Depois do susto que Kate levara, procurava olhar bem por onde andava.

Depois de andarem o dia inteiro, acharam um local que julgaram ser "seguro" para passar a noite. Ainda tinham reservas de comida na mochila, portanto, não passariam fome.

Charlie, sentado sobre sua manta, olhava assustado para Lucy e Emily. As duas estavam enfeitiçadas. Caladas. Achou melhor não falar com elas essa noite, muito menos sugerir que cumpram a primeira vigília.

Lucy sacudiu a cabeça e levou a mão a ela. Seus olhos saíram do assustador azul vidrado e voltou ao castanho. Ela olhou em volta confusa. Sua cabeça doía. Emily continuava enfeitiçada.

Charlie se levantou e sentou-se perto de Bryan.

–Não gosto disso.- Ponderou.

–O que é agora?- Bryan o fitou.

–Esse negócio de feitiço. Olha para ela!- Charlie apontou assustado, como sempre.

–É só não mexer com quem estiver nesse estado- Bryan solucionou.

–Não é tão fácil assim!- Charlie falou alto. Emily parecia dormir de olhos abertos. Porém havia inquietação em seu olhar. Era possível notar que ela tentava lutar contra o feitiço.

–Se acalme. Não vai durar muito tempo. Logo ela estará bem.- Bryan pôs a mão em seu ombro.

Realmente não demorou muito- Mas para Charlie foi uma eternidade; ele não gostava de vê-la assim- Logo a Emily estava de volta. Se sentia cansada. Deitou-se e dormiu de imediato- O que Kate e John já faziam.

–Tente ficar tranquilo.- Bryan o olhou calmamente.

Bryan fez a primeira vigília. Não puseram nem Emily nem Lucy para vigiarem. Sabiam que precisavam descansar. A segunda foi cumprida por Kate e a terceira por John.

***

Aquela manhã estava terrivelmente mais fria que a anterior. Os jovens andavam de braços cruzados. Tremiam muito. Parecia que começaria a nevar a qualquer instante.

Kate andava mais atrás, com as mãos nos bolsos do casaco e os lábios roxos de frio. Naquela floresta não se ouvia absolutamente nada além das vozes uns dos outros. Era um silêncio ensurdecedor. Vez ou outra o vento balançava as árvores causando um barulho, mas fora isso...

Kate ouviu um arrastar de algo sobre as folhas ao chão. Olhou para trás rapidamente, com medo. Em seguida deu de ombros, concluindo que estava "ouvindo coisas". Mas dessa vez foi sério: Algum tipo de chicote havia-lhe agarrado os pés e estava a arrastando de barriga virada para o chão. Ela tentava desesperada se libertar, mas não podia.

–ME AJUDEM!- Berrou ela muito rouca. Todos ouviram e se viraram de súbito.

–Kate!- Charlie falou- Você de novo? Está superando a Lucy...- Ele suspirou.

–CHARLIE!- Lucy deu-lhe uma bronca desesperada. Ergueu os olhos e quase desmaiou com o que viu.

Todos olhavam o monstro em silêncio. Pasmos demais para falar, ou mesmo para se mexerem.

O monstro era horripilante: Era pálido como cera. Não tinha nariz, tampouco orelhas. Seus olhos ocupavam maior parte de sua face oval. Seus lábios eram extremamente finos. Era muito magro. Seus braços alcançavam o chão e suas mãos eram gigantescas. Usava um sobretudo aberto, que revelava o peito nu e magro. O sobretudo, da cintura pra baixo, eram tiras que flutuavam e mudavam de tamanhos. Como elásticos. uma dessas tiras carregava mais e mais Kate para perto de si.

–Kate!- Repetiu Charlie. Agora com mais desespero.

–John!- Bryan chamou enquanto tentava desviar das tiras e acertar flechas no monstro. O menino o olhou confuso, enquanto fazia o que podia para não ser arrastado pela criatura. Bryan sacou uma faca de sua cintura e jogou-a aos pés de John.- PEGA!- John apanhou a faca. Não entendeu inicialmente o que significava, mas após uns segundos se deu conta que teria de libertar Kate utilizando-a.

Correu. O máximo que conseguiu, desviando-se das tiras nervosas e tentando alcançar Kate. Chegou próximo a ela ofegante. A amiga gritava e chorava enquanto sua barriga arrastava no áspero chão.

–Calma.- Ele se jogou no chão e começou a cortar a tira de pano, com os olhos atentos às outras que ameaçavam o pegar. Uns segundos depois: Kate estava livre. John a empurrou para que corresse apesar de estar ferida. Olhou a sua volta eufórico. Essa não! Charlie e Emily estavam berrando em desespero: Estavam sendo carregados. John correu. Uma tira enrolou-lhe o pé. Cortou-a com agilidade e correu para sua irmã. Ela estava muito apavorada. De seus olhos assustados caíam lágrimas e mais lágrimas. O irmão abaixou e cortou a tira o mais rápido que pôde. A irmã se ergueu. Seu vestidinho rosa estava completamente imundo e no tornozelo havia uma marca profunda- Onde a tira havia apertado. Emily fugiu. John correu mais. Agora tinha que libertar Charlie. Este, não apenas chorava, mas berrava em desespero cravando as unhas no chão. John não disse nada. Atirou-se no chão. Uma tira o puxou e ele novamente a cortou e voltou para Charlie arrastando-se no chão.

–ME AJUDA! NÃO ME DEIXA MORRER!- Ele embolava as palavras e gritava mais. John não respondeu. Apenas cortou a corda o mais rápido que conseguiu. Agarrou a mão do amigo e saiu arrastando um Charlie chorão. Correram. Fugiram das chicoteadas e conseguiram se esconder atrás das árvores. Todos já estavam escondidos. E Charlie, ao lado de John, só fazia chorar.

–Shhhhh!- John o repelia.- Ta afim de morrer?- Charlie se calou e reprimiu o choro.

O monstro começara a andar. Teriam que agir ou ele os esmagariam com aquelas mãos enormes. John fechou os olhos e os apertou. Tivera uma ideia. Deu um longo suspiro. Segurou a faca com força. e pôs o plano em ação.

Saiu detrás da árvore e atirou a faca na fera. Se escondeu rapidamente atrás da árvore. Charlie o olhou assustado. John fechou os olhos rezando para a faca ter acertado o monstro.

–O que você fez?- Charlie perguntou com os olhos arregalados e ainda marejados.

–Shhhhhhi!- John repetiu apreensivo.

Silêncio. Já se passara vários minutos. John olhou para árvore à sua direita. Lucy estava ali. Ele a olhou com uma interrogação em sua face. Ela deu de ombros. Por que o bicho ainda não viera? Ele se perguntava. Nesse momento, John concluiu que já não viria mais. Saiu detrás da árvore. Charlie optou por ficar ali mesmo.

Não podia ser verdade. Ele matara o monstro. Sua faca estava enterrada na testa da criatura e ela jazia deitada no chão ensanguentada e rodeada pelas tiras de seu sobretudo e estavam sem vida. John se aproximou e examinou a fera. Seus grandes olhos completamente negros- Sem nenhuma parte branca- Estavam abertos. Foi aí que o menino notou que eles não tinham pálpebras.

Bryan saiu detrás de uma árvore. Em seguida todos- menos Charlie- chegaram.

–O que aconteceu?- Bryan encarou John.

–Ele jogou a faca. Eu vi.- Lucy afirmou.

–Bom trabalho.- Kate sorriu. John também abriu um longo sorriso.

–Mas...- Emily olhou em volta.- Onde está Charlie?- Ela arregalou os olhos assustada com a ideia do bicho tê-lo engolido.

–Ele é um covarde.- John riu.

–Eu ouvi!- Sua voz ecoou detrás da árvore.

–Melhor continuarmos.- Sugeriu Lucy sorrindo. Charlie brotou detrás da árvore.

–O que você fez?- Repetiu Charlie para John ao ver a criatura morta.

–Nada. Vamos.- John continuava sorrindo. Charlie deu de ombros e se juntou aos amigos. John pegou a faca e eles continuaram a longa caminhada abandonando o cadáver de uma criatura nada agradável