Um sutil e entristecido suspiro me escapou pelos lábios entreabertos, perdendo-se no espaço logo em seguida. Encarei minhas mãos, que estavam juntas e pousadas sobre meu colo.

A brisa estava agradável e insistia em agitar os fios curtos e negros de meu cabelo. Uma camada fina de uma neve branca e suja cobria todas as possíveis superfícies, dando a impressão de que tudo estava mais claro, mais iluminado. Minhas pegadas espalhavam-se por todo canto visível, caminhando sem rumo, perdidas.

Entretanto, eu já não mais perambulava a esmo. Eu agora me encontrava sentado em frente ao piano, imóvel, minhas costas apoiadas no instrumento e meus olhos azuis atentos às minhas mãos, cujos dedos se enroscavam de maneira ansiosa. Uma névoa fria fugia-me continuamente pela boca , junto ao ar quente dos meus pulmões.

Ergui meu foco de atenção, vendo, algum metros distante, a ruiva com um olhar impaciente, seus braços cruzados em frente ao peito. Ela também me encarava, mas apenas um de seus olhos azuis me observava, já que o outro encontrava-se tampado. Suspirei uma vez mais antes de enfim me virar e por-me de frente ao instrumento musical.

Subitamente, senti um aperto no coração, e que me causou dor de alguma forma. Inspirei fundo, desejando relaxar o mínimo que fosse. Apenas depois que me senti quase que totalmente calmo é que meus dedos puseram-se a se mover, correndo de forma aleatória pelas teclas congelantes, meus olhos os seguindo de perto. Demorou um pouco até que o barulho se transformasse em música propriamente dita; a única que eu conhecia, a única que ele me ensinou.

Minha mente logo não estava mais lá, naquele espaço frio e solitário. Ela vagava por minhas memórias, levando-me para um passado onde o albino ainda estava presente; quando Kaworu estava ao meu lado, fazendo-me sorrir mesmo que por um breve instante. Tempos em que eu era capaz de esquecer de meus problemas, mesmo que apenas por alguns minutos e sonhar que o futuro poderia não ser tão ruim se ele estivesse comigo.

“Que jeito mais bonito e idiota de pensar…” , refleti, um sorriso largo e triste tomando-me os lábios.

Afinal, ele morreu. Kaworu morreu e tudo por minha culpa, porque eu não dei atenção às suas preocupações, já que tudo que eu enxergava eram os meus próprios problemas. Se eu tivesse parado como ele me pediu, as coisas podiam talvez ser diferentes hoje. Talvez nós pudéssemos estar juntos, mesmo que não para sempre, mas pelo menos por mais tempo...

Em um piscar, eu estava de volta à realidade e uma mão apoiava-se em meu ombro. Só então notei que meus dedos não mais trabalhavam e que a quietude voltara a tomar conta do ambiente. Fiquei lá, um tanto imóvel e confuso por alguns segundos, antes de finalmente erguer meu olhar à outra pessoa.

Asuka estava bem ao meu lado, apática. Ela abriu seus lábios por um instante, mas voltou atrás em sua decisão logo a seguir, mantendo-se assim em silêncio. Ela fechou seu olho, pois o outro estava coberto, e libertou-me de seu toque, girando em seus calcanhares e afastando-se sem prévio aviso. Enquanto isso, mantive-me estático, somente observando enquanto ela se afastava mais e mais. De repente, ela parou e se virou em minha direção:

– Vamos, Shinji idiota. Está frio aqui fora. – ela soava como o habitual.

Minha boca abriu, mas nenhuma palavra foi dita. Apenas acenei com um movimento sutil da cabeça, concordando. Fitei uma última vez o piano e acariciei sua superfície gélida.

– Até amanhã. – murmurei.

Pus-me então de pé e segui rapidamente atrás da garota que eu já quase perdia de vista. Acelerei os passos por um momento, a fim de a alcançar. Caminhamos juntos de volta ao abrigo, sem olhar sequer uma vez para trás.

O vento ainda assoprava uma brisa fria e tranquila.