela ousadia, no entanto, essa ideia parece ser inconcebível e paranoica. – Ele soltou um riso forçado. – Não brinque comigo, isso não é o tipo de piada para se contar a um executivo.

_Não estou brincando. – Não houve alteração de tom no outro lado da linha. – Fica a seu mérito aceitar ou não os fatos, pois nossas medidas de prevenção serão aplicadas com ou sem o seu consentimento. Nós temos carta branca dos órgãos internacionais, espero que esteja ciente disso.

O empresário refletiu por um momento e, apesar do rumo da conversa, a curiosidade começou a surgir em seus pensamentos. E se isso apresentar algum perigo para meus negócios?

_Vamos supor que eu aceite o que está sendo proposto. – Galyei escolheu as palavras cuidadosamente. – Quem é o robô e o que ele está fazendo?

_Bem, vou exemplificar: um robô com Inteligência Artificial foi criado no início deste ano e o objetivo do governo foi aplicá-lo em um meio social para que ele pudesse ser estudado e analisado friamente por nossos especialistas. No entanto, alguns crimes incomuns começaram a acontecer.

_Crimes? De que espécie? – Sua curiosidade aumentava a cada segundo.

_Os RIA, como costumamos chamá-los, possuem um sistema automatizado que requer o calor humano como fonte de energia. – O homem fez uma pausa. – Eu entendo o quão estranho isso possa parecer, porém este se tornou o modo mais eficiente de gerar energia e recuperá-la.

_Sim, prossiga.

_O problema é que alguns robôs simplesmente ficaram fora de controle. Quero dizer, o calor humano em grande quantidade pode gerar uma espécie de “aumento de atributos”, no qual o robô tem mais facilidade de absorver o que está à sua volta e agir racionalmente. Mas esse calor em excesso, cria uma espécie de magnetismo. Simplificando: o cheiro que é exalado após a passagem dessa energia para o protótipo, faz com que eles atraiam qualquer pessoa que está em torno deles.

Galyei refletiu por um momento. Todos estavam encarando Nyre no restaurante... Não, isso não é possível.

_A parte mais extrema dos fatos é o “doador”. Imagine um corpo que produz calor próprio e depende dele, e, no momento seguinte, toda essa energia quente é retirada dele abruptamente. O que aconteceria?

_A pessoa morreria?

_Exatamente. – O homem suspirou antes de continuar. – É como jogar um humano nu na Antártida e esperar que ele sobreviva. É lógicamente impossível. Então, Senhor Galyei, você é capaz de compreender a gravidade do problema?

_Claramente. – As palavras saíram automaticamente. – O que quer que eu faça?

_O senhor já parece ter compreendido quem é o RIA inserido em sua empresa, estou certo?

_Sim. – Havia um gosto amargo em sua boca.

_Atraía ela para um encontro e nós teremos as coordenadas, iremos desativá-la. – A frase soou como uma ordem.

_Quando diz desativar, quer dizer o quê?

_Você já possui um rastreador, dois homens serão enviados para a eliminação.

A pergunta de Galyei fora ignorada e ele sentiu raiva. Porém, ao ouvir a palavra eliminação, uma sensação gélida se apossou de seu interior. Nyre iria desaparecer?

O telefone fora desligado e o empresário se levantou rapidamente. Ele não tinha a mínima ideia de como proceder.

Em um impulso, saiu de seu escritório e caminhou até a mesa de Nyre, ela ainda estava concentrada em seu notebook. Ela é mesmo um robô? Será que sentirá dor quando morrer?

_Nyre, venha comigo. – O tom foi de ordem e Nyre se levantou mecanicamente, chamando a atenção das outras secretárias.

Desceram pelo elevador rapidamente e saíram da empresa, indo até o carro de Galyei estacionado próximo ao local.

Nyre não questionou a ordem de seu chefe e apenas se sentou no banco de passageiro, encarando algo além da paisagem. Algo que ninguém era capaz de ver.

Galyei não sabia aonde ir ou o que fazer. Simplesmente dirigia.

A vista da cidade começara a desaparecer e ele notou que se aproximava da ponte fronteiriça. Dirigiu mais alguns metros e parou o carro, percebendo que estava sendo seguido por outro.

Desceu e observou em volta. O mar se estendia no horizonte e o sol brilhava forte. Nyre descera do carro e se posicionou ao seu lado.

O que será que Nyre sentirá quando desaparecer?

Um som estridente fora ouvido e Galyei somente pôde observar uma parte da meia calça de Nyre ser levada para longe, junto com algumas peças de... Metal?

Seus olhos se fixaram em uma dupla que se aproximava. Estavam armados. Nyre começara a correr rapidamente. Parecia desesperada.

Os dois homens começaram a correr e passaram por Galyei em um impulso de fúria.

_Você a deixou escapar? – A pergunta fora dirigida ao empresário e ele não teve reação.

_Deixei...? – Um nó se formou em sua garganta e ele começou a correr junto com os rapazes.

_Nyre, espere! – Gritou, porém não desejara o fazer.

_Essa vadia corre como uma raposa. – Um dos homens pronunciou, chamando a atenção de Galyei.

_Não precisa xingá-la, Dramian. – O outro sorriu.

_Eu não pude evitar Braus. – Dramian sorriu.

Correram ainda mais rápido, porém Nyre era um robô incansável. Um robô.

Galyei estava perdendo o fôlego, não poderia alcançá-la. Jamais alcançaria.

Em um movimento rápido, Nyre pulou o enorme muro que separava a ponte do mar e equilibrou-se na beirada do local.

Os três homens pararam, exaustos.

_Pare aí, robozinho. – O tom de Dramian era de puro sarcasmo e uma sensação amarga se formou novamente na boca de Galyei.

A arma fora erguida em direção à Nyre. O coração de Galyei, à boca.

Era isso. Ela iria desaparecer.

_Você matou várias pessoas, RIA. – Braus sorriu. – Você provavelmente não sabe o que é isso, mas se tivesse uma alma, queimaria no inferno.

Se tivesse uma alma, repetiu Galyei mentalmente. Nyre não era humana, não era capaz de amar ou sentir algo.

O som da arma sendo disparada várias vezes fez com que o empresário fechasse os olhos, num misto de horror e surpresa.

Galyei correu o suficiente para ver o corpo de Nyre cair no mar.

A queda pareceu durar uma eternidade. Ela o encarava com sua expressão vazia.

O que Nyre sentira naquele momento?

Um robô que roubou o coração de um homem. Isso era o preço dos pecados humanos?

Vê-la morrer parecia um mártir.

Naquele instante, Galyei esperou qualquer coisa. Um suspiro de alivio ou uma lágrima de tristeza. Não houve nada.

Não havia lágrimas ou suspiros. Não era um humano caindo, somente um robô.

E depois, o silêncio que trazia paz, mas não justiça.


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Notas finais do capítulo

Bom gente, eu não tinha a mínima ideia de como reproduzir a lenda japonesa, então eu acabei modificando MUITOS aspectos da história, mas espero que o objetivo final tenha sido atingido. Particularmente, gostei do resultado.
Até a próxima, adorei o desafio!



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