Laranja escarlate [Fic de drama] escrita por KenFantasma


Capítulo 1
Capítulo Único - Laranja Escarlate




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/478510/chapter/1

Luna chegava ao seu respectivo quarto aos tropeços, com as chaves que lhe foram fornecidas pelo hotel ela abre a porta segurando em seu antebraço uma pequena maleta de couro tinjida de vermelho vinho, com o outro braço deslizava as rodinhas de uma mala com semelhante aspecto, porem em suma proporção. Uma vez que pôde descansar ambas na parede perpendicular à cama, ela voltou a atravessar a porta e buscou sua terceira bagagem no corredor. Esta era produzida a partir de tecido preto e seguia sendo tratada com um cuidado todo especial por Luna, que delicadamente a colocava em cima da cama.
O clima era de um outono fresco, do 5° andar do Hotel, a visão que se tinha resumia-se em uma grande Tokyo mesclada de barulhos e movimentos urbanos.
Luna estava exausta pela viagem que durara quase 24H do Brasil ao Japão, ainda que fosse mais psicológico que físico. Mas seu propósito naquele ambiente estrangeiro não era puramente lazer. A ela, lhe foi dada uma missão, uma que o destino guardou com carinho durante todos esses anos.

Passados dois dias de aconchego ao hotel medíocre e visitação a bairros cujos nomes sequer conseguia pronunciar, Luna ajeita sua bagagem para enfim dirigir-se ao seu destino concreto. Enquanto ajeitava a maleta com itens de higiene pessoal, reparou no pedaço de folha de papel retirada às preças de algum caderno colegial, sendo exposto fora do bolso frontal. Como se a carta pedisse para ser relida, Luna o fez. Desdobrou o papel ja com marcas de amassado, sentou-se na cama e o leu pela 5° vez. Acabou, fechou os olhos, respirou fundo e então seguiu seu caminho às externas de Tokyo

O Monte Fuji, um símbolo agraciado pelos japoneses. O pico mais alto do país era exatamente o destino de Luna.
Por ser um dos pontos turísticos mais procurados no Japão, há especialmente para ele uma temporada de escalada que ocorre durante o verão, onde diversas cabanas são servidas como estalagem para os visitantes e o clima é mais propício para se percorrer a trilha da montanha.
No entanto, Luna preferiu se aproximar fora desta temporada, uma vez que o aglomerado de pessoas sempre a incomodou de forma sufocante. O problema se situou no fato de que as barracas não se permitiam serem abertas fora de temporada. Mas após uma busca, descobriu-se que havia ao menos uma única hospedagem dentre todas, que mantinha-se funcional enquanto qualquer época do ano. Era exatamente para lá que Luna rumou seus passos.

As cabanas sustentavam uma fisionomia simil, todas a poucos metros umas das outras. Possuíam um aspecto rústico, porém grandes o suficiente para para conter 3 quartos ou mais. Suma maioria se localizava logo ao começo da trilha montanha acima, e costumam lotar com turistas que passavam a noite nas mesmas.
Mas não era nesse grupo de cabanas que Luna estava interessada, e sim na cabana “Dona Antonia”. Sim, o alojamento que recebia turistas fora de temporada era administrado por uma descendente brasileira que Luna achara por sorte enquanto procurava na internet.

O sol ja estava se pondo quando Luna chegou de moto após percorrer uma rua estreita, porém longa, até as redondezas do Monte Fuji. Aproximando-se do pé do antigo vulcão, sua grandiosidade tornava-se assustadoramente linda à cada passo que a mulher dava.
Chegou então à porta da tal cabana dissemelhante ao padrão. A Placa com o nome “Dona Antonia” pregada acima da porta estava com a tinta das letras gasta, realçando um certo descuidado com o local. não havia nada vivo à vista, apenas o eco dos pássaros migrantes ao longe. A viajante respirou fundo e então bateu 4 vezes a junta dos dedos na porta de madeira. Ouviu alguns ruídos dentro, como se pessoas discutissem algo umas com as outras, e então uma vez que eles cessaram a porta se abriu.
O coração de Luna acelerou por alguns segundos até voltar ao normal, não por timidez, mas pelo que sentiu correlação a quem abrira a porta.

–Ahm... Pois não? – Atendera um homem com o olhar sonolento e roupas caseiras.
–O...olá. – Luna tentava manter a postura. – Meu nome é Luna. Falei com a dona Antonia por telefone. Ela está?
–Ah, sim! Ela falou de você. Entra aí. – O rapaz abriu caminho e quando fechou a porta, prosseguiu. – Ela foi procurar o Elvis.
–Quem? – A estranha retirava os sapatos antes de subir o degrau do piso de madeira.
–O gato dela, ela diz que aquele pulguento se perde toda semana. – A seriedade formal sumia à cada palavra.. – Bom, venha, vou te levar ao quarto.

A casa era simples, menos enfeitada que as outras, haviam dois quartos, o maior era deixado para os viajantes ao tempo que no outro dormia a hospedeira. A cozinha, o banheiro, todos os cômodos eram compactos. O quarto que o rapaz a mostrara comportava 3 camas pequenas desprovidas de madeira deitadas no chão, todas a 1 metro, em média, de distância dentre elas.
–O terceiro hóspede tá no banheiro agora, o nome dele é Kenji. – O homem sonolento pôs a lateral da mão no canto do lábio como se contasse um segredo. – Esse cara é um baita saco, reclama só por que eu deixo algumas meias espalhadas.
–Típico japonês. – Luna da uma comprimida risada.
–Acredite, de Típico japonês ele para nos costumes.
A princípio Luna não entendeu, mas deixou escapar outra risada assim mesmo. O rapaz então prosseguiu.
–Caramba, sou mesmo um grosso. Desculpe meus modos, pois não me apresentei. Sou Rennan. De São Paulo.
–Pera, quer dizer que além de brasileiro, ainda por cima é do estado vizinho? – Luna prosseguiu após uma feição desconfiada. – Luna, sou do Rio, muito prazer.
–Deu pra reparar pelo modo como seu “s” acha que é um “x”. – Rennan mantinha o labio parcialmente estimulado pela descontração.
–Hahahá, muito engraçado. E você, trouxe algum pacote de “bolachas” para beliscar?- Luna se mostrava muito descontraída, tal como seu colega de cabana.
Uma incrível atmosfera amistosa pairava entre ambos, que pareciam se conhecer há tempos. E de alguma forma ela se sentia prematuramente atraída.

Rennan não era esguio nem muito corpulento, mas seus ombros largos acusavam-no de possuir um corpo atlético, ainda que não demonstra-se disposição para tal. Seus olhos castanhos sobrepunhavam-se uma marca arqueada, como se ali muito se apoiasse óculos, o cabelo curto e enegrecido era bagunçado propositalmente sob uma barba rala que ressaltava-se na pele branca.
Luna era uma mulher de 25 anos com olhos lúgubres sobre uma marca que incitava noites de insonia, um cabelo também escuro se limitava aos ombros com algumas mechas que lhe caiam à testa pelos ventos ocasionais. Seu corpo dotava um desenho atraente com curvas delgadas e delicadas, e sua pele clara era macia. Ela trajava roupas aquecidas, que vestira não para o clima que pairava agora sobre ela, mas pelo clima que a montanha mais tarde iria lhe submeter. Trazia consigo a mala preta, na qual foi colado um adesivo com o símbolo de “frágil”, e nas costas sua desajeitada mochila.
Para a escalada, principalmente em condições climáticas tão frias, era necessário um grande número de equipamentos básicos de montanhismo. Todos os que Luna trazia consigo foram adquirido há algumas semanas atrás, nas cidades vizinhas. Tudo que julgava essencial, ela pôs em sua mochila adaptada.

A mulher descansava seus pertences ao lado de sua cama. Retirava algumas barrinhas de cereais da mochila quando a porta do banheiro correu, dela saiu o terceiro inquilino, Kenji, que se dirigiu à novata e pronunciou palavras em japonês das quais a mesma tinha desconhecimento. Assim que percebeu a cara enrugada de Luna, Rennan que até então descansava na cama lendo seu livro de astronomia, resolveu acudí-la.
–Ele perguntou de onde você é e se falava japonês. Deixa comigo. – A seguir Rennan pronunciou outras palavras em japonês que Luna entendeu ser a resposta deste.

Ela olhava para Kenji de forma curiosa. O homem cuja linguagem era o Japonês vestia um kimono completamente branco, com um casaco fino de mesma cor sobre ele. Nos pés o estereótipo chinelo de madeira. Kenji era um homem alto de uma pele negra e consistente, seus olhos ocidentais eram sérios e o cabelo crespo se dividia em múltiplas tranças que coladas ao couro cabeludo desciam de forma paralela até a nuca.
Luna forçou a omissão do estímulo pela piada.
–Agora entendi o que você quis dizer.
–Ele é meio mandão, mas é um cara legal. – Ainda deitado, Rennan voltara a atenção ao livro científico.
–Boku wa Kenji desu, hajimemashite. – Kenji tentava o básico.
–Luna desu, yoroshiku onegai shimasu.
–He Yôkoso, Runa-san.
–Domo arigato gozaimasu!
–Jyaa...Shitsurei shimasu. – Fez uma mensura encurvando o tronco para em seguida virar-se e sair do alojamento.

Luna estava sentada em sua cama, a de Kenji ficava ao lado e Rennan encontrava-se deitado do outro lado do pequeno quarto. Após a saida de Kenji, Luna deu uma olhada nos arredores da instalação. Não haviam casas nem comércios que não faziam parte do monte Fuji até onde a vista alcançava, grandes áreas inabitadas e de vegetação baixa cercavam o monte.

A mulher encostada na parede resistia à vontade de puxar qualquer assunto com seu colega de quarto, uma vez que o mesmo parecia entretido de mais com sua leitura. Mas logo ele deviou o olhar a ela, flagrando-a fitando seu rosto. Envergonhada ela tentava disfarçar mirando outra direção.
–Me pergunto o que teria nessa mala aí do lado, pra você tratá-la tão carinhosamente.
–Corpos mutilados. –Ela arregalou os olhos imitando uma expressão maníaca.
–Puts! Ao menos se ficarmos presos lá em cima teremos o que comer. – Ele entrou na brincadeira.
–Sabe, meu tio amava astronomia, era o sonho dele seguir nessa carreira, mas no Brasil é uma profissão muito desvalorizada e então se formou no ramo tecnológico, e deixou o estudo dos astros como seu hobbie.- O tom de voz cômico sumira
–E onde ele está agora?
–Suas cinzas você quis dizer. Elas e a de minha tia estão bem aqui, ao meu lado. – Ela observava a maleta.
Rennan não soube como reagir à revelação e até cogitou que pudesse ser outra brincadeira, mas a cara da mulher parecia séria de mais para arriscar.
–Bem, sinto muito. Mas... –Foram interrompidos pelo som da porta corrida de entrada batendo na parede.
–Tadaima!
Luna se levantou e foi cumprimentar a proprietária. Antonia era uma senhora de 60 anos de cabelos grisalhos, olhos puxados e corpo arqueado, ela segurava de modo desajeitado um gordo e peludo Elvis e trazia um saco de compras carregado por kenji.

Mais tarde naquela noite. Todos se encontraram na sala recheada de equipamentos trazidos pelos inquilinos, sentados em almofadas, eles comiam o macarrão de copo fornecido pela dona Antonia enquanto se conheciam melhor. Kenji foi quem chegou primeiro na noite anterior, em seguida Rennan de manhã e no mesmo dia à tarde, Luna.
Kenji nasceu no Japão, era adotado e apreciava a preservação dos bons costumes, tinha uma esposa que graças ao trabalho não pudera acompanhá-lo nessa jornada, que por acaso era o sonho de Kenji desde pequeno.
A senhora Antonia também nasceu no Japão, mas trabalhou por muito tempo no Brasil até voltar ao país de origem. Não possuía família, seus primos sequer ligavam para a simpática velinha. Passar a maior parte do tempo na cabana que alugava em tempo integral era uma forma de ter companhia.
Rennan era um mochileiro que adorava explorar todos os cantos do mundo. Mas dentre todos, o Japão sempre fora seu maior desejo. Ele conheceu Antonia no tempo que ela esteve no Brasil, e foi justo numa conversa entre ambos sobre as belezas do Japão que Antonia tirou a ideia de um aluguel no monte Fuji. Rennan não era de criar laços amorosos para não ter que largá-los após o termino de sua visitação em determinado local. Essa era a segunda vez que ele subiria o Monte, na primeira era auge de verão e haviam tantas pessoas que pouco pode aproveitar.
Luna contou que assim como Kenji, era adotada e nunca conhecera seus devidos progenitores mas foi criada por um casal de grande coração. E havia somente uma vez em que dera seu coração a um indivíduo, que após um tempo a trocou pela secretária particular. Devido a isso ela decidiu nunca mais se deixar levar por sentimentalismos. Rennan notou que ela não mencionou a respeito do conteúdo da mala, nem seus motivos por estar nesta cabana agora.

...

Eram 11 da noite quando Luna acordou com o suave barulho da chuva nas telhas do teto. Kenji dormia completamente torto, com seu cobertor jogado em um lado e o travesseiro fora da cama no outro, Elvis se aconchegava no vão entre a coxa e a batata da perna do japonês. A cama de Rennan estava vazia e bagunçada, imaginou que ele estivesse no banheiro. O sono se recusava a expor sua face, decidiu então abrir a porta corrida e sair da cabana. Na fachada encontrava-se um teto de madeira sustentado por finos cabos de mesmo material, era uma espécie de mini varandinha a qual se atravessava para ter acesso à porta e que agora serviria como um protetor para a chuva enquanto Luna apreciava a paisagem ao longe. Mas de imediato ela descobriu que não fora a primeira a pensar nisso, pois logo ali estava sentado um pensativo Rennan.

–Não consegue dormir? – Ele disse sem se mover.
–Não. E você?
–Na verdade eu estou com sono, mas também adoro ter momentos de vislumbração como este.
–Quando chegarmos no topo do Japão, vislumbração é que não vai faltar.
–Tomara que essa chuva pare logo, se não, vai ser perigoso subir as rampas molhadas da montanha.
–Ta bem frio aqui, só um instante.
Luna voltou para dentro apressadamente e em seguida ressurgiu trazendo consigo os cobertores dela e dele. Ambos estavam sentados, um com o ombro colado no outro pelo frio, os dois estavam encolhidos agarrados a seus cobertores. Após um tempo sem falar nada, apenas fitando a noite cortada por fracas luzes emitidas de postes distantes, Rennan começou:
–Por que não disse a eles?
–Eu só me sinto desconfortável, eles podem acabar pensando coisas de mim. – E antes que Rennan perguntasse ela continuou. – Sabe, eu nunca conheci meus pais verdadeiros, a mulher que me criou disse que logo depois que perdeu seu bebe durante o parto, um casal me deixou em uma cesta na frente de sua porta. Segundo ela, fui nada mais que um presente de Deus, disposto a compensar o filho que a tirou.
–Que bom pra ela.
–Sim, é uma mulher maravilhosa e de bem com a vida.
–E você nunca quis saber dos seus pais reais?
–Eles nunca quiseram saber de mim, não vejo por que correr atrás de pessoas assim. Além do mais eu sempre fui muito bem cuidada pela família adotiva, ainda tinha meus tios que sempre iam me visitar e compravam tipo, tudo que eu precisava. E além do mais, minha mãe sequer sabia seus nomes, mas disse que assim que eu quisesse poderia procurá-los, embora eu reusasse mover um dedo por eles.
–E por acaso, estes na mala, seriam..? – Rennan ponderou.
–Minha tia morreu de câncer quando eu tinha 10 anos. O marido dela, irmão da minha mãe continuava a me visitar , embora eu notasse que ele tentava sempre em vão esconder sua enorme tristeza quando estava perto de mim. Eu sempre ficava dizendo para minha mãe que o “Tio Fernando” era ótimo segundo pai para mim. Até que ele também faleceu, 3 anos mais tarde graças a um acidente de trabalho.
–Caramba, é uma história muito triste. E o marido da sua mãe adotiva?
–Sei-lá, ele também era um cara legal, mas muito ocupado. Ela disse que se não fosse pela gravidez ele a teria deixado, e que no dia do parto ele não conseguiu comparecer por que o avião não pôde decolar graças ao mal tempo. Mas que ainda sim, o André me aceitou como sua legítima filha.
–Bom, parece que tirando seus tios, você e sua família adotiva até que acabaram em um final feliz, certo?
–Sim, e eu não os trocaria por nada.
–E como eles vieram parar dentro daquela mala?
–Quando eu tinha 12 anos, meu tio disse que ele e sua esposa uma vez subiram no topo do monte Fuji, e lá deixaram várias cartas, que cada um fez durante o tempo que estiveram juntos declarando seu amor um ao outro. Ele disse também que se pudesse escolher um lugar para seu descanso eterno, seria lá.
–E então você decidiu realizar o sonho dele.
Luna se espremeu para mais perto de Rennan.
–Ninguém concordou comigo, disseram que era perigoso, eu poderia derrubar os jarros, ou quebrar, que eles deviam ficar em cemitério como todos os outros, sendo guardados pelos anjos...
–Você os roubou?
–Se eles estivessem vivos, sei que seria exatamente o que queriam que eu fizesse.
Uns segundos de silêncio e reflexão surgiram para depois serem rasgados com a voz de Rennan.
–Entendo. Sabe, eles têm razão, isso é muito arriscado. – E antes que Luna pudesse protestar, continuou.- Mas é uma das coisas mais legais e corajosas das quais ouvi falar, você é uma mulher e tanto.
Encabulada, Luna desviou o olhar. Rennan aproximou seu rosto dela e beijou-lhe a bochecha para em seguida se levantar e desejar boa noite. Luna ficou por mais uns minutos pensando em tudo que havia falado, até voltar para sua cama também. Assim que se ajeitou no amontoado de tecidos, ouviu do outro lado do quarto uma voz sonolenta dizer.
–Obrigado...Por confiar em mim.
Ela fez uma cara contente e depois de algum tempo, disse.
–Eu só tive a impressão de que...você valeria a pena.
Mas essas palavras foram mais para si mesma, pois ja era possível ouvi-lo roncar.

Todos foram acordados pela Dona Antonia, Rennan pegou a moto de Luna emprestado e voltou à cabana com pães de melão e café que todos tomaram com gosto para se aquecer, ainda que essa fosse uma manhã menos fria que as antepassadas. Os 3 companheiros ajeitaram seus equipamentos, comidas, cumbucas d’água e agasalhos nas mochilas. Rennan se ofereceu para levar uma das jarras em sua mochila enquanto Luna levava a outra sem que ninguém visse-os colocando.
O objetivo era chegar ao topo antes do sol e para isso deveriam partir o quanto antes. Dependendo da acessibilidade da trilha, a caminhada poderia levar de 5 a 8 horas até o gume.

Todos trajavam botas duras de montanhismo, casacos grossos, calças quentes e óculos protetores. Eles começaram a subida pela trilha, não era permitido escalar fora dela, para que a vegetação não fosse danificada, mas como era uma época sem nenhum visitante, não havia quem os flagrasse. Ao longo de toda a trilha se encontravam cabanas comerciais, algumas para o descanso, outras para comer e muitas para que os turistas pudessem usar o banheiro.
A escalada era exaustiva, forçando o grupo a parar por hora para descansar. Já estavam Há 3.040 metros do nível do mar quando pararam para comer. Chocolates, barras de cereais, tudo que lhes pudesse fornecer energia era aproveitado.
–Aaah, isso é muito cansativo, vocês não querem parar pra acampar? Amanhã continuamos. – Rennan brincava, porém com o a cara seriamente cansada.
–Ha! Até velhinhos aguentam subir isso aqui mais que você, seu fracote. –Luna se esforçava para não ofegar enquanto dizia.
–Ah, é?

Rennan que antes estava quase deitado no banco de descanso, levantou-se bruscamente após ser ofendido e catou as 3 mochilas que foram deitadas no chão e com um falso vigor recuperado do nada ele seguiu em ritmo acelerado montanha acima com as 3 mochilas desajeitadamente, todas jaziam mais vazias que antes pois os alimentos foram consumidos e as roupas estavam agora todas sendo utilizadas para proteger do frio que assombrava à medida que se afastavam do solo, ainda sim Rennam só resistiria carregá-las por 4 minutos até cair no chão desistindo da tarefa. Luna sabia que maior parte daquele "cansaço" era apenas para o divertimento do grupo e que de todos ele era o mais resistente.
Kenji seguia falando raríssimas vezes, algumas perguntando algo sobre Luna ou Rennan, outras lançando carregados “ooh” quando se deparava com uma linda vista. E de fato a vista la de cima era de se suspirar.
A trilha era feita de cascalho, terra e algumas partes eram degraus constituídos de pedra ou aço postos provisoriamente pelo deslizamento de algumas rochas do vulcão antigo.
Mas a parte mais perigosa viria a seguir, pois Há 80 metros de chegar até o topo do antigo vulcão, as camadas de neve começaram a aparecer.
Todos passavam com o máximo cuidado até serem surpreendidos por uma um trecho no qual era impossível saber por onde percorria a trilha graças ao amontoado de neve que o escondia. Kenji olhou pra cima, e conversou algo com Rennan apontado para o topo, em seguida Rennan virou-se para Luna.
–Ele disse que o melhor jeito é pegar nossas machadinhas e escalar essa parede até o topo, mas a neve não está 100% congelada, então é melhor tomar o máximo de cuidado possível, o Kenji vai na frente, ele é o mais experiente nisso, você deve observar onde ele finca a ferramenta e imitá-lo. Ok?
–Deixa comigo, se você consegue deve ser fácil.
–Só não vai cair em cima de mim, ein!
Então a escalada até o pico se iniciou, Kenji mostrando maestria ao pisar nas rochas certas e ignorar as suspeitas. Atrás dele vinha Luna, que possuía dificuldade em acompanhar, logo em seguida Rennan, que decidira ficar em baixo caso algo acontecesse a Luna.
O grupo seguia com dificuldade, quando Kenji finalmente alcançou o topo, se arrastando para a borda ele largou sua machadinha e se virou estendendo o braço para Luna que vinha adiante, ela se sustentou em apenas uma das ferramentas para que pudesse erguer o outro braço a Kenji, mas a ferramenta fora mal alocada e o gelo nela fincada cedeu levando Luna a uma queda enquanto arrastava sua barriga na parede de pedra e neve, Rennan pensou rápido e em movimentos arriscados se balançou para o lado para não ser atingido em cheio por Luna, uma vez que nesse curto tempo ela passara por ele, Rennan deu outro impulso, dessa vez de encontra à ela, e antes que a mulher passasse completamente, destino queda livre, ele se suspendeu em apenas uma mão e com a outra agarrou o braço de da Mulher. Tamanho era o esforço que precisava fazer para sustentar tanto a si mesmo quanto a ela, que seu braço doía, seus pés estavam escorregando e caso acontecesse, a força apenas da mão não seria suficiente.
–Luna! Usa o machado, não to aguentando! – Luna estava tão assustada que perdera os sentidos por um tempo, até ser desperta pela voz de Rennan que a auxiliara a se prender a uma rocha aparentemente estável pouco acima.
–Eu perdi o outro.- Dizia ela com a única machadinha fincada no local indicado pelo homem e com o braço ainda segurado por ele.
–O Kenji vai te jogar o dele, você vai precisar me soltar pra pegar. Acha que consegue?
–Acho que sim. – Era preciso gritar graças ao vento que soprava incessantemente à aquela altura.
Kenji então jogou uma de suas machadinhas mirando a mão de Luna, que assim que contou ser o tempo certo, largou o braço de Rennan e segurou com sucesso o cabo fincando-o de imediato em um vão de rochas.
Ambos chegaram exauridos pelo ocorrido no topo, Rennan deitara na camada de neve para descansar, estava muito ofegante quando Luna em um assalto inesperado se jogou em cima de Rennan abraçando-o em um símbolo de gratidão.
Ele retribuiu a envolvendo, até soltar um gemido de dor e a fazer se afastar assustada.
–O que foi? – Se mostrava preocupada
–Acho que feri sério minha perna.
–Deixa eu ver.
Luna levantou a calça até achar um corte aberto do lado da canela cujo sangue precisava ser estancado. Ela pegou em sua mochila seu Kit médico e com sabedoria limpou o ferimento para em seguida por a bandagem.
–Acho que foi a maldita ponta da pedra que eu não vi quando tentei apoiar os pés aquela hora.
–Nós dois quase morremos e você acabou ferido por uma droga de fincada errada com a droga da machadinha.
–É melhor deixar esse tipo de coisa pros adultos, sabe?
Ele era erguido por Kenji e Luna.
–Ah cala a boca.
Eles sorriram.

Pararam por um tempo e apenas observaram a linda paisagem que estava diante de seus olhos. Era como se estivessem flutuando junto às nuvens que formavam colunas pouco abaixo do nível de seus pés.
–E pensar que estamos no topo do Japão. No lugar mais histórico em relação a esta ilha gigante. – Dizia um empolgado Rennan
–Kore wa... subarashi desu! Ne, Rennan-san, Runa-san?
–Hai, hai. “Runa-san” concorda. – Dizia ela comicamente.

Após muito se admirar e descansar, Kenji se espreguiçou para então cativar o grupo.
–Yosh! Ikkusou, minna!
Rennan decidira andar sozinho utilizando um bastão japonês que achara no chão.
–É, eu não sabia que uma simples visão do mundo poderia transformar alguém tão chato e certinho.
–Ah, deixa de ser chato você, ele tá se divertindo.
–Sim, sem dúvidas essa ultima escalada foi muuuito divertida. –Ressaltava em tom dramático.

No gume da montanha absolutamente tudo estava encoberto de neve, haviam muitas barracas comerciais, itens típicos da cultura japonesa e alguns resíduos de lixo ao lado delas, um observatório, uma cabine telefônica (Ainda que puco usada devido à existência de celulares) e um restaurante simples de Madeira. Estavam a 3.776 metros do nível do mar. O ar rarefeito era difícil de se respirar, ventava constantemente e a temperatura era de 2 ºC. O Solo era enegrecido e muito inconstante. No centro do pico a colossal cratera repousava em uma formação incrivelmente esbelta.

O trio passeava com dificuldades pela mistura de neve, cascalho e buracos com o qual era formado o solo. Após todos tomarem uma dose de um quente café, o celular de Rennan tocou.
–Senhora Antonia, estamos no topo! Ele sequer permitira começar a frase. – Sua barraca? Ok, me diga como ela é.
Então Rennan começou a andar procurando por ela, ele não deu explicação ao grupo, apenas ouvia as instruções da senhora e prosseguia. Rennan então parou em frente a uma barraquinha velha vazia de itens dentro, parecia inutilizada a anos e possuía o nome “Dona Antonia” escrito na madeira.
–Achei, o que faço agora?
Então ele se pôs na frente da portinhola para depois voltar a dar seus passos enquanto repetia o que lhe era informado
–12 passos na direção da cratera, ok.
Kenji e Luna sem entender nada apenas o observavam curiosos. Rennan olhando pro chão e contando seus passos parou quando se deparou com a borda do enorme buraco antes orifício. A borda é uma das partes mais elevadas do solo e por isso incontáveis buracos eram encontrados, mas em frente a um deles Rennan estava parado, ele se ajoelhou e disse:
–Entendo, eu direi a ela. – Sem desligar o celular, Rennan se virou para Luna.
–Acho que isso é para você.
Luna então, como se se achasse boba por não ter percebido antes comentou:
–Espera, é o que eu acho que é?
–Ela só disse que era pra você.
Sem dizer mais nada, a carioca tomou o lugar de Rennan e investigou uma saliência coberta de neve, após algumas cavadas, descobriu-se uma abertura por onde Luna pode por a mão, ela tateou o conteúdo dentro e em seguida o puxou para fora.
Era uma caixa de madeira, com um marrom vivo pintado, na tampa fora colada um adesivo com os nomes “Fernando” e “Ana”.
–Sim... são dos meus tios! - Mal abrira e a emoção ja tomava conta de suas feições.
carinhosamente ela destampou a caixa e expôs o que ali jazia. Anéis, desenhos, cordões, fotos e cartas. Deviam ser em torno de 20 folhas espalhadas, todas escritas por Ana e Fernando endereçados entre si.
–Luna, a Velha quer falar contigo. – Estendeu então o celular à amiga.
Procure pela carta dobrada com uma lua desenhada.
Com a curiosidade em achar a carta maior que de saber como Antonia poderia conhecer seu conteúdo, Luna obedeceu. Ela então encontrou a tal carta e a puxou para fora.
Rennan e Kenji se sentaram e nada disseram, apenas contemplaram a cena inexplicada.
Após apenas alguns segundos de leitura, Luna já estava com as mãos trêmulas, lágrimas escorriam contra sua vontade e tornavam-se geladas na maçã do rosto.

Luna descansou a carta na coxa, ela olhava para o horizonte com um rosto emotivo e confuso.
O que você leu é a mais pura verdade, Luna.
–Mas, por que?- A voz tremia.
Fernando e Ana se hospedaram aqui na cabana também. Eles eram um casal animado e apaixonado. Você devia ter uns dois anos nessa época. Me contaram sobre tudo e pediram que eu te levasse até essa carta.
–Luna, o que houve? – Rennan se agachara ao lado dela, mostrando-se preocupado.
Luna abaixou o celular ao peito, olhou para Rennan e com uma voz quase falha disse:
–Os meus tios, esse tempo todo, é que eram meus verdadeiros pais!
Ela repôs o celular ao ouvido e continuou a questão dolorosa.
–Por que? – Era difícil conter as lágrimas.
No dia do seu parto, após uma averiguação foi encontrado um tumor maligno no cérebro de sua mãe, os médicos disseram que ele havia acabado de passar do estágio removível e que residia em uma área cuja não era possível fazer mais nada a não ser esperar pela morte. Seus pais ficaram muito abalados com essa revelação e preocupados com o que fazer com você, afinal eles não ti queriam ainda muito nova passassando pelo trauma de perder sua mãe. Foi quando eles pensaram na Julia. Uma grande amiga do casal que acabara de perder o filho, seu parto foi tão perigoso que os métodos usados para fazer o bebê sobreviver teriam altos riscos: Seu órgão reprodutor teria de ser inutilizado. Ela ainda poderia ter relações com o marido, mas jamais teria outro filho. O problema vem quando esse filho salvo pelo método acaba falecendo meses mais tarde por insuficiência respiratória, seu marido que só havia desistido de deixá-la pela gravidez ainda nao sabia sobre o parto. Julia temia perder o marido após perder seu filho e a capacidade de gerar um outro, o que a fez entrar em depressão. Ana e Fernando souberam da história, viram o quão mal era o estado de sua velha amiga e decidiram deixar a guarda de sua filha com ela. Eles sabiam que Julia a amaria como legítima, e que dessa maneira você não precisaria sofrer a morte vindoura e lenta de sua própria mãe, quando que ela e seu pai poderiam te visitar, comparecer aos seus aniversários e te ver crescer bem de pertinho. – Antonia respirou fundo. – Tudo que esses jovens fizeram foi pensando em te dar uma felicidade ao lado de pais cujo futuro seja menos sombrio, ainda sim, te fizeram amar a eles como seus pais de coração, sem que soubesse que eram de fato, de sangue também.

O frio enrijecia a pele, a gota que brotava nos olhos arqueava pela curvatura da bochecha passando de quente à dolorosamente fria. Luna ja conseguia controlar-se, Rennan se manteve abraçado a ela deixando-a que chorasse em seu peito, Kenji meditava diante da beleza da paisagem ao lado de ambos.
–Tudo o que você precisa fazer agora é viver muito bem sua vida, vida essa que eles criaram com tanto carinho, para que seguisse em frente. E eu imagino que seja exatamente isso, que os fará descansar em paz.
–Eu sei, só me odeio nesse instante por nunca perceber as caras tristes que faziam, quando eu falava mal de meus pais na frente dos próprios. E me odeio principalmente, por nunca poder dizer “Eu te amo” a eles. - Os olhos voltaram a brilhar - E agora, não posso sequer tocá-los.
Os Jarros foram encaixados na mesma saliência da caixa, onde a capacidade de percepção era dificultosa pra quem tentasse ver algo lá dentro.
Todos observavam pensativos. Luna deu um leve sorriso apesar da cara ainda inchada pela tristeza.
–Mas de alguma forma..sinto como se eles estivessem bem aqui, abraçados a mim.
Pássaros formavam um “V” enquanto suas silhuetas eram lindamente destacadas na coloração do céu, tingido pelo sol que ja alcançava seu limite da visão e despejava consolo em um lindo Laranja escarlate.


...


Ola minha princesa, aqui é o pai mais legal do plano térreo.
E aqui é a sua mãe super linda (Só que não).

Como você está agora, meu projetinho de pessoa?
Só queríamos saber se está bem, com quantos anos será que está agora? Ainda gosta de brincar com seu macaquinho de pelúcia? E o mais importante.. Está seguindo seus sonhos?

Não deixa esses babacas se aproximarem de ti, ein. Se algum cara chegar perto, dê-lhe uma cacetada! Ou ande com uma Katana nas costas, acho que eles vão pensar duas vezes antes de qualquer coisa.
Seu pai é um exagerado, não escuta ele. Apenas procure por um cara legal, um que arriscaria a vida por você, hipnotize-o e então case-se com ele. ;]

Desde os tempos de escola, eu e sua mãe planejávamos sua existência. Como iríamos te educar; que escolas você deveria ficar; se usaria roupinhas roxas ou vermelhas... Mas não pensávamos que sua mãe passaria mais tempo planejando sua vida que cuidando dela propriamente. Mas não se preocupe, eu estarei ao seu lado. Você será meu pedacinho dela.


Ontem te deixamos com a nossa querida amiga Julia. Foi difícil fazer você parar de chorar toda vez que eu a entregava a ela, dissemos que seu nome seria Luna. A menina com os olhinho mais lindos que já vi. Sabemos que ela vai cuidar de você com muito amor. Mas não se preocupe também estaremos lá cuidando da nossa luazinha, mesmo que talvez nunca saiba disso.


Onde quer que esteja, o que quer que esteja passando de doloroso e por mais fria que esteja sua alma. Espere o sol cair de cansasso, quando ofegante ele libera rugidos numa bela mistura de laranja e escarlate.
Após isso queremos que enxugue suas lágrimas geladas, olhe para os dois pontos mais brilhantes do céu e deixe nosso calor inundar esse seu coração perdido.
Pois sempre estaremos lá, na imensidão noturna a te observar... E dessa forma jamais morreremos.


De seu paizão Fernando.
E Sua maezinha Ana.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Laranja escarlate [Fic de drama]" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.