Sem um porquê escrita por Tia Cárie


Capítulo 1
Mãe, não


Notas iniciais do capítulo

Pode ser uma coisa bem simples, mas a Sobrinha Nat gostou



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Antes de tudo, quero que tenham em mente que eu nunca quis sair com um garoto, diferente da maioria das garotas e alguns moleques da escola, foi tudo parte da aposta. E ela sabia disso.

Enfim, meu nome é Ruri, 16 anos, moro com meus pais em um lugar que não é necessário que vocês saibam qual é. Vários furos na orelha e piercings, undercut, cabelo verde-água e toda aquela coisa que meus pais conhecem como “estilo adolescente revoltado, você não era assim”. Minha melhor amiga (única), Miiko, é um ano mais nova, só que como nasceu no começo do ano conseguiu entrar na mesma turma que eu (infelizmente). Cabelos platinados com pontas vermelhas (hoje em dia vivemos em uma sociedade na qual as velhas não querem cabelos brancos, mas as adolescentes querem), olhos verde-água (tão lindos) e uma personalidade um pouco irritante e pegajosa. Sem falar que é ciumenta pra caralho. Se vocês pensam que por eu ser a “adolescente revoltada” da situação sou violenta, vocês estão errados. Ela quem é.

A aposta era muito idiota, mas é isso o que acontece quando te desafiam a fazer alguma coisa e você quer muito o “prêmio”. Ok, eu tinha que ser delicada por uma semana: ser uma garota perfeita, adorável e amável, tirar meus brincos e andar como uma pessoa normal. Cara, isso não é tão fácil quanto parece. Que tipo de pessoa consegue comer pizza de garfo e faca? No último dia, eu deveria sair com alguém, e foi nesse dia que quase fiquei sozinha de novo. Pelo menos ganhei a aposta, de que a dedo-duro da escola não falaria mais nada da Miiko pra diretora (se minha mãe soubesse de algo, nunca mais deixava ela chegar perto de mim).

Voltando, no dia-de-sair-com-alguém, avisei pra Miiko não me esperar pra voltar pra casa. Ela, grudenta como sempre, esperou e viu: a amiga dela com um sorriso falso no rosto conversando com um garoto. Sabia sobre o que estava acontecendo, mas mesmo assim quando nos viu andando de mãos dadas pela rua, literalmente pulou em cima do guri, derrubando-o e quase me levando junto.

– Que merda é essa? – disse sentada no moleque e me fitando. Estava me dando um pouco de medo.

– Eu que pergunto! – estendi minha mão para ajudá-la a levantar. – Você sabia que eu tinha que sair hoje! É o último dia, lembra? – ela levantou, quase me puxando para o chão e ficou na ponta dos pés pra ficar na altura dos meus olhos.

– Você me larga a semana inteira na escola e agora não volta mais pra casa comigo, é isso? Não quer mais ser minha amiga? Não me ama mais? Ok. – se virou e saiu andando a passos pesados, assim como minha irmã quando acorda de mau humor. Tentei chamá-la, mas quando essa garota fica irritada, nada dá certo. Então prometi a mim mesma que iria visitá-la, levar os cookies da minha mãe e pedir desculpas.

E fui. Ela não estava em casa nem sábado, nem domingo e acabei comendo os biscoitos assistindo filmes do Makoto Shinkai. Deu no que deu, só nos vimos na segunda. Fiquei esperando ela no lugar onde sempre nos encontrávamos para ir a escola, o mesmo em que nos separávamos voltando dela. Quando Miiko me viu, abriu um sorriso daqueles de criança que ganhou o presente de Natal que queria e saiu correndo para me abraçar.

– Hoje eu quero almoçar pizza. – disse quando me largou.

– Pizza na segunda-feira? – ri, acho que até demais. – Você quem vai pagar. – e olhou pra mim com aquela cara de “mas a culpa é sua” e acabei cedendo. – Tá, tá, eu pago.

Por um tempo andamos em silêncio, ela saltitando e eu brincando de não pisar nas rachaduras da calçada. Então, para quebrar o silêncio, comentei, como se não fosse nada:

– Sábado e domingo fui até sua casa com cookies e você não estava lá. Olha que horror, tive que comer tudo sozinha.

Ela me encarou com cara de quem ia me matar lenta e dolorosamente.

– Você disse que comeu os cookies.

– Meus cookies.

Fiz que sim de novo.

– Você vai mandar sua mãe fazer mais, não vai? – e deu aquele olhar mortal.

– V-Vou sim, como não iria? – sorri nervosamente.

Miiko sorriu como se nada tivesse acontecido e continuou andando falando sobre coisas inúteis.

///

A semana seguiu normalmente: Miiko não me largando, me cobrando os cookies, me dando as tarefas copiadas dos cadernos roubados para copiar, conseguindo dinheiro pro nosso lanche, desafiando as putas da escola e eu tendo que ajudá-la, etc... Até sexta-feira. Nos encontramos no lugar de sempre para ir estudar e aquela menina não conseguia parar de rir. Na escola, conseguiu o último pedaço de pizza de chocolate de uma garota que acabou de entrar no colegial. Deveria estar feliz pra se arriscar assim, tipo, a maioria das gurias do primeiro ano são mimadinhas que contam pros pais o que acontece na escola. Se Miiko tivesse sorte, poderia não ser uma delas, mas nunca se sabe. No final da aula estava saltitante novamente. Não aguentei e acabei perguntando o que ela tinha.

– Sei lá, só estou feliz.

Eu sabia! Quando ela está feliz, o que fazemos sempre é sair correndo e berrando pelas ruas. E não foi diferente dessa vez. Ao chegarmos no local onde sempre nos despedíamos, ela continuou correndo.

– Uh... Miiko, não é aqui que você vira? – perguntei parando um minuto pra respirar.

– Hoje não! – gritou já da esquina.

– TU NÃO VAI ME ESPERAR NÃO, SUA PESTE?

– NÃO! – e virou a esquina.

Demorei um tempo ainda até voltar a correr, sabia que não alcançaria ela. Na rua de casa notei algo diferente: Miiko conversava com a minha mãe. Elas me viram e acenaram, como se isso fosse normal. Ver as duas conversando nunca era coisa boa.

– Ah, filha, hoje sua amiga vai jantar aqui! – piscou pra Miiko. Mãe, você não presta pra isso. Eu percebi.

– Você podia fazer cookies pra ela também.

– Ah sim, amanhã ela me ajuda a fazer, quem sabe aprende, não é?

– Como assim amanhã?

Mamãe olhou para Miiko, que falou:

– Eu vou morar aqui a partir de hoje, minhas coisas já estão ai. – e sorriu, aquele sorriso lindo, de dentes alinhados.

Fiquei atônita. Como. Assim.

– Mãe...

– Ah, filha, pensei que fazer uma surpresa seria legal. – as duas trocaram um toque.

Olhei para a pessoa que me criou com olhar do tipo: ela vai tentar me estuprar.

– Não se preocupe! Se ela quiser trocar a cor do quarto, pintamos só a parte dela. – Mãe, como você confunde um olhar de “ela vai me estuprar” com um de “ela vai querer trocar a cor do meu quarto”? – Venham, vocês têm que arrumar o quarto ainda.


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Notas finais do capítulo

Undercut é um corte de cabelo, caso não saibamMakoto Shinkai é um diretor de filmes anime japonês (filmes de quebrar o coração)



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