Eu comia um doce que nem sabia do que era, morrendo de raiva, engolindo um após o outro.

–Pensei que fosse ser uma dama essa noite?

Lhe lancei um olhar de “ta de sacanagem né?!”.

Ele devolveu um olhar de “você que sabe...”.

–Okay – peguei o guardanapo e limpei a boca suja com o recheio doce e grudento . Peguei o batom e contornei os lábios para manter a cor, olhando no reflexo do pequeno espelho que tinha na tampa.

Ajeitei minha franja, calcei os sapatos – que eu já tinha tirado assim que me larguei na cadeira – e ajeitei o vestido. Cruzei as pernas e olhei para ele, com o sorriso mas forçado e sutil que eu tinha, como quem diz “satisfeito agora?”.

Ele balançou a cabeça, em um sinal de “deuses, você não existe garota!”.

***

Até onde eu sabia, a festa não tinha um limite de horário. O Buffet sim, o bar e o local não. E em uma festa, se ainda tem bebida, tem gente! Devia ser umas três da manha, e o lugar ainda estava cheio e todo mundo animado.

O tal do John continuou lançando olhares feios pra Manu por um bom tempo, que ela só retribuía com um sorriso falso. Conseguiu manter a pose de madame por horas. Falava de forma delicada, controlada, andava devagar e centrada, o sorriso no rosto.

Começou a tocar I Knew You Trouble. Ela me olhou e quase pulou da cadeira.

–Eu juro que mantenho a pose quando você quiser, mas precisa me deixar cantar essa musica feito uma doida! Por favooooor.

Ela juntou as mãos como em uma prece, me olhando com um biquinho pidão.

–Ta liberada.

Ela começou a cantar/berrar como se fosse a própria Taylor Swift, com as mãos perto da boca, fingindo ser o microfone.

“I guess you didn’t care and I guess I liked that

And when I fell hard you took a step back

Without me, without me, without me

And he’s long gone when he’s next to me

And I realize the blame is on me!”

O Sam chegou bem na hora e puxou sua mão, cantando junto. Os dois se olhavam e faziam gestos, interpretando a musica.

“Cause I knew you were trouble when you walked in

So shame on me now

Flew me to places I’d never been

Til you put me dow

Oh, I knew you were trouble when you walked in

So shame on me now

Flew me to places I’d never been

Now I’m lying on the could hard ground

Oh – grito super alto da Manu – Oh, trouble, trouble, trouble”

A musica continuou nesse ritmo e eu me segurava pra não rir.

Quando a musica terminou, eles já estavam de pé em um tom de acusação. Depois morreram de rir.

I Love It estourou nas caixas de som, seguida de um grito da Manu. Ela largou os saltos embaixo da mesa e começou a dançar enquanto cantava. Ela não tinha passos certos, apenas pulava balançando a cabeça e levantando os braços. Mexia o quadril no mesmo ritmo da musica e não se importou com os olhares que atraiu.

Quando o refrão repetiu ela se aproximou, me puxando pela mão sem parar de cantar. “Dancei” meio sem jeito, mas foi divertido.

Começou a tocar End of Time, da Beyoncé e ela saiu correndo e gritando “Saaaaaarah!”.

Ela veio com a prima correndo atrás. Elas esperaram alguns segundos – acho que foi pra lembrarem da musica – e ficaram paradas lado a lado. A musica tinha umas batidas no inicio e elas começaram a dançar juntas, os mesmo passos. Uma coreografia decorada.

A Sarah deixou o óculos redondo cair umas três vezes e acabou me entregando. A Manu nem se importava com o vestido, só puxava vez ou outra a barra para ele descer. Já a Sarah não parava de ajeitar o vestido rosa enquanto fazia os passos.

Então começou aquele típico momento de festa, em que o DJ coloca as musicas mais antigas. Uma fileira de gente – meio que liderada pela Manu – se formou quando começou a tocar Ragatanga. Até os mais velhos levantaram quando começou a tocar Whisky a GO GO. Mas ninguém ficou parado quando Legião Urbana invadiu o salão. Nem mesmo eu, que quase não tinha me mexido a noite toda.

E não foram só uma ou duas musicas como geralmente é! Tocou Tempo Perdido, Daniel na cova dos leões, Será, Geração Coca-Cola, Que País é esse, e todo mundo cantava tão alto que o DJ abaixou o volume e nós deixou berrando ali. Aquilo era maravilhoso. Todo mundo pirou. Até o DJ entrou na onda e começou a dançar.

–Que país é esse?

–É a porra do Brasil! – todos respondiam.

–Somos tão jovens! – todos cantavam com os braços erguidos, alguns de olhos fechados, com em um hino.

Um monte de gente pulando e balançando a cabeça freneticamente, sem se importar com cabelo ou com a dor que sentia nós pés. Eu e a Manu gritávamos juntos em um falso microfone feito por um dos sapatos dela.

Os noivos eram os mais engraçados ali no meio. A Laís já não tinha o penteado do inicio da festa, e parte da maquiagem já tinha ido embora junto com os saltos. Mas o sorriso continuava o mesmo. O do Marcos também não, mas o terno e a gravata estavam largados em algum lugar.

Felicidade era pouco pra expressar o que via naqueles dois.

–Uma menina me ensinou, quase tudo que eu sei...

***

Eu tava louca dançando, e era mais do que maravilhoso. Mas todo o barulho das vozes sumiu ao ouvir o Edu cantando Ainda é cedo.

Comecei a ficar menos agitada e acompanhar a musica com calma agora.

Ele fixou os olhos em mim e cantava alto, mas tava todo mundo tão empolgado que ninguém nem reparou na cena.

–Ela fazia muitos planos, eu só queria estar ali

Sempre ao lado dela

Eu não tinha aonde ir.

Em alguns trechos cantava alto, em outro quase berrava, como se me sacudisse dizendo “preta atenção!”.

–Ela também estava perdida

E por isso se agarrava a mim também

Eu me agarrava a ela

Porque eu não tinha mais ninguém.

Parecia que alguém prendia minha garganta, mas eu continuei cantando.

–E o que ela descobriu

Eu aprendi também, eu sei!

Ela falou: “Você tem medo”

Ai eu disse: “Quem tem medo é você”.

Falamos o que não devia, nunca ser dito por ninguém.

–Ela me disse

“Eu não sei mais o que sinto por você!

Vamos dar um tempo, um dia a gente se vê”.

Aquelas palavras saíram da minha boca e pareceram rasgar minha garganta ao serem ditas.

–E eu dizia ainda é cedo! – os gritavam juntos agora.

A musica acabou, e vários gritos “uhu!” “é isso ai!” “foi foda!” se espalharam.

Eu me sentia anestesiada, dopada, drogada por algo muito bom. Entorpecida. Eu não sabia o que passava pela minha cabeça, e nem o motivo de me sentir assim. Mas podia passar o resto da vida daquele jeito.