As Crônicas do Poente escrita por The ringer elf


Capítulo 2
Catyrinna




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– Por favor,deuses,protejam meu filhinho. - orou,ajoelhada sobre as mantas de seu leito improvisado,em uma das tendas do acampamento. - Não permitam que nada de mal alcançe-o,não permitam que ele sofra e que ele morra.

Por favor.

Suzann,sua aia de cabelos azuis,entrou na tenda:

– Com sua licença,my lady.– disse suavemente.

Não a tem,quis respondê-la Catyrinna,mas manteve-se em silêncio,conseguindo menear a cabeça rigidamente.A garota tomou aquilo como positividade e acrescentou cuidadosamente mais lençóis à já espessa pilha que havia.

Enquanto observava-a preparar sua cama,Catyrinna pôde também perceber a beleza de seus cabelos azuis à luz das velas.A mãe de Suzann jurava que a garota já havia nascido daquela maneira:com tufos azuis sobre a cabeça e olhos de um cintilante tom dourado.Levei-a aos templos e todos os Sacerdotes abençoaram-na ,atestando que nada havia de mal em sua diferente cor de cabelos e olhos,dizia a lavadeira,depois carreguei o bebê para as bandas do Norte,para um curandeiro que diziam ter poder sobre a Erudição e a Magia e ele alegou que não havia nada de errado com sua "ginética".Ela nasceu assim,que posso eu fazer?

Catyrinna sempre duvidara que a mulher havia contado toda a verdade acerca do vidente que consultara no Norte.O que teria ele a atestar sob o ponto de vista da Magia?Não era comum que donzelas nascessem com cabelos azuis e olhos dourados.Nem mesmo elfas nascem assim,pensou.Sua velha tola,elfas não existem e jamais existiram.Não seja criança quando a infância já lhe passou há muito.

Quando a aia virou o rosto para si,a luz dourada de seus olhos bruxuleou,quase negros,à luz das velas.Parecia sobrenaturalmente bela.Um arrepio assaltou Catyrinna e ela afastou o olhar,confusa.

– Há algo de errado,my lady?– perguntou a menina,ajeitando os cabelos azuis,bagunçados pelo esforço de arrumar a cama de sua senhora.

Odeio você,quando não fez nada diretamente a mim.Perdi meu marido e meu filho está longe.Os deuses provavelmente vêem-me como a criatura mais cruel que já respirou,por odiá-la.Não,está tudo ótimo comigo.

Não há nada de errado,menina. - respondeu,mais rispidamente que teria desejado. - Obrigada.Pode ir.

A garota fez uma desajeitada mesura e retirou-se,um tanto magoada.Oh,que os deuses sejam capazes de desculpar-me.Não consigo amar esta garota,não pelo que representa seu nascimento.Mas seu marido,Vitorion,pedira-lhe,em sua última carta,que protejesse a garota,tomando-a como sua aia e o amor por seu senhor obrigara-a a fazê-lo.Porém,não posso amá-la.Não consigo.Oh,deuses,não consigo.

Tentou afastar as preocupações da mente e deitou-se sobre suas mantas macias.Confortáveis,mas não tanto quanto seriam sobre um colchão.Virou-se,irrequieta,e pensou em Willyn.

À essa altura já deve estar no Grande Salão do Castelo Vermelho em Floresta Rubra,pensou de olhos fechados,durma bem,anjinho.Deverá chegar a Snowvalle dentro de mais dez dias.Brecca concordou em recebê-lo e lá ele estará seguro.

Relembrou o dia em que Willyn fora-se.Acordara-o pessoalmente e dera-lhe o broche que seu pai,Vitorion,usara e amara:uma prateada peça em forma de cisne.Só os deuses sabiam o quanto custou-lhe ficar parada enquanto lutavam para colocar seu filho no cavalinho branco,mordendo e clamando por ela.

Serrara o punho com tal força que as unhas atravessaram-lhe a palma das mãos e o sangue escorrera.Depois,pouco antes de partirmos também,fui à cabana que Vitorion construíra sozinho quando criança às margens do Lago Cristal e chorara como uma menina tão jovem quanto Willyn.

Oh,Vitorion,oh...

O tempo de lágrimas terminara,contudo.Agora devo ser tão forte como uma Crosswater de Gargantas d'Água e tão dura quanto um Cristallo de Lago Cristal.

Um vento frio entrou pela abertura da tenda,apagando algumas velas e trazendo Catyrinna de volta ao agora.O quarto ficou duas vezes mais escuro e Catyrinna sentou-se,em um movimento assustado.

Um vulto humano apareceu na entrada escura de sua tenda,com brilhantes olhos vermelhos.

– Quem está aí? - gritou,apreensiva.

A sombra humanóide caminhou em sua direção,vagarosa e assustadoramente.Aço azul brilhava em sua imensa mão.

Catyrinna sobressaltou-se para o pequeno móvel de madeira em que guardara um punhal.Segurou a arma com ambas as mãos e gritou:

– Vá embora!Socorro!Olório! - Olório era o homem que devia estar guardando sua tenda.

O outro avançou demoradamente,erguendo sua faca de aço frio e afiado.

Com um coaxo de pavor,Catyrinna percebeu que aquele era Olório.Ou tinha sido.O rosto comprido e o corpo esguio permaneciam os mesmos,mas seus olhos ardiam como duas fogueiras e sua pele estava seca e cinzenta.Havia uma abertura em seu ventre,da qual pendiam entranhas sangrentas.

Catyrinna recuou e gritou o mais alto

que pôde,mas ninguém veio socorrê-la.O monstro que fora Olório agarrou-a,porém ela libertou-se de suas frias mãos,em um movimento violento.

Cambaleou até o fundo da tenda e tentou rasgar a seda com sua faca,mas a criatura voltou a agarra-lá, e dessa vez,em um golpe rápido,rasgou grande parte de seu braço com a lâmina de sua faca.Ela gritou.Queimava como gelo e o sangue parecia chumbo pesado a escorrer-lhe pelas mangas da camisola.

Oh,Vitorion,já o verei.

Não,tenho de lutar por meu filho.Não morrerei hoje.

Conseguiu libertar-se dos fortes braços do morto-vivo e,ignorando a dor,cravou a faca em sua cabeça,empurrando-a com toda a força e toda a raiva que possuía dentro de si.Morra,morra,morra.

O morto cambaleou e caiu sobre um pedestal em que queimava uma grossa vela,sobrevivente ao apagamento do vento gelado que invadira o recinto.

Catyrinna correu em direção à abertura do ambiente...mas,a besta levantou-se velozmente e puxou-lhe fortemente os longos cabelos.Gritou de dor novamente.Lágrimas escorriam por seu rosto.Virou-se e golpeou com o punhal a mão que oprimia-a,decepando-a.

A mão caiu no chão atapetado e continuou a mexer-se,com uma poça de sangue aumentando sob si.

Enojada,Catyrinna jogou-se ao chão,a tempo de escapar do fogo que iniciara-se com o derrubamento da vela.Sua tenda inteira ardia e ela encolheu-se,ainda segurando a faca.

Por sorte, o fogo alcançou monstro antes que este alcançasse-a.Olório contorceu-se e urrou,enquanto as chamas consumiam-no.

A cabeça de Catyrinna girava e ela ouvia,como um som infinitamente distante,homens gritando.Mãos fortes pegaram-na e ela pensou:não.Afaste-se.

Mas,não tinha forças para lutar.Estou tão exausta.pensou em Willyn e Vitorion e tudo escureceu-se.


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