As Crônicas do Poente escrita por The ringer elf


Capítulo 5
Carel




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Seu corpo todo doía, todos os seus músculos e juntas latejavam e suor escorria- lhe pelo rosto. Tinha de continuar, já atingira a quantidade de horas que havia treinado no dia anterior, hoje tinha de lutar mais ainda.

Ergueu a espada e atingiu a do outro, com um estalido metálico. Sir Apyllon afastou- se de si, apoiando a mão direita no chão de terra batida.

Ele voltará a atacar pelo flanco direito. Já havia observado o modo de lutar de Sir Apyllon, seu tutor, e descobrira que seu primeiro ataque sempre direcionava-se à direita.

E assim foi. Carel só pôde distinguir o turvo borrão dourado, que era a lâmina de Sir Apyllon movendo-se na direção de sua direita. Girou e contra-atacou, atingindo-o nas costelas esquerdas. Ouviu o som produzido pelo chacoalhar violento da cota de malha do adversário; Sir Apyllon nunca despia a cota de malha. O outro tentou recuperar o equilíbrio, mas caiu de joelhos na areia quente, levantando fumaça.

– Esta foi ótima, filho. – disse; era estranho ouví-lo chamar Carel assim, Sir Apyllon não era muito mais velho que ele. – Mas, não foi melhor do que essa!

Pulou sobre Carel, jogando-o no chão. O rapaz entendeu que era uma brincadeira e pôs a rolar-se com ele. Os dois riram, mas, posteriormente, as dores de Carel o atormentaram. Sentia-se feliz, tinha conseguido permanecer lutando. O pai teria ficado orgulhoso. Que os deuses o tenham. O pai de Carel era Vitorion, Lord de Lago Cristal e havia enviado seu filho mais velho para servir Sir Apyllon, o Dourado, como escudeiro. Agora está morto, pensou Carel, e rezo para que minha mãe esteja viva. Não havia recebido mensagem alguma desde a morte do pai.

Tinha também um irmão, William , Wynni ... Wyllin, isso. Seu nome é Wyllin. Era só um bebezinho no colo da mãe quando abandonei Lago Cristal. Quase não me lembro dele.

Um profundo som ribombou no céu, seguido por um clarão intenso.

– Vamos entrar, Carel. Deixemos o treino com o arco e flecha para amanhã. – disse Sir Apyllon, fitando o céu. – Parece que os deuses estão irados.

Um trovão repentino fez de sua declaração sombria e assustadora.

A casa de Sir Apyllon era uma confortável cabana de madeira resistente, grande e aconchegante. Lá moravam o próprio Carel, Sygrid ( filha de Apyllon ), sua irmãzinha mais jovem ( um bebê, de quatro anos), Lyzia, Sir Apyllon, o pai da família e a esposa dele, Karo ... Carel não podia pensar em Karo; não queria. A terrível verdade era que haviam transado enquanto Sir Apyllon estava na Batalha de Cormma e as meninas dormiam.

Ela era tão ... linda e sensual. Aqueles cabelos vermelhos que lhe caiam sobre os ombros brancos, a tez clara e as bochechas salientes e rosadas, devia ter uns 28 anos, Carel tinha 19.

Havia sido arrebatado por sua beleza e sensualidade, ficado excitado. Mas, era errado deseja-la, sabia disso. Sir Apyllon havia sido bom e gentil para ele, havia ensinado-lhe grande parte do que sabia a respeito das questões da vida e da honra e tudo o que sabia sobre a guerra. Era tão cruel amar a mulher dele, tão mau para com ele. Traição. Porém, nada disso foi suficientemente conclusivo para impedí-lo de dormir com Karo, na décima noite após a partida de Sir Apyllon para a batalha na Terra Disputada de Cormma; era um famoso cavaleiro e um grande lord mortiense havia-lhe prometido muito ouro caso participasse da guerra do lado mortiense. Morts era a região, que por direito deveria possuir Fosso Cormma e suas minas de ouro, portanto, Sir Apyllon achou honesto lutar por ela.

Somente os deuses sabiam o quanto havia sido difícil para Carel resistir ao impulso de beijá-la, confortá-la e abraça-la à noite, depois do amor. Conseguiu fazê-lo até à décima noite após a partida de Sir Apyllon; nessa noite em especial Lyzia e Sygrid haviam ido dormir mais cedo e Karo ficou só no quarto que dividia com o marido. A noite estava clara e estrelada, Carel pensara que pudesse treinar com a clava na clareira ao norte da cabana. Sabia também que Sir Apyllon guardava-a em seu quarto e lá entrou a fim de pegar a arma. Em vez disso encontrou Karo, nua como no dia de seu nome, deitada na cama de seu senhor. Estava chorando. O coração de Carel deu um salto.

– Não quero que você chore. – havia dito e não soube por quê.

Ele sentara-se ao seu lado na cama e a abraçara, ela protestara baixinho, mas, no fim, entregou-se a ele; fez dele um homem.

Quando a aurora chegou, Carel já estava acordado e sentia-se o pior dos traidores; não conseguira parar de pensar em Sir Apyllon e no que ele e Karo haviam feito.

Quando ela acordou, a primeira coisa que fez foi esbofeteá-lo e dizer, com uma raiva contida:

– Nunca fizemos isto. Saia daqui e jamais conte a ele.

E Carel saíra, atrapalhado e chorando, se pela rejeição de Karo, pela traição que havia cometido ou por ambas não saberia responder.

Mas, havia obrigado a si mesmo a cumprir a promessa ordenada por sua amante: esqueceu do ocorrido, jamais acontecera. Evitou Karo desde então. Contudo, sempre sentia um aperto no peito quando Sir Apyllon beijava a esposa. Odeio-me. Sou um traidor e meu pai jamais se orgulharia de mim.

Sentou-se o mais longe que pôde de Karo na grande mesa de madeira em que eram servidas as refeições da família. Escolheu o assento ao lado de Sygrid. Gostava dela, era uma menina doce e tímida de 15 anos. Eu poderia amá-la e não a mãe. Os deuses teriam sido muito mais gentis se me tivessem feito amá-la. É bela e gentil.

Mas, os deuses não eram gentis e Carel achava Karo muito mais atraente. Ainda amo-a, aquela rameira. Tinha de esquecê-la, tinha de odiá-la ...

Lyzia, como sempre, lembrou a todos de agradecer aos deuses pela fartura da mesa. Apesar de só ter quatro anos, amava muito os deuses. Quando ela crescer, não os amará tanto assim, pensou Carel antes de fechar os olhos em oração. Depois de terminado o jantar, Karo lançou-lhe um olhar frio e retirou-se. Carel corou.

Odeio-me.

Lyzia agarrou seu braço, enquanto levantava-se para ir para seu quarto. Disse, com sua voz doce de passarinho:

– Boa noite, Carel. – e corou quando Carel retribuiu o cumprimento e a beijou no bochecha.

Apyllon, tendo observado tudo, riu.

– Parece que Lyzia realizou seu grande sonho. Foi beijada por você, embora na parte errada do rosto. – Sygrid gargalhou e Lyzia pôs-se a esmurrar o peito do pai com punhos fracos e pequenos.

Carel conseguiu rir rigidamente e dizer:

– Boa noite, my lord. Boa noite, Sygrid. – não esperou pela resposta e correu para seu quarto. Não tinha coragem de encará-lo, agora que a lembrança daquela maldita doce noite havia assaltado sua memória novamente.

Fechou a porta com certa violência e lançou-se na cama de palha. Fechou os olhos e tentou dormir. Dormiu e sonhou um sonho negro.

Nele, via um vulto alto e escuro vestindo a armadura dourada de Sir Apyllon, trazia no colo um vulto menor, tão branco quanto uma nuvem de céu de verão,sangue escorria do peito do vulto em seus braços; alguém gritou, uma mulher; o sangue do ferimento da mancha branca nos braços do vulto maior alcançou um fluxo mais intenso até se tornar uma cachoeira, tornando-se branco ,água.

Tudo virou névoa cinzenta e um silêncio mortal tomou conta de uma floresta fria; de entre os arbusto surgiu um vulto pequeno, envolto em um manto verde esvoaçante, corria, assustado, de algo que o perseguia; essa coisa Carel não pôde ver, mas sabia que era algo maligno e não-humano; a mancha envolta pelo manto verde de lã corria cada vez mais rápido, mais rápido e mais rápido, a coisa em seu encalço a perseguindo.

Fuja, corra.

De repente, já não era mais uma floresta e sim um rio, fluindo em negrume gelado. O corpo de um garoto, vestido com um manto verde - aparentemente o mesmo vulto que havia visto correr um momento antes – fluía em sua correnteza, morto, com o sangue do corte na garganta a espalhar-se pela água escura. Uma dor excruciante tomou conta de Carel, sem que ele entendesse o porque. Então, o menino abriu os olhos e estes choravam sangue. Eram terríveis de se contemplar.

Ouviu um lobo uivar e um fogo poderoso rugir; uma mulher ( diferente da primeira ) gritava alucinadamente, soluçando e fungando. Finalmente, viu uma sombra feminina, com curvas sensuais e uma cascata de cabelos de ouro a alcançar-lhe a cintura; sombras dançavam a sua volta, elásticas e terríveis.

Ao fundo, o mais assustador de tudo, Carel visualizava um grande olho, vermelho como chama, carregado de malícia e poder. A visão era tão cruel que Carel chorou e o choro o afogou em um oceano de sangue.

Acordou, transpirando e gritando. Olhou pela janela e viu o sol nascente. A aurora havia chegado.


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