Todos já haviam provado o amargo gosto de ser enfeitiçado. Uns entravam em uma infinita discussão, como John. Outros permaneciam calados, como era o caso de Emily. Outros sentiam um ódio corroer seu interior mas permaneciam no mais absoluto silêncio e cerravam os punhos tão fortemente que quando o feitiço ia embora, restavam cortes doloridos que foram causados por suas unhas, como era típico de Lucy e Bryan. Outros ficavam quietos, mas explodiam se alguém tentasse falar algo com eles, como era frequente com Kate. Outros arranjavam qualquer pretexto para brigar, como Charlie.

Em uma manhã muito fria, como em todas as outras, os seis jovens caminhavam assustados naquela frenética busca de conseguirem sair da floresta e encontrar o castelo e Alivar. O dia com cara de madrugada passava tranquilamente. Nem tanto. Charlie estava enfeitiçado. Lucy, que percebera, andava segurando em seu braço, sem falar nenhuma palavra.

Kate caminhava ao lado de John. Como sempre, muito implicante, era constante ver John provocar Kate e ela dar-lhe bofetadas e logo risadinhas surgiam. Era bom que se distraíssem. Ao menos assim esqueceriam o risco tremendo que estavam enfrentando.

Bryan e Emily conversavam e trocavam risadas. Era difícil ver Bryan rindo, mas naquele dia, especialmente, tinha acordado de bom humor. Bryan tinha arrancado definitivamente o rótulo de loirinha insuportável que dera a Emily quando a conheceu.

–...Você acha mesmo?- E Emily dava uma gargalhada. Charlie avistou aos dois. Seus olhos azuis vidrados cintilaram de fúria. Seus punhos se cerraram. Lucy o segurava firmemente. Ele desvencilhou-se da mão dela e caminhou pesadamente até onde os sorridentes estavam.

–...Não deve deve ser tão ruim...- E Charlie o segurou pelo ombro. Toda a trilha parou e observou assustados.

–Veremos se isso aqui é ruim.- E investiu um soco em seu nariz que começou a sangrar.

–Charlie!- Kate berrou mas não se aproximou ou levaria um olho roxo.

–Você está enfeitiçado. Não faça isso...- Bryan começou.

–Enfeitiçado?- Charlie riu- Você acha?- E deu-lhe um murro na barriga. Bryan caiu de joelhos. Charlie se aproximou mais.

–Charlie não!- Emily berrou preocupada.

–Vai defender seu namoradinho?- Ele apontou para o patético Bryan jogado no chão sobre os joelhos.

–O que?- Ele o olhou incrédula.- Charlie...

–CALA A BOCA!- Berrou.

Bryan não viu outra saída. Tinha que desacordá-lo. Enquanto Charlie olhava enraivecido para Emily, Bryan levantou-se em silêncio. Todos olhavam perplexos. Ele foi por trás de Charlie.

–Charlie... Você não está bem...- Emily já chorava.

–Eu não achei que você gostava desse... Só agora perce...- Não pôde terminar a frase. Bryan havia aplicado um golpe em seu pescoço. Charlie estava desmaiado. Emily chorando abaixou-se perto do amigo.

–Só está desacordado. Vamos ter que ficar por aqui essa noite.- Disse Bryan

***

Já chegara a noite. Charlie ainda não acordara. Emily não saía de seu lado em momento algum. Acarinhava seus cabelos alaranjados e o olhava dormir. John, Bryan e Lucy haviam saído em busca do que comer. Deixaram apenas Kate e Emily cuidando do desacordado Charlie.

Kate viu que Emily não saía dali e se aproximou. Pousou a mão em seu ombro e sorriu. Sentou-se ao seu lado.

–Gosta muito dele não é?- Ela perguntou fitando a amiga. Emily arregalou os olhos e a fitou também.

–O que? Eu...- Olhando os olhos negros e que transmitiam confiança, Emily não pôde negar.- Na verdade sim...

–Sabia!- Kate estalou os dedos.- Há quanto tempo?- Emily baixou os olhos para o ser desacordado.

–Não sei...- E olhou novamente para Kate.- Só não vá contar a ninguém, ouviu?

–Pode confiar. Mas nem para a Lu?

–Claro que não! Ela pode contar para o John que pode contar para o Charlie!- E ela suspirou.- Não quero que ele saiba.

–Pois quer minha opinião?- Kate puxou seu queixo para que ela a olhasse nos olhos.

–Diga.- Emily a estudava.

–Charlie está louquinho por você.- Kate e Emily sorriram.

–Sério?

–Lógico. Não reparou a crise de ciúmes dele há algumas horas?- Kate sorriu e Emily a fitou.

–Ele estava enfeitiçado.- A menina corou completamente.

–Mas isso não altera os nossos sentimentos. Só os fazem ficar mais intensos.- Kate explicou, mas achando insuficiente acrescentou:- E o desespero dele ao te ver pendurada na ponte? E o desempenho dele em te salvar?- Emily corou mais ainda e tentou reprimir o sorriso.

–Aquilo não foi nada. Teria feito por qualquer um.

–Chorando daquele jeito? E o que explicaria a súbita mudança no tom da sua pele que ficou vermelha como um tomate quando você o abraçou.- Kate continuou. Emily sorriu como uma boba.

–Chegamos!- Lucy anunciou. Kate e Emily tentaram disfarçar entrando no assunto do Monstro que os haviam atacado.

–Desculpe... Não pudemos apanhar muitas coisas.- Bryan corou. Era bem estranho essa mudança de humor em Bryan.

–Mas o que pegamos já deve servir.- John entrou na conversa. Charlie abriu os olhos negros e fitou o céu. Sentiu a mão de Emily afagar-lhe os cabelos e sorriu. Não se mexeu. Kate e Emily olhavam os recém chegados. Não notaram que Charlie acordara. Ele fechou os olhos novamente fingindo ainda estar desmaiado.- Bem achamos umas frutas, só isso.- Prosseguiu John.

–E essas não são venenosas. Comi uma e o gosto é bem agradável.- Mas seu rosto não mente. Lucy fez uma careta.

–Tem certeza?- Kate sabia bem que a arte de mentir Lucy não dominava.

–É melhor que morrer de fome, não acha?- John sorriu desagradavelmente. Jogou as frutas verdes amareladas no chão. Kate e Emily voltaram a observar Charlie que elas achavam que ainda estava desacordado.

–Charlie ainda não acordou?- Lucy perguntou preocupada.

–Não.- Kate informou.

–Você matou ele?!- Lucy e suas ideias! Ela olhou apavorada para Bryan

–Claro que não Lucy!- Kate sacudiu a cabeça em desaprovação.

Todos comeram as frutas e fizeram caretas horrendas. Em seguida foram dormir. Emily continuou ali a afagar os cabelos ruivos. Passa hora e ela já bocejava. Ficou na vigília mas só tinha sua atenção voltada a Charlie que, segundo ela, estava desmaiado. Não estava. Ele sentiu a hora em que ela não aguentou mais e dormiu, ao seu lado.

Charlie sentia sua barriga roncar. Estava com uma fome terrível.

O feitiço tinha efeitos colaterais diferentes para cada um. Lucy sentia dor de cabeça. Quanto mais tempo o feitiço ficasse mais dor de cabeça ela sentia. Emily era atacada pelo cansaço. Assim que o feitiço passava ela sentia muita vontade de dormir. Em Charlie era a fome. Muita fome. John não sentia nada além de culpa. Kate sentia tristeza. Vontade de chorar. Sempre que o feitiço passava ela começava a chorar sem nem saber ao certo porquê. Bryan ficava muito tonto. Tinha que sentar e esperar até a tontura passar.

Pois bem. Charlie avistou Lucy que fazia a segunda vigília. Voltou seu olhar para Emily uns segundos e sorriu. Em seguida caminhou até Lucy.

–Lu. Lu.- Chamou. A menina o olhou e abriu um sorriso de orelha a orelha.

–Charlie! Você está bem!- Lucy se levantou e deu-lhe um forte abraço.

–Nem tanto Lucy. Tenho fome. Muita fome.- Charlie saiu do abraço e a segurou pelos braços fitando seus olhos castanhos.

–Guardamos umas para você. Só não reclame.- Lucy abaixou-se e apanhou as redondas frutas verdes amareladas que estavam perto de Kate. Entregou-as a Charlie que devorou todas com rapidez. Fez inúmeras caretas mas gostou das frutas. Não soube se era porque estava com fome ou se realmente seu gosto azedo o agradava.

–Obrigado Lucy.- E beijou-lhe a testa. Foi de volta ao seu lugar ao lado de Emily.