Vê-Lo Outra Vez escrita por Kis Vasco


Capítulo 4
Solidão e Café De Novo




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Às 6h o meu despertador tocou, irritantemente, e Guilherme o desligou. Ele me puxou para si novamente. Eu estava quase decidida a permanecer nos braços dele quando lembrei que eu tinha um trabalho. Eu me levantei e senti a brisa fria da manhã que entrava pela janela entreaberta. Guilherme e eu nos vestimos e tomamos café juntos, ele trabalhava por conta própria e não tinha horário para nada, então não estava muito acostumado a acordar cedo, mas não demonstrou mau-humor e acompanhou meu ritmo. Fazia mais frio que no fim de semana, a moça do tempo havia falado que uma frente fria ia chegar e eu estava lutando contra mim mesma para não voltar para cama, mas saí para o trabalho e Guilherme foi para sua casa.

Meu trabalho quase conseguiu distrair minha mente, mas nem ele nem todos os copos gratuitos de café que eu tomei tiraram Jordan da minha mente. Eu queria morrer por isso, por pensar nele, nos olhos dele e em como estava feliz. Me culpava mais por pensar se ele também pensava em mim. Não produzi no trabalho e Guilherme me buscou na saída.

– Vamos pra minha casa hoje.

– Acho que não. - respondi, cansada.

– Acho que sim.

– Eu estou cansada e chata e eu não vou ser uma boa companhia. - argumentei, mas no fundo eu queria que ele me puxasse pela mão e me colocasse na moto dele.

– Você é sempre uma boa companhia e você está sempre cansada e chata, também. - Guilherme retrucou e me beijou.

No fim das contas, ele me levou até a casa dele e cozinhou para mim. Guilherme cozinhava extremamente bem, tinha um paladar sensível e me ensinava sobre várias culturas gastronômicas. No fim do jantar, eu estava quase rindo e ele me pegou no colo, me levando para seu quarto. O quarto era grande e bonito, e havia três enormes janelas, de onde dava para ver boa parte da cidade iluminada.

– Eu quero olhar a cidade. - Sugeri.

– O que?

Levantei e abri a janela do centro, tomando um gole de ar urbano.

– O que? - ele repetiu.

– Acha que as pessoas estão felizes?

– Eu não sei. - Ele me abraçou por trás, observando a cidade também.

– Eu gostaria de querer que todo mundo estivesse absolutamente feliz, mas a verdade é que eu quero que tenham pessoas na mesma situação de infelicidade que eu. Isso é muito egoísmo?

– É, mas isso é normal.

– Tem certeza?

– Tenho, pelo menos você é sincera.

Ele me puxou de volta para a cama e nos sentamos no escuro.

– Eu estou triste, você percebeu? - confessei.

– Qualquer vegetal percebe. O que aconteceu?

– Eu desperdicei as minhas chances, todas elas. De ser feliz, de não ser sozinha... Desperdicei, as joguei num lixo público e saí. Eu sempre soube que seria assim. Por que eu fiz isso?

– Você não está sozinha agora. Está comigo. Né?

– Não é isso o que eu digo. O Jordan está feliz... ele tem uma família, sabia?

– Você viu o Jordan? Sério? É por isso que tá assim?

– É, é por isso. Algum problema?

– Não, tudo bem, vem aqui.

Eu me deitei sobre o peito dele e fiquei olhando para o teto enquanto ele desabotoava minha camisa.

Guilherme estava respirando ao meu ouvido, a janela me encarava com todas as suas luzes. Estava nebuloso no horizonte e percebi que eu precisava de café e solidão. .

– Ei, eu vou embora. Eu preciso ficar sozinha.

– EU não posso ficar sozinho, por favor. - ele confessou, me puxando, mais uma vez, com as duas mãos firmes.

– Não precisa mais que eu fique. - Afirmei, recolocando meu tênis, decidida.

– Não é isso, o que você acha? Acha que eu só quero transar com você? - Ele perguntou, com um tom de indignação que não me convenceu.

– Não, você é meu amigo e tudo mais, mas eu realmente preciso ficar sozinha.

– O que eu fiz de errado?

– Eu só preciso... - consegui dizer antes de ter a garganta fechada por um nó. Saí com as lagrimas ainda querendo pular para fora de meu corpo. Parei, encostada num poste. A rua estava vazia e a noite soprava fria. Guilherme parou atrás de mim.

– Se você voltar, eu te faço um café. Deixo você ficar no melhor lado da cama... - Ele pediu. Eu permaneci quieta. - Eu te mostro umas coisas que escrevi, você lê?Eu toco a música que você quiser. Só quero ficar com você hoje. Porra... Por que prefere tanto a solidão a mim?

Eu realmente estava preferindo a solidão, nos últimos vinte e cinco anos da minha vida. Voltei com ele para casa e ele me fez café, me mostrou poesias que tinha escrito e tocou para mim uma porção de músicas nostalgicas. De fato, me deixou ficar no melhor lado da cama e fez com que eu me sentisse melhor por algumas horas. Eu sabia que Guilherme não era apaixonado por mim, tampouco eu por ele, mas ele me deixava em sintonia e às vezes valia a pena estar com alguém que me fazia sorrir fácil porque me conhecia bem o suficiente pra isso.

No dia seguinte, Guilherme me levou até o trabalho, mas eu não fiquei para ver se ele foi me buscar. Não atendi aos telefonemas dele nos cinco dias seguintes e ele provavelmente desistiu. Voltei a tomar café sozinha, como sempre. Joguei fora o número do Jordan, que eu não havia decorado ainda, e ele não me procurou também, nunca mais. Fiquei com a lembrança daquela família tão bonita dançando em minha mente por muito tempo, mas acabei estabilizando meus sentimentos novamente. Eu disse que Guilherme me conhecia, então não, ele não ficou com raiva. Nos encontramos meses depois e ele me fez bem de novo, me fez amor de novo, me fez sorrir de novo e até me fez poesia.

A vida é como você escolhe que ela seja e a tristeza é um vício tanto quanto a cafeína.


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