Daughter Of War escrita por Isa


Capítulo 5
Mentes Perturbadas


Notas iniciais do capítulo

Oisinho inho inho

Cá estou eu, escrevendo fic às duas da manhã, quando tenho que acordar cedo pra ir pra escola. Me agradeçam por isso (ou não)

Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/479630/chapter/5

Jessica Zanelatto

“Você é uma maldição”

Eu corria por um corredor frio e escuro feito de pedras negras. O vento gelado corroia minha pele. Meus pés descalços faziam baques surdos contra o chão.

“Você é uma maldição”

Apertei os olhos, tentando acostumar a visão à pouca luminosidade. Não podia parar de correr. Eu não sabia do que estava fugindo, mas sabia que era de algo perigoso.

“Você é uma maldição”

Novamente, a voz retumbou pelas paredes. Eu não sabia de onde vinha, mas ecoava fundo em meus ouvidos. O corredor contorcia-se em incontáveis esquinas, formando uma espécie de labirinto. Meus pés doíam. Sangravam. Mas eu não iria parar de correr.

“Você é uma maldição...”

— Pare! — gritei, cobrindo os ouvidos com as mãos. Virei mais uma esquina, e mais outra, e mais outra. Aquilo não tinha fim.

“Do que está fugindo, Jessica?”

Tropecei e caí com força contra o chão gélido. Meus braços ralaram, e senti que havia quebrado o calcanhar tamanha fora a força da queda. Gritei de dor. Estava ofegante e completamente sem forças. Comecei a me arrastar pelo chão, apesar da dor me fazer ter espasmos.

— Preciso... sair... daqui! — Grunhi entre dentes.

Uma risada maldosa retumbou, vinda de todos os cantos.

“Você não pode fugir daqui.”

— Eu posso... Eu vou... — gritei, mas minha visão estava ficando embaçada. Eu sentia que iria apagar a qualquer momento.

“Não vai”

Senti uma presença gigantesca e ameaçadora aproximar-se de mim. A coisa irradiava ódio e poder. Percebi que o ser preparava-se para me pegar.

“Você não pode fugir daqui... Porque aqui é sua própria mente.

Acordei num sobressalto.

Estava ofegante e completamente suada. Minhas mãos tremiam. Arranquei as cobertas quase que desesperadamente e segurei o calcanhar da perna direita. Estava completamente normal, porém formigava um pouco.

Respirei fundo, tentando me acalmar.

— Foi só um sonho... Só um sonho. — Apoiei minha cabeça contra as mãos, que ainda tremiam. Devo ter ficado vários minutos assim.

Não era a primeira vez que eu tinha esse pesadelo. Era sempre assim: Eu me encontrava em um labirinto interminável, escuro e frio, tentando fugir de algo ou alguém. Tenho esse sonho desde que me lembro por gente.

Mas aquela voz nunca estava presente nos anteriores.

Esfreguei meus braços, tentando espantar os calafrios ao me lembrar da voz. Aquele sonho nunca havia sido tão real anteriormente. Eu ainda podia sentir a dor em meus pés e calcanhar. Será que aquilo significava alguma coisa?

Levantei a face e tomei um susto. Eu tinha certeza de que deveria ter acordado em meu quarto no orfanato Flor da Juventude, mas não: eu estava em um quarto com uma ampla sacada, paredes azul-claras, deitada em uma cama de casal. Aquele não era meu quarto.

Então, todas as lembranças dos últimos acontecimentos submergiram em minha mente.

Era simplesmente impossível para minha mente aceitar que tudo aquilo era real. Como minha vida havia se tornado essa bagunça assim, tão de repente?

E ainda tinha essa história dos deuses – e de que um deles supostamente era meu pai/mãe.

Eu havia ficado realmente furiosa na noite anterior – não havia ficado furiosa com Quíron ou os outros, mas com raiva desses tais deuses. Se um deles era realmente meu progenitor, por que nunca havia aparecido para mim? Por que nunca havia cuidado de mim, me guiado?

A verdade era que eu ainda não conseguia acreditar nessa coisa. Havia vivido em um orfanato católico até os sete anos de idade, onde tínhamos que ler a Bíblia e escutar as histórias das freiras, mas desde aquela época era difícil para eu acreditar que existia algo ou alguém que poderia ser classificado como “Deus”. Quando se passa a vida toda sendo jogada de um lado para o outro, ignorada por tudo e todos e sabendo que foi encontrada em uma calçada como se fosse lixo, é difícil acreditar que existe algum tipo de força superior que mantém algum tipo de afeto por mim.

Olhei para o despertador que ficava no criado-mudo, desanimada. Já passava da uma da tarde. Fiquei tentada a passar o resto do dia socada debaixo das cobertas (O dia parecia estar bem frio lá fora), mas mudei de ideia. Precisava esticar as pernas, conhecer o lugar. Já havia passado tempo demais deitada naquela cama.

Eu ainda usava as mesmas roupas da noite anterior – havia subido as escadas correndo e me jogado na cama. Não queria que os outros me vissem naquele estado. E também havia corrido pois eu sabia que sempre que me zangava muito, coisas ruins aconteciam.

Não me pergunte o quê.

Olhei para o pé da cama e percebi que havia uma muda de roupas cuidadosamente dobradas ali: uma calça jeans preta, uma camiseta laranja onde se lia CAMP HALF-BLOOD, e um moletom quase idêntico ao que eu estava usando, porém esse parecia ser menor, mais adequado para o meu tamanho. Havia também uma toalha branca e meias.

Ótimo. Aqui tem serviço de quarto, pensei.

A ideia de tomar banho me parecia ótima. Peguei a muda de roupas e me dirigi ao banheiro do quarto de hóspedes. Nada que um bom banho quente não resolva.

Depois de ter me lavado, resolvi descer, mas hesitei. Estava receosa sobre meu ataque na noite anterior. Eu não havia sido nenhum pouco gentil com Quíron. Estranhamente, eu comecei a confiar no cara logo quando nos conhecemos – o que é realmente raro, pois eu costumo não confiar nas pessoas -, mesmo sabendo que ele era metade cavalo. Havia algo em seus olhos escuros que me parecia meio paternal.

Não que eu saiba exatamente o que “paternal” significa.

Resolvi que seria apropriado pedir desculpas – o que também é realmente raro, pois eu odeio pedir desculpas. Acho que já disse isso -, até porque não queria que Quíron me chutasse do Acampamento. Saí do quarto e já me dirigia para a escada, mas parei subitamente ao escutar uma conversa.

— ...Percy me disse sobre ela. Disse que ela tem um poder estranho. Não minta pra mim, Quíron! Eu sei que você também desconfia — uma voz feminina dizia.

Estavam falando... de mim?

Aproximei-me do pé da escada silenciosamente, a fim de escutar melhor.

— Fale baixo, Annabeth. Não se esqueça que ela está aqui — Quíron disse. Ele tentava parecer calmo, mas havia certa tensão em sua voz. — O que Percy presenciou foi uma pessoa tremendamente irritada ao descobrir que foi abandonada pelo pai divino. É normal que semideuses acabem exalando certo poder quando sentem emoções fortes.

— Mas eles exalam um poder que apenas monstros podem sentir, não outros semideuses! — a tal Annabeth disse. Ficou alguns segundos quieta, depois voltou a falar, inquisitiva. — Você acha que ela é parte daquela profecia...?

Quíron hesitou para responder.

— Que profecia?

Se eu estivesse assistindo á cena, certamente a tal garota deve ter feito uma expressão de “na mosca!”.

— Não se faça de bobo! Você sabe do que eu estou falando. Ouvi você comentar com o Sr. D alguns meses atrás, algo sobre uma profecia milenar...

— Annabeth, já chega. — Quíron disse, autoritário. — Há uma razão para que ninguém saiba dessa profecia, nem mesmo você. Por que você acha que ela não consta em lugar nenhum, por toda a história? Ela é proibida. Nem mesmo os deuses comentam sobre ela. Eu sequer sei se ela é real ou não.

Annabeth hesitou.

— Não pode ser algo tão ruim assim. Todos temiam a profecia de Percy, e no final deu tudo certo...

— Você não está entendendo, Annabeth. — A voz de Quíron tornou-se extremamente sombria. — A Profecia Proibida é algo cem vezes pior que a sobre Percy. Algo tão ruim que os deuses tiveram o cuidado de fazer com que a humanidade nunca soubesse sobre ela. Eu a proíbo de procurar saber sobre o que ela se trata, e a proíbo de envolver Jessica nisso. Você não tem provas para dizer se ela faz parte da profecia ou não.

Annabeth estava prestes a protestar, mas eu estava cansada de escutar aquilo tudo. Desci as escadas fazendo barulho com os pés para que eles percebessem minha presença. Pararam de falar na mesma hora.

A tal Annabeth era uma garota que aparentava ter dezenove anos, de cabelos loiros e cacheados presos em um rabo de cavalo que lhe caía no ombro esquerdo. Os olhos eram cinza como um céu nublado. Ela analisou-me rapidamente. Parecia se perguntar se eu havia escutado alguma coisa.

Quíron estava em sua forma natural de centauro, de forma que sua cabeça quase alcançava o teto. Ele era um ótimo ator, pensei, pois sua expressão facial era extremamente tranquila.

— Finalmente acordou. Pensei que havia entrado em coma de novo — ele disse, bem humorado. Com certeza, um ótimo ator.

Mas eu também sei atuar muito bem. Fingi que não havia escutado nada.

— Eu pretendia, mas mudei de ideia. — Comentei no meu tom normal de voz. Annabeth ainda parecia desconfiada. Pude perceber que ela era o tipo de gente que não é enganada facilmente. Olhei para Quíron. — E, hm... foi mal por ontem à noite. Eu não queria ter dado aquele ataque. Sério.

— Não se preocupe com isso. — Quíron disse. Havia algo estranho em seu olhar, mas não soube identificar o quê. — Creio que você está com fome. Annabeth, você poderia levá-la até o refeitório? Pode apresentá-la ao Acampamento, se quiser.

Os olhos da loira brilharam. Quíron havia dado a ela exatamente o que queria: uma chance de arrancar informações de mim.

É desse jeito que ele proibia as pessoas de investigar profecias?

— Hm, sim. Venha comigo, Jessica. Vamos dar uma volta.

— Quer dizer que gregos e romanos quase se mataram? — perguntei enquanto caminhávamos por Nova Roma.

— Bem, sim. Essa rixa entre Grécia e Roma existe à séculos. Não foi fácil fazer com que acabasse.

— E essa estátua fez com que eles parassem de brigar, tipo, do nada?

Annabeth apertou os lábios.

— Não exatamente... foi difícil para nos acostumarmos com a junção dos dois acampamentos, mas nos esforçamos. Não foi a estátua que acabou com a rixa, mas sim o que ela simboliza.

Observei a estátua da deusa gigante ao longe. Isso parecia tão confuso.

— Eu não entendo essa coisa de personalidades romana e grega. Eles não deixam de ser os mesmos deuses? — perguntei.

— Sim e não. — Annabeth esfregou os braços para espantar o frio. — Os deuses passaram a ter significados um pouco diferentes em Roma. Poseidon, por exemplo, era um dos deuses mais importantes na Grécia, pois os gregos prezavam muito o mar. Já os romanos não o viam dessa maneira, pois nunca se deram bem com a navegação. O modo como eles passaram a ser venerados foi completamente diferente. E isso fez com que a personalidade romana nascesse. É o mesmo deus, mas sua importância e poderes é diferente. Ás vezes até mesmo a personalidade muda.

— Como uma pessoa louca com dupla personalidade — comentei.

— É bom não chamar os deuses de loucos. Isso os irrita — Annabeth advertiu. —, mas basicamente, sim. — a garota apontou para um grande prédio que ficava a alguns metros de onde estávamos. — Ali fica o Senado. E ali — ela disse, apontando para outro prédio mais adiante —, fica o prédio da Universidade.

— Universidade? — franzi o cenho. — O que eles ensinam lá?

— Os cursos normais que uma faculdade deve oferecer e mais algumas outras coisas.

— Tipo...?

— Tipo aulas que te ensinam a controlar a Névoa. Demonologia. História Greco-romana. Essas coisas.

— Ah. — olhei para cima e vi uma águia dourada e gigante cortando o céu. Eu estava prestes a avisar Annabeth sobre isso, mas ela parecia não se importar. Pelo jeito, ter águias gigantes voando por aí era coisa normal.

Mas havia outra coisa me incomodando.

— Annabeth...

— Sim?

— Esses fantasmas roxos sempre fazem isso quando alguém passa? — perguntei.

A expressão de Annabeth mudou imediatamente. Com certeza, aquilo não era normal.

Os fantasmas roxos (Lares, como ela dissera) estavam agindo de uma maneira um tanto suspeita. Quando eles nos avistavam, saíam correndo quase como se estivessem com medo. Alguns me olhavam e começavam a gritar, depois corriam desesperadamente à procura de um lugar para se esconder. Outros começavam a murmurar coisas em latim tão baixo que eu não conseguia identificar.

Você é uma maldição”.

Balancei a cabeça, tentando afastar aquele pensamento.

— Eles normalmente não agem assim. — Annabeth admitiu. — Mas, bem... são fantasmas. Não dá pra saber o que pretendem fazer.

Era óbvio que ela estava mentindo. Mentia muito bem, aliás. Mas eu havia adquirido a habilidade de perceber quando uma pessoa estava mentindo pra mim ao longo dos anos. As pessoas faziam muito isso.

Uma outra pergunta surgiu em minha mente.

— Todos os semideuses que vivem aqui já sabem quem são seus pais divinos? — perguntei, sem rodeios.

Annabeth engoliu em seco.

— Sim.

Senti um buraco frio se abrir em meu coração.

— Então... então, por que eu ainda não sei quem é o meu?

A loira respirou fundo. Ela me olhava com uma pontada de solidariedade.

— Eu não sei, Jessica... Mas, veja, alguns semideuses ainda demoram para serem reconhecidos. Aposto que não vai demorar até que o seu pai ou mãe te anuncie. Não precisa ficar triste...

— Não tem problema. — eu a interrompi. — Já estou acostumada a ser ignorada. Não sei por que pensei que agora seria diferente.

Não era minha intenção ter ficado triste, mas eu não podia evitar. Deuses imbecis, pensei.

— Quem é seu parente divino? — perguntei subitamente.

Annabeth hesitou.

— Atena.

— Você já a viu? Falou com ela?

— Já... — Fomos interrompidas por alguém chamando Annabeth. Quando olhei para trás, vi que era aquele mesmo garoto da noite anterior.

O garoto devia ter a mesma idade que Annabeth. Tinha os cabelos pretos curtos e a pele bronzeada, como se tivesse passado a vida toda morando na praia (Mas eu digo em uma praia tropical tipo a do Rio de Janeiro, não essa praia estranha e fria de Long Island). Os olhos eram incrivelmente verdes. Apesar de estar usando blusa de frio, dava pra ver que ele era forte. Mas, pelo que Annabeth me dissera, era quase impossível um semideus não ter boa forma, já que todos tinham treinamentos pesados e missões que exigiam bastante esforço físico.

Ele sorria. Mas, quando me percebeu, seu sorriso vacilou.

— Eu estava te procurando por toda a parte. — o garoto disse, depois se voltou para mim. — Hm, oi, Jessica.

— Oi... — franzi o cenho, me esforçando para lembrar o nome dele. — Pedro?

— Percy. — ele me corrigiu. Ele parecia ser um cara legal, mas me olhava de um jeito estranho. Tinha certeza de que estava pensando no meu ataque da noite passada.

Percebi que havia dito “Pedro”, pois me lembrei do menininho que salvei no incêndio. Meu estômago se embrulhou. Senti o súbito desejo de ficar sozinha – em qualquer lugar onde eu pudesse surtar e socar algumas coisas sem pessoas me olhando feio.

— Hm... Acho que vou dar uma volta... — Annabeth estava prestes a dizer alguma coisa, mas a interrompi. —...sozinha. Obrigada pelo tour.

Saí andando, deixando os dois sozinhos e sendo observada pelos lares apavorados.

Eu consegui um lugar onde podia surtar e socar algumas coisas sem ninguém me olhando feio.

Não conseguia dormir à noite – em parte porque estava sem sono, e em parte porque tinha medo de ter o mesmo pesadelo se adormecesse. Havia tantas coisas em minha mente que meu cérebro parecia prestes a explodir. Então, ao invés de ficar rolando na cama de um lado para o outro feito um hambúrguer na chapa, resolvi andar pelo acampamento.

Já passava das três da manhã. O lugar estava completamente vazio e frio. Uma pessoa normal teria sentido medo ao andar por ali àquela hora (principalmente por causa dos barulhos estranhos que vinham dos bosques, como rugidos de animais selvagens), mas eu não sou uma pessoa normal, então parecia bem agradável pelo fato de não ter gente me olhando torto. Parece que a notícia de que eu havia matado um drakon se espalhou bem rápido, então as pessoas meio que ficaram impressionadas, acho.

Caminhei até a Arena de Combates, que estava precariamente iluminada por algumas tochas. No centro da Arena havia alguns bonecos de treino – não eram simples bonecos de palha, eram mais como robôs de bronze, equipados com armaduras, empunhavam espadas ou lanças e escudos. Estavam imóveis. No canto da Arena algumas poucas armas estavam posicionadas: três espadas, duas lanças, um escudo. A maioria das armas ficavam guardadas no Armazém, como Annabeth dissera, o que significava que alguém havia esquecido aquelas ali.

Aproximei-me de onde elas estavam. As espadas eram quase idênticas, a não ser pelo tamanho da lâmina. Empunhei uma delas, mas era pesada demais, então a devolvi no lugar. Coloquei o escudo no braço, mas ele também era tão pesado que eu mal conseguia erguê-lo. Nenhuma arma ali parecia apropriada para mim. Eu também não entendia como de uma hora para outra havia me tornado uma perito em armas, mas resolvi ignorar esse fato.

De repente, escutei alguns cliques mecânicos atrás de mim. Quando me virei, os bonecos de bronze haviam começado a se mexer – e estavam em posição de combate.

Então, é assim que eles treinam por aqui? Pensei. As pontas dos meus dedos começaram a formigar, mas dessa vez eu sabia que era de ansiedade. Nada como espancar alguma coisa para espantar os problemas.

Peguei uma das espadas atrás de mim. Aquela era leve demais, mas soube que poderia conseguir lutar com aquela sem problemas. Eu sorri involuntariamente. Sempre quando vou me meter em briga acabo fazendo isso (e, pelo que pude perceber, as pessoas se assustam com esse sorriso do tipo “vou te matar”).

— Querem briga? — rodei a espada pelo punho, coisa que eu nem sabia que conseguia fazer. — Podem vir.

E eles vieram.

Foi como se eu houvesse posto minha mente no piloto automático. Não pensava mais, apenas deixava meus sentidos me guiarem – apunhalar, desviar, abaixar, levantar, pular, apunhalar outra vez... Pode parecer estranho, mas aquilo me fez um bem enorme, pois enquanto eu lutava, todos os meus problemas pareceram deixar de existir por um tempo.

Os robôs eram incrivelmente resistentes, por isso aquela luta deve ter durado bastante tempo, mas perdi a noção disso de tão entretida que estava. Não me lembro ao certo de como aconteceu, mas quando me dei conta havia um garoto na Arena.

E minha espada estava apontando para a garganta dele.

— Epa — ele murmurou, parecendo surpreso.

Pisquei algumas vezes, voltando á mim. Abaixei a espada imediatamente e dei um passo para trás.

— Uh, me desculpe. Eu não percebi que você estava aqui... — murmurei, constrangida. Naquele momento, percebi o quanto estava cansada. A espada acabara ficando mais pesada do que realmente era em minha mão.

— Sem problema. — ele murmurou.

Minha mente estava um pouco lerda aquele dia, pois demorei para reconhecê-lo. Aquele era o garoto que havia vindo ao meu socorro enquanto o drakon me perseguia, Nico.

Ele parecia ter a mesma idade que eu, porém era um pouco mais alto. Os cabelos pretos estavam bagunçados como se ele houvesse acabado de sair da cama – o que eu duvidava, porque ele estava com uma cara de que tinha um sério problema de insônia, por causa de suas olheiras. Ele era bem pálido, o formato do rosto fino e definido. Como Percy, ele era forte, e dava pra perceber até por sob a jaqueta de couro, mas não chegava a ser tão forte quanto o filho de Poseidon. O modo como os cabelos caíam sobre seus olhos negros o fazia parecer meio louco.

Ele é bonito, mas parece meio morto, pensei.

Nico olhou em volta parecendo impressionado.

— Você fez um belo estrago aqui. Leo vai enlouquecer quando ver os autômatos de treino nesse estado. — ele comentou.

Só então percebi que ele tinha razão: todos os robôs estavam destruídos e picotados, chiando, as engrenagens espalhadas pela Arena. Nossa.

— Desde quando você sabe lutar tão bem assim? — Nico perguntou-me.

Franzi o cenho.

— Não sei. Sempre fui boa com essas coisas. Mas é a primeira vez que uso uma espada na minha vida. — Cocei a cabeça com o cabo da espada. — Bem, não sei. O que veio fazer aqui?

Ele deu de ombros.

— Estava andando por aí. Escutei os barulhos e vim ver o que estava acontecendo.

Arqueei a sobrancelha.

— Há essa hora?

— Tenho hábitos noturnos.

— Hm. — Ele parece ser perturbado. Mas quem sou eu pra falar sobre gente perturbada? Notei a lâmina negra em seu cinto. — Bonita espada. — eu disse, apontando-a com a minha própria. — Do que é feita?

Ele tamborilou os dedos no cabo da espada.

— É feita de ferro Estígio. Sabe, do Rio Estige — ele disse ao perceber minha cara confusa.

— Onde a conseguiu?

— No Mundo Inferior.

Franzi o cenho.

— Não deveria ser proibido ter gente viva andando no mundo dos mortos? — perguntei.

— Bem, não é proibido se você é o filho de Hades.

— Ah... — fiquei um pouco surpresa. Está explicado porque ele parece meio morto. Tive o impulso de rir, pois lembrei daquele antigo filme de terror em que um menino dizia “Eu vejo gente morta”. — Certo.

Olhei para o céu, e dava pra ver que logo iria amanhecer. Me sentia cansada depois daquele “treino” de combate.

— Bem... Acho que vou tentar dormir. — Devolvi a espada em seu lugar. — Antes de sair da Arena, disse: — E, hm, Nico... Se você encontrar com esse tal de Leo... Não diga que fui eu que quebrei os robôs, tá?

Ele pareceu um pouco surpreso pelo fato de eu saber seu nome.

— Certo. Boa noite — ele disse.

— Boa noite.

Me virei em direção à Casa Grande. O céu estava naquele tom de azul escuro que diz que logo o Sol iria surgir. Decidi tomar um banho antes de me deitar, pois eu estava suada feito um porco.

Quando estava quase chegando à Casa, me virei em direção à Arena de Combates. Todas as tochas estavam apagadas, deixando o lugar na completa escuridão.

Mas eu podia ver que Nico ainda estava lá, parado feito um fantasma. E ele me observava. Eu podia sentir.

Um calafrio subiu minha espinha. Não é muito legal saber que o filho do deus dos mortos está te encarando fixamente. Com certeza, um cara muito perturbado, pensei.

Entrei na casa, deixando Nico para trás, sozinho em sua escuridão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pode-se perceber que o Nico vai ser um personagem bem importante (PORQUE EU AMO ESSE MODAFOCA) ~~momento fangirl~~

Aliás, feliz dia das Mães *v*

Deixem reviews o/
Inclusive vocês, leitores fantasmas -parem de dar uma de Nico e deixem um review-