Piano escrita por Durden


Capítulo 1
Oneshot


Notas iniciais do capítulo

Hey o/ Eu tive essa ideiazinha e pra falar a verdade nem sei se ficou bom...Enjoy!



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As tortas não estava saindo boas naquela manhã cinza de Segunda feira. Algumas muito salgadas, enquanto outras não tinham quase sal, algumas estavam quase cruas enquanto outras queimaram.
Nellie não sabia o que estava acontecendo. Nunca era assim, pelo menos não nos últimos meses. As tortas pareciam sempre dar certo se ela estava se sentindo bem ou alegre, mas se algo a perturbasse, os pedaços de massa com recheios humanos paravam de ter o gosto delicioso que todos os seus clientes tanto amavam.
Mas nada estava errado, tudo estava indo muito bem, de acordo com seu plano de vida. Mr. Todd até vinha visitá-la em seu quarto as vezes. Nellie Lovett não tinha motivo nenhum pra se sentir perturbada.
Mas mesmo assim...
Mesmo assim havia um nó em sua garganta, que se apertava quando era beijada pelo barbeiro. Ela sabia o que era aquilo. A sensação de saber que pertencia a ele, mas que ele não pertencia a Nellie, e nunca pertenceria. Sempre Lucy, sempre ela. Toda vez que ele ficava em silêncio, e isso não acontecia pouco, era porque estava pensando em sua esposa morta. Bem, morta pra ele.
Nellie desistiu das tortas, a loja poderia ficar de recesso por apenas um dia. Subiu as escadas e foi em direção a sua sala de estar, olhando em volta com um tipo de pesar. Se não abrisse a loja não teria nada melhor pra fazer a não ser pensar, e isso não parecia uma boa ideia enquanto tinha aquele aperto em seu coração. Passou o olhar por cada móvel devagar, a lareira, o sofá, seu quadro na parde com Albert ao lado do piano.
E então voltou ao piano.
Ele tinha sido de seu avô, depois passou para sua mãe, e assim para Nellie, que sempre soube tocar, mas quase nunca o fazia ultimamente. Musica era uma coisa pras pessoas que tinham tempo pra isso, coisa que ela não estava tendo depois que a loja começou a fazer sucesso.
Mas agora tinha um dia só pra ela. Dirigiu-se para o piano, sentando-se ereta, como sempre havia aprendido a fazer na hora de tocar, e passou os dedos pelas teclas delicadamente, sem tirar nenhum som do instrumento. Então lembrou-se de uma melodia que sua mãe havia lhe ensinado a tocar quando ela não era alta o bastante pra alcançar a maçaneta de uma porta. Era um tipo de canção de ninar e também foi a primeira musica que Nellie aprendeu a tocar.
Afundou os dedos nas teclas devagar, tomando cada som que o piano fazia apenas pelo motivo de que havia muito tempo que não tocava. A musica veio com naturalidade, como se sempre estivesse ali. A padeira foi se esquecendo dos próprios pensamentos e se concentrando no piano que já tinha tanto amado e tanto odiado, assim como já tinha tanto amado e odiado Benjamin Barker, o mesmo com Sweeney Todd.
Em alguns dias acordava com vontade de ir até o barbeiro e dizer-lhe tudo o que ele bem merecia ouvir, mas a raiva repentina acabava passando e ela deixava pra lá. Sempre deixava pra lá, não tinha coragem de censurar o homem que amava, ele era tão arisco que provavelmente a mataria ali mesmo, ou nunca mais lhe falaria.
Não, disse a si mesma, sem Sweeney agora, só a musica. E começou uma outra que tanto adorava, que costumava cantarolar enquanto fazia as tortas. Uma musica sobre as folhas do outono, e sobre alguém que foi embora. Sem pensar no que fazia, começou a cantar baixinho, e logo sua voz estava tão alta quanto o som do piano, mas ela não se importava, por que deveria de se importar, afinal?
Toby veio assisti-la, quando estava quase terminando a musica, pra lhe dizer que sua voz era bonita e que ela tocava bem. Nellie sorriu pro menino, agradecendo, e quando ele permaneceu ali sem ter aparente intenção de sair ela deu a Toby uma moeda e disse ao garoto pra comprar algum doce no mercado, pois Nellie não iria abrir a loja.
Toby sorrira abertamente e saíra correndo, feliz. Nellie geralmente gostava da companhia dela, era quase um filho para a padeira, de fato. Mas naquele dia em especial ela precisava muito ficar sozinha. Porque estava tendo ideias que não queria ter, sobre ir embora. Ir e deixar Sweeney sozinho, como ele sempre quis ficar. Ir pra praia, com Toby e suas economias e se adaptar em uma casinha a beira do mar.
Mas começou, enquanto entoava uma terceira musica, a imaginar o quão triste seria viver sem o barbeiro por perto. Sem seus passos na loja, acima da cabeça dela toda noite, colocando-a pra dormir, sem a esperança que ele voltaria na manhã seguinte, que ela poderia olhar seu rosto, falar-lhe e em alguns casos receber até uma resposta educada.
Ele era um demônio, verdade. Mas Nellie não era nenhuma santa. Não era ela, afinal, que fazia dos clientes dele tortas? Era um demônio que ela havia se acostumado a amar, mesmo quando ele havia sido levado embora, quinze anos atrás, quando ainda era um anjo.
A musica que Nellie cantava de repente pareceu muito triste, e ela se lembrou de que havia sido a última musica que sua mãe lhe ensinara antes de pegar a peste cinzenta e tossir até a sua morte. Continuou cantando, pensando na praia, em Toby, em Sweeney e em sua mãe, e percebeu uma lágrima que lhe caiu dos olhos. Tinha que parar de tocar musicas tão tristes, só iam piorar tudo.
Mas nenhuma melodia alegre vinha em sua mente no momento, então ela continuou, terminando aquela que havia começado, que na verdade não era tão ruim e melancólica assim, já que falava sobre um passarinho. Era apenas o seu significado que entristecia a padeira.
Não ouviu os passos atrás de si até uma mão tocar seu ombro. Não era a de Toby. Droga, só porque ela precisava ficar sozinha, só porque estava pensando cada vez mais em ir embora, ele tinha que aparecer bem agora.
- Mrs.Lovett?
- Mr. T. - Virou-se pra ele com um sorriso. - Estou te atrapalhando com a musica, querido? Devo estar, não? Sabe, me empolguei e comecei a cantar alto, os vizinhos devem estar amaldiçoando...
- Tem uma voz bonita. - Ele disse com simplicidade. Sweeney olhou pro piano, e Nellie se lembrou que Benjamin Barker costumava tocar tão bem quanto ela mesma.
- Bem, obrigada. Não quer se juntar a mim?
O barbeiro parou e ficou olhando pras teclas, depois se afastou, tirando a mão do ombro de Nellie que automaticamente sentiu falta do contato. E então ela percebeu que seria assim se fosse embora, esse frio súbito, a falta de calor humano, de contato, de uma mão em seu ombro. Seria frio demais sem ele, mesmo na praia com o sol.
Sweeney foi se sentar no sofá, e fiou olhando pra lareira apagada. Nellie ficou observando-o, não sentindo bastante conforto pra falar alguma coisa ou pra se aproximar. Ele parecia mais distante do que estava de fato. Parecia não estar ali.
- Continue tocando. - Sweeney pediu e ela atendeu. Pôs-se a tocar outra das musicas que conhecia, seus dedos desenferrujando e se acostumando cada vez mais com as teclas. Não devia haver no mundo sensação melhor do que aquela. Acontece que tinha, e pra Nellie, eram os beijos de Sweeney.

Repentinamente, ele se levantou e foi em busca de um copo de gim, que logo depois foi atirado na parede, e então o barbeiro começou mais uma de suas crises de existência. As famosas epifanias de Sweeney Todd. Aconteciam pelo menos uma vez por semana, e Nellie já estava ficando acostumada.
Se levantou e tentou chamá-lo um ou duas vezes, mas sabia que não daria certo. Sua próxima ação foi uma coisa que ela, no começo, imaginava que causaria sua morte, mas com o tempo aprendeu que funcionava de verdade.
Nellie então foi de súbito até Sweeney e o abraçou, fazendo com que ele levasse um susto e acabasse voltando a si. Geralmente ele a empurrava rapidamente par longe. Mas parecia que ele só estava querendo complicar a vida da padeira ainda mais, pois abraçou-a de volta abaixando-se ligeiramente pra alcançar a altura dela.
Em todos aqueles meses, beijos e danças, Sweeney Todd nunca, nem ao menos um vez, havia abraçado Nellie Lovett de volta.
~~//~~

Nellie passou a tarde sozinha, tentando se concentrar em um livro enquanto ouvia Sweeney trabalhar em sua loja. Estava deixando os clientes saírem todos vivos naquele dia, o que queria dizer que estava de bom humor, se é que isso era possível.
Mas a padeira não fazia nada mais do que se decidir cada vez mais, tentar se acostumar, e tentar dizer a si mesma que aquela sensação de não te-lo por perto se amenizaria e não seria mais tão terrível com o tempo. Mas não conseguia acreditar nas próprias palavras. Nellie sabia que aquele frio permaneceria com ela não importava o tempo que fosse, se ela estivesse longe de seu barbeiro. Ocorria que ela não tinha escolha, estava presa naquela vida, e precisava se soltar. merecia algo melhor do que puxar os cadáveres das vítimas de Sweeney e transformá-los em recheio para ganhar apenas alguns beijos vez ou outra, e nenhuma, nem ao menos uma palavra de carinho do homem que amava. Todas as que ele tinha eram para a maldita Lucy.
Então Nellie se decidiu, iria embora, pra praia, pro campo, pra qualquer lugar aonde pudesse se soltar daquele amor que não lhe agregava em nada. Começou a dobrar alguns vestidos, empilhar alguns espartilhos e escolher o que caberia em sua mala de couro marrom. Algumas lágrimas insistiam em cair. Maldição! Por que não paravam? Ela não queria chorar, estava fazendo o que era certo e pensando em si mesma uma vez na vida. Em si mesma e em Toby, que seria muito mais feliz se crescesse longe daquela cidade cinzenta da qual o sol parecia ter medo.
Já era noite quando Sweeney apareceu chamando por ela na loja, e Nellie não atendeu, não respondeu, não fez nada, apenas continuou a arrumar a mala, colocando no fundo algumas fotos e cartas antigas. Pensou com uma dor forte que teria que deixar duas coisas que amava incondicionalmente. Seu piano, e o (não) seu Sweeney Todd.
O barbeiro não desistiu, miserável, veio procurá-la no quarto. Não era pra ele vê-la partir, ela não queria ver seu rosto antes de ter ido embora, perderia toda a coragem que a tanto custo havia tomado.
- O que diabos está fazendo? - Ele perguntou ao ver a mala.
- Desistindo. Eu tentei, sabe, tentei tanto. Te ajudei, te amei. Droga, Sweeney, eu cuidei de você, mas você não viu, não é mesmo? E se viu não estava se importando. Você só vê Lucy, só sua maldita Lucy e nem pense em me censurar por chamá-la assim porque é isso o que ela é. Imagine só, deixar a criança pra crescer sem uma mãe, e pensar que eu nem pude dar a pequena Johanna a criação que ela merecia, Deusa sabe o que dela foi feito agora. E a culpa é de quem? Da sua querida Lucy.
- A culpa é do Turpin e você sab...
- Quieto! - Gritou em um ímpeto, surpreendentemente sem medo de levantar sua voz pra ele quando o homem não merecia nada mais do que aquilo. - Não me interrompa quando eu estou desabafando tudo o que eu tenho guardado dentro de mim. Eu estou indo embora, pra qualquer lugar aonde eu não seja obrigada a ver o homem que eu amo falar de outra.
Nellie parou pra tomar ar e Sweeney se aproximou com violência. “Ele vai me bater” Nellie pensou, já se preparando pra revidar, mas o que ele fez foi muito pior do que isso. Ele a beijou.
Agarrou-se a cintura de Nellie como se não fosse mais soltar, e enterrou a outra mão em seus cabelos bagunçados. A padeira, pega de surpresa, não pode fazer nada mais a não ser beijá-lo de volta, segurando-se nos ombros do barbeiro, com medo de pender pra trás e acabar caindo, mesmo com ele segurando-a.

- Sweeney, eu vou embora. - Ela sussurrou entre os lábios dele assim que pararam o beijo, mas continuaram próximos o bastante para outro.
- Pet - Lovett se derreteu. Não tinha nenhuma força, nenhuma barreira, nada, pra quando ele a chamava assim. Teve medo de acabar ficando se seu Sweeney a pedisse. -, por que? Por que você quer ir embora?
- Não posso mais aguentar isso, seus beijos mesmo sabendo que você nunca vai sentir a mesma coisa que eu sinto por você, Sweeney, é difícil demais e eu estou cansada. Estou cansada dessa porcaria toda, vou-me embora. Tenho que ir. - Nellie falou rápido as palavras voando-lhe pra fora da boca, palavras que sempre quiseram sair de dentro do seu peito. O nó estava se desfazendo. Estava cedendo, ela teria forças pra ir embora, quando aquele maldito fez beijá-la de novo. Devagar dessa vez, como se tivesse medo de machucá-la. Soltou a cintura de Nellie e ficou com as duas mãos segurando seu rosto, o que só piorava as coisas.
Por que ele tinha que faze tudo na vida dela ficar difícil? Nem ir embora ela estava conseguindo mais.
Mas o pior veio depois.
- Nellie. - Sweeney sussurrou e a padeira gelou. Ele nunca a chamava assim, era sempre Mrs.Lovett, ou quando ele se sentia disposto, o tão amado “pet” ou “minha querida”, mas nunca seu nome. Todd, maldito Todd. Sabia muito bem o que estava fazendo com ela. - Nellie - Repetiu como se ela não estivesse conturbada o bastante -, por favor - Sweeney Todd nunca pedia por favor, o que estava acontecendo com ele? -, fique, não vá embora, você não tem que ir. - Ele falava baixo, em tom de voz calmo, enquanto Nellie se transformava em um turbilhão de emoções, respiração e coração descompassados, olhos marejados, a boca tão perto da dele, tão perto, e acabou se rendendo a Sweeney.
~~//~~

Já era manhã novamente quando acordou, e ele estava ao seu lado na cama, coisa que era incomum. Sweeney geralmente saia e ia embora no meio da noite, nunca a deixava vê-lo dormindo. Mas lá estava ele, calmo, pacífico, como Nellie nunca tinha visto. Parecia, ela pensou com um suspiro, parecia o Benjamin Barker de quinze anos atrás.
E talvez por isso ela percebeu que de fato teria coragem de ir embora. Porque Sweeney Todd era um novo homem, sim, que poderia até ficar junto de Nellie, mas ele sempre seria, nem que fosse um pouco de Benjamin Barker. Um Benjamin que era inocente, e que Nellie já amava, desde então. Um Benjamin que daria tudo por sua Lucy. E aí estava o problema, ele sempre seria assim, sempre estaria disposto a tudo por Lucy Barker.
Era isso. Nellie se levantou e se vestiu sem se importar de deixar algumas lágrimas rolarem, ela sabia que rolariam de qualquer jeito. Então sentou-se em uma das mesas dos clientes, com uma pena e tinta preta, e escreveu uma carta. Dizia que iria mesmo assim, que não podia suportar viver sem ele, mas não podia suportar viver com ele enquanto ele ainda amasse Lucy, e contou a verdade. Sua esposa, ela escrevera, está viva, tomou veneno, enlouqueceu, não morreu, é uma sem-teto que anda pelas ruas, procure-a, Sweeney, dizia na carta, procure-a.
No final, dizia que o amava e que isso nunca seria diferente, mesmo sabendo que provavelmente ele a odiaria após a leitura da carta. Esperou a tinta secar, dobrando o papel e colocando-o em cima de seu travesseiro, aonde ele veria. Na cozinha, deixou sua última fornada de tortas em cima do balcão, ao lado de uma garrafa de gim. As tortas não estavam todas boas, mas deviam estar ao menos comestíveis. Nellie não queria que Sweeney passasse fome.
“Nunca vou deixar de me preocupar com ele”, pensou.
Acordou Toby, lhe contando a grande novidade. O menino não tinha nada pra levar, então, sorridente, apenas seguiu Nellie, que tinha uma mala de roupas e dinheiro o bastante para que sobrevivessem algum tempo sem passar fome. Tempo o bastante pra se restabelecerem em outro lugar. Não seria a praia, aquele lugar a lembraria demais de um sonho que ela tivera no qual Sweeney estava presente, e Nellie não seria capaz de viver com algo assim. Campo talvez, perto das árvores e de onde as flores cresciam. Podia abrir uma pequena loja de tortas aonde houvesse movimento, no campo essas coisas faziam falta. E Toby poderia brincar, ser feliz sem se preocupar com os pesadelos de Londres.
Olhou em volta uma última vez, se despedindo silenciosamente do piano que tanto amava, que havia sido sua última e melhor lembrança de sua mãe. Sua mãe com os cachos cor de cobre, sentada naquele mesmo banquinho de veludo e rindo de alguma brincadeira que o pai de Nellie fazia. “Era uma memória boa”, pensou, “,vou guardar ela direito.”
E então, se virando, pensou mais uma vez em Sweeney, dormindo, tão calmo quanto uma criança, sem o cenho franzido e o semblante cruel. Seu Sweeney, que de fato nunca for seu, e que também nunca seria.


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