As Crônicas do Poente escrita por The ringer elf


Capítulo 1
Cebra




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A estagalem fervilhava.Em ambos os sentidos:o calor imperava,o calor humano e aquele produzido pelos petiscos e lamparinas quentes e também dezenas de pessoas entravam,saíam e subiam;algumas dirigiam-se a seus quartos de dormir,outras às latrinas,havia quem fosse embora e assim permanecesse e quem retornasse depois (com mais amigos em seu encalço).

Cebra não deixava-se iludir pelo aspecto vulgar da Sala Comum da estalagem "Pó Dourado",cuja placa ostentava um corno de cerveja dourada,da qual emanava areia também dourada.Sabia que ali não eram vendidas apenas refeições e hospitalidade,sabia da Sala Secreta do local e dos objetos que lá eram vendidos.

Puxou para trás o capuz do escuro manto de veludo,deixando o belo rosto à mostra e caminhou com obstinação e graça até o comprido balcão de madeira no fundo da Sala Comum.Dirigiu-se a um gordo e peludo homem,que limpava taças com um quadrado de tecido amarelado,atrás do balcão.

- Boa noite - cumprimentou,cordialmente.

- Boa noite - concedeu rudemente o gordo homem.

- Apreciaria uma taça de vinho negro. - estendeu uma mão enluvada,depositando uma Moeda de Mago dourada sobre o rachado balcão.

Por mais rústico que parecesse,o homem peludo rapidamente compreendeu suas intenções:

- O vinho negro é uma cortesia da casa.Acompanhe-me - lançou longe o pano amarelo e atravessou a Sala,com A Rainha Cebra atrás de si.

Um bêbado qualquer perguntou quanto Cebra cobrava por uma noite de amor e ela sentiu-se tentada a explodir-lhe a cabeça vazia,mas não seria sensato revelar-se trevruxa naquele momento,além de que quanto mais feitiços conjurasse,mais esvaieceria-se sua juventude;portanto,resolveu ignorá-lo.

O gordo estalajadeiro parou em frente à uma parede de pedra marrom,em um canto obscuro da estalagem.Pronunciou uma Palavra Mágica qualquer e da rocha da parede surgiu uma caixa de madeira simples,da qual mãos enormes retiraram uma taça prateada,cravejada de rubis e granadas vermelhos,entregando-a à Cebra.Havia um líquido escuro no interior do cálice,o vinho negro,ou,vinho de bruxo.Cebra provou um pouco;delicioso,pensou.

A mão do peludo balconista atravessou a parede sólida,abrindo uma porta, e ele fez um grosso gesto,solicitando a entrada da Rainha.

- Obrigada - falou Cebra,com modéstia,erguendo a taça prateada.

Entrou no aposento.Tratava-se de um quarto pequeno e muito bem iluminado por um imenso lustre de cristal e um potente fogo a rugir em uma também imensa lareira.Havia uma dúzia de estantes de madeira de carvalho escura,repletas de poções,livros antigos,joias,objetos de bronze,ouro e prata;as paredes,de pedra cinzenta,eram adornadas com escudos,bandeiras coloridas e pinturas vibrantes;no chão,havia um redondo e belo tapete vermelho e dourado,que englobava praticamente toda a sala.

A Sala Secreta.

No centro do recinto,sentado em uma bela cadeira de madeira escura,forrada com almofadas macias,de um vermelho vivo,encontrava-se um pequenino menino:O Comerciante.Não o comerciante de nabos,maçãs,joias ou mesmo vinho;apenas O Comerciante de magia,pensou Cebra,este garoto é o maior e mais poderoso comerciante de itens mágicos e,provavelmente,dono também de milhares de estalagens como essa.

Haviam avisado-na de que ele não era criança alguma e,muito menos,inocente.Era tão antigo quanto o próprio comércio de itens mágicos,diziam em uníssono,não deixe-se enganar por sua aparência frágil.Era um trevruxo e um dos piores.

Por sorte,eu também sou.

O menino que não era menino nada falou até que Cebra sentou-se em uma cadeira (mais simples) em frente à sua.

Mas,parece uma criança,tinha de admitir:as perninhas pendiam da cadeira,grande demais para ele,os cabelos loiros eram muito encaracolados e a pele,branca e imaculada,suas bochechas eram rosadas como a aurora e suas

mãozinhas uniam-se sob à altura do peito;vestia roupas brancas e largas e em seu indicador esquerdo pulsava a luz amarela de uma pedra em um anel.

Tudo em sua aparência era adorável e,de fato,até o mais desconfiado dos seres tomaria-o por um menino doce.Exceto pelos olhos,observou mentalmente,seus olhos verde-acinzentados são carregados de malícia adulta e antiga.

O Comerciante também estudava-na de sua bela cadeira de madeira.Cebra bebeu outro gole de seu cálice.

- Rainha Cebra, - disse,com uma voz estranha que mesclava a inocência e agudez da infância e a malícia de um gatuno. - é um excepcional prazer conhecê-la.

Sua voz era,de algum modo,mais assustadora que seus olhos.Mas,Cebra não vacilou:

- Quando você der-me o que quero,irei dizer o mesmo - rebateu,após o que bebeu outro gole de vinho negro.

O garoto riu;uma risada maldosa e negra.

- Não pretendo dar-lhe nada,minha rainha.Sou O Comerciante,não O Caridoso.

Cebra jogou para trás seus sedosos cabelos dourados:

- Vejo que é bem espirituoso,Comerciante, e vejo também que possui um interessante acervo. - olhou ao redor. - Desejo comprar-lhe algo.

- Todos os que aqui vêm desejam o mesmo,curiosamente. - o homem-garoto ajeitou-se em seu assento,os olhos maliciosos ainda em Cebra,brilhantes. - Mas,A Rainha Negra dos Trevuxos não limita-se a rodeios e justificativas,creio.

Cebra mexeu sua taça,fazendo a bebida escura nela estremecer.

- Exatamente - bebeu e sorriu. - Não é uma criança,não é verdade?

O outro sorriu de modo peculiar e pusou as mãos brancas,antes unidas,sobre as coxas.

- Pensei que tivéssemos concordado em sermos diretos. - declarou,os olhos cintilando.

- Responda-me, - inqueriu A Rainha Negra,em tom suave - como adquiriu a juventude eterna,Comerciante?

- Ofende-me.Sou uma criança. - respondeu ele,com um sorrisso devasso.

- Há muito tempo,curiosamente. - declarou Cebra pousando o cálice sobre um dos braços de madeira de seu assento. - Não pode negá-lo,my lord.Como alcançou tal proeza?

Um sorrisso carregado de malícia voltou a assaltar seus rosados lábios.

- Minha Rainha, - e pronunciou a última palavra com certa ironia,como se não a visse como uma. - se veio até aqui comprar tal resposta,perdeu a viagem,pois jamais vendi este produto...

Cebra tirou de um dos bolsos de suas saias uma joia radiante e bela,apresentando-a aquele que falava.

- ...Jamais vendi tal produto por menos que uma dessas joias aí. - completou,olhando com grande interesse para a gema nas mãos enluvadas de Cebra.

Tratava-se de uma Joia da Nobreza Trevruxa de Outrora e chamavam-lhe Luxúria e o pequeno bastardo sabia disso.

Muito ponderara acerca dessa atitude e chegara à conclusão de que um símbolo de um poder há muito diminuído valeria a vida eterna.Porém,ainda assim doía-lhe desfazer-se da pedra,que,nos Tempos da Aurora, enfeitava a Coroa Negra dos Reis Trevruxos e continuara sob a tutela de sua família,mesmo após a Diminuição da Sombra e do vencimento da Ordem Alva (agora também fraca) na guerra contra as trevas.

Sua mãe presenteara-lhe com a joia antes de morrer,há séculos incontáveis, e profetizou que O Poder Escuro dos trevruxos ressurgiria no Mundo,por meio de Cebra e da pedra vermelha.E agora troco-a pela chance da juventude eterna,pensou A Rainha Negra,embora as palavras de minha mãe ainda possam ser realizadas e ,por meu intermédio,o Mundo curve-se perante as trevas uma vez mais.

Respirou fundo e engoliu a dúvida.Eu sou o Mal e o Mal nada teme.

- Pegue. - disse,passando a gema às mãozinhas do Comerciante. - É sua,se der-me o toll,cujo pedaço brilha em seu dedinho de bebê.

O Comerciante relanciou o dedo em questão,sem interesse.Nele brilhava uma joia radiante como o sol.

- Se minha rainha realmente o quer. - havia um leve sarcásmo em sua voz infantil e má ao mesmo tempo. - Contudo,devo avisar-lhe que a Eternidade é o segundo mais negro dos ramos da Magia.

- Oh,poupe-me! - Cebra mexeu uma das mãos e pegou a taça com a outra. - Dê-me o toll, seu afetadozinho.

O velho feiticeiro com aparência infantil observou-a beber um gole a mais de vinho negro,com olhos frios como o gelo.

Saltou de sua cadeira e andou vagarosamente até uma das estantes de madeira,esticou-se bem e pegou uma caixa de madeira branca como osso.Virou-se e postou-se à frente do assento de Cebra,abrindo o recipiente.Ela levantou-se,de cálice na mão.

Sentiu o maior dos deleites ao ver,no interior aveludado da caixa,a pedra que só vira antes em antigos livros de magia,pulsando e refulgindo,um toll de imortalidade.

- O minúsculo pedaço faltoso na gema é aquele que,tão bem observou você,encontra-se em meu dedo.Guardei-o como lembrança.

E como uma maneira de estender o poder

do toll também,deixou por dizer.A trevruxa pegou a

pedra com a mão direita e conseguiu sentir a força e o calor que emanava,mesmo através do veludo negro da luva.Sorriu vitoriosamente e bebeu mais um pouco do vinho de bruxo.

- Suponho,então,que esta pedra já foi usada. - disse,baixando o olhar à (aparentemente) adorável criançinha que encontrava-se à sua frente,ainda segurando a caixa branca com ambas as mãos.

O Comerciante sorriu e a maldade faiscou em seus olhos verde-acinzentados:

- Supõe corretamente. - concedeu - Mas,não haverá maiores problemas:um toll pode ser usado mais de uma vez,embora não mais que três vezes. E...bem,julgo ter limpado muito bem a sujeira deste aí,após tê-lo usado.

Houve um longo silêncio durante o qual o menino-homem sorriu maliciosamente e Cebra bebeu o último gole de seu vinho negro.

- Pretendo ter o mesmo cuidado. - sorriu e pousou uma mão sobre a cabeça do Comerciante.


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