Em Família escrita por Aline Herondale


Capítulo 3
À Casa Ele Torna


Notas iniciais do capítulo

Olá,
Consegui postar o capítulo dessa semana. Me esforçarei para isso acontecer semanalmente, sendo bem provável que poste as quarta-feiras ou então nas sexta.
Bom, espero que gostem!



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Após servido o almoço muitos – a maioria sendo parentes – insistiram em permanecer na casa; acreditando que suas presenças confortaria à mim e minha mãe. Não podiam estar mais errados. Eu mal podia esperar para o momento em que todos fossem embora.

Subi para o meu quarto, avisando à Senhora Deville que precisava dormir, caso minha mãe sentisse minha ausência. Algo pouco provável mas ao ver das dúvidas, avisei minha babá de anos.

Com a vista cansada pelo constante preto, tirei meu vestindo e procurei algo numa cor clara. Encontrei o vestido branco que usara mais cedo, estendido sobre a cama, e aceitando o falso pedido do meu íntimo, de que talvez assim o tempo voltaria à antes do acidente, antes de tudo acontecer e meu mundo virar de cabeça para baixo, vesti-o.

Como uma forma de passar o tempo, procurei por todos os meus sapatos que havia ganho durante todos os meus anos. Dezessete no total – começando desde o menor número, quando eu ainda se quer tinha condições de andar. Alinhei-os sobre a cama, formando uma meia lua e deitei-me entre eles. Abracei meus joelhos.

Eu ainda não acreditava que, durante todos esse anos, fora a Senhora Deville responsável por uma das melhores coisas da minha vida. Não estava chateada apenas...decepcionada. Meu pai, então, afinal não era a pessoa que eu acreditara ser. Não era o responsável pelos presentes. Eu sentia que era afagada sempre que a pessoa que me dava o mesmo presente, escondia-o todo os dias no dia do meu aniversário e me deixava procurá-lo.

O sapato fora algo que havia me acompanhado durante toda a minha vida. A pessoa que fizera isso, fizera porque me amava muito. E eu queria que tivesse sido ele. Por dezessete anos, como um ritual, nunca usei nenhum outro calçado, apenas meu Oxford preto com branco. Doentia? Talvez, mas eu não me importava. Só queria mostrar que eu tinha um amor incondicional pelo sapato e pela pessoa que o havia me dado.

Passei os próximos minutos, que logo se transformaram em horas, pensando sobre meu pai. E mesmo depois de todos esse tempo ainda era possível escutar o pisar dos convidados sobre a madeira.

O sol já havia partido e os mesmos parentes continuaram, de forma insistente, na mansão. Retornei ao primeiro andar, vestindo novamente o monocromático preto e caminhei entre os cômodos, chegando a conclusão de que ainda faltavam muitos para a mansão esvaziar.

– É um desrespeito ele não estar de preto no funeral do próprio irmão. – Ouvi uma voz feminina, e não conhecida, atrás de mim.

– Ele deve ter chegado hoje, do Leste. – Um tio respondeu. Atravessava a sala de jantar até o recinto onde ficava o piano.

– Me disseram que ele estava numa escavação antiguista Indu. – Escutei outro comentário sussurrado.

–Não, acho que ele estava numa escavação bem diferente. Ouro na Indonésia... – E outro comentário.

Nesse momento a voz da minha mãe, agradecendo o padre sobre o discurso, fez-se ser ouvida ao meu lado e virei o rosto à tempo de enxergá-lo com ela e o padre saindo do escritório do meu pai, caminhando na minha direção. Abaixei a cabeça e avancei rápido. Fingi olhar pela janela e pelo reflexo do vidro o vi parar no meio da sala, deixando minha mãe e o padre caminhar sozinhos. Ele virou o rosto para a mesa de jantar e fiz o mesmo movimento, curiosa para saber o que havia chamado sua atenção. Precisei esticar o pescoço pois meu tio caminhou até o centro do recinto parando ao lado da mesa em que estava servido os aperitivos. Imaginei que apenas iria pegar um aperitivo quando dei um passo para trás e avistei o inesperado.

A Senhora Deville, mostrava uma expressão de pavor, como se estivesse de frente com a própria morte.

Com as mãos nos bolsos ele se aproximou dela e ficaram frente à frente. Não tive certeza se trocaram palavras já que as costas largas do meu tio taparam toda a visão da minha babá mas, de repente, Charlie se virou e me pegou bisbilhotando-o.

Tinha um sorriso no rosto.

Mesmo eu tendo abaixado meu olhar no momento em que ele virara de frente para mim, nossos olhos se cruzaram por míseros segundos, sendo o suficiente para ser pega no flagra.

Contornei o casal que conversava entre mim e ele e andei em direção à cozinha.

Por algum motivo quis olhar para trás e o encontrei apertando as têmporas com as pontas dos dedos. Seu sorriso era de deboche. Então, como se sentisse meu olhar sobre ele, ele levantou a cabeça lentamente em minha direção. Tornei a caminhar até a cozinha sabendo que ele encarava minhas costas. Pega no flagra mais uma vez. Ótimo.

O som de passos distintos, me seguindo, fizeram com que eu desse passadas mais rápidas até a porta da cozinha. Eu não havia escolhido a cozinha ao acaso, dessa vez. Havia visto minha mãe ir até lá e tinha certeza de que ela não gostaria de deixar meu tio sozinho nesse “momento tão difícil”. Bastou ele entrar no recinto que logo ela o chamou e admitiu o estar procurando. Ele não conseguiria despistá-la tão fácil.

Saindo para os fundos, me certifiquei de fechar a porta e dei a volta na casa, pelo lado de fora, entrando novamente pela porta principal. Sentei-me ao pé da escada. Meu coração palpitava forte e precisei respirar algumas vezes até finalmente conseguir acalmá-lo.

Eu estava ficando paranóica?

– Olá de novo. – Sua voz me assustou, vindo do topo da escada. Pulei no mesmo lugar e girei a cabeça rápido demais. Charlie estava parado no início da escada, com uma taça de vinho numa mão e segurando o corrimão com a outra. Questionei me se aquele seu sorriso lhe havia sido tatuado.

– Como chegou ai? - Questionei deixando transparecer um pouco de indignação na voz.

Ele riu antes de responder, gesticulando com a taça que segurava na mão esquerda: - Pelo jeito conheço a casa melhor do que você.

Fiquei de pé, o encarando de baixo. Permaneci em silêncio e mantive a expressão dura.

– Sabia que é muito feio ficar seguindo tios? – Me repreendeu. Seu sorriso crescia no rosto, transmitindo-me a idéia de que fosse o único que soubesse de algo, como se estivesse brincando comigo de algum modo. Não gostei daquilo e pensei numa resposta espinhosa.

– Seria feio se, pelo menos, soubesse que tinha um tio até hoje.

Meu tio apenas olhou para o local do corrimão em que estava depositado sua mão livre e perguntou sem me encarar: - Quer saber por que está em desvantagem, agora?

Levei alguns minutos para tentar entender as entrelinhas daquela pergunta. Não entendi e respondi o que esperava estar certo.

– Por que não sabia da sua existência, até hoje?

– Porque você está abaixo de mim. – Sua voz soou como o de um rei proferindo leis.

Resposta idiota, pensei. E no mesmo segundo soube o que deveria fazer. Comecei a subir a escada devagar, sustentando nosso olhar, até parar ao seu lado. Ele virou o corpo e precisei de alguns segundos para retirar meu olhar dos seus olhos.

Estávamos à um palmo de distância.

Olhei para o próximo degrau que pisaria e assim que o fiz escutei uma risada brincalhona vim dele. Encarei-o e empinei o nariz. Estranhamente, ali, no topo da escada, a mansão ficava silenciosa, como se não tivesse convidado algum. Apenas...nós.

Com a proximidade puder notar detalhes que eu nunca conseguiria, se não feito de perto; seus olhos eram enormes, de um azul claro mas envoltos por uma neblina cinza que lhe dava um ar misterioso. Sobrancelhas grossas mas bem delineadas adornavam suas órbitas e seu cabelo negro estava arrumado para o lado. Parecia ser extremamente macio e afastei a idéia de querer passar as mãos. Todo o conjunto transmitia a falsa imagem de um adolescente na flor da idade, apesar de que era verdade que ele era mais novo que meu pai. Anos, mais novo.

Sua beleza, à Dorian Grey, confunde muito.

Passei os olhos sobre seu paletó, suéter e calça. Ele se quer abriu a boca – senti que também gravava cada detalhe meu mas quando levantei o olhar percebi que estava mais interessado em me olhar no olhos . Sorriu de forma satisfeita fazendo com que eu me sentisse como uma criança.

– Você se parece com meu pai. – Admiti.

Ele, com certeza, não esperava por aquilo pois seu sorriso se esmingou aos poucos.

– Eu sinto muito, Evie. – Respondeu, parecendo sincero. Engoli seco. Ninguém havia desejado isso à mim até agora.

– A perda é sua também. – Lembrei-o, firme.

De repente seu olhar pareceu distante e seus pensamentos não estavam mais ali. Mas depois de três segundos ele piscou, tornando a realmente me ver ali e soltou um misto de riso com suspiro. Começou a descer as escadas ignorando minha presença ali, quando se lembrou de algo e parou no degrau.

– Ah, sim. Daqui a alguns segundos sua mãe vai dizer que passarei um tempo aqui. Mas..eu quero que também seja uma decisão sua. – Disse virando apenas o rosto para mim.

– Por quê?

Um sorriso maroto surgiu nos seus lábios e ele olhou para frente. Parecia escolher as palavras certas e quando pensei que ficaria sem resposta ele tornou a olhar para os degraus e disse:

– É importante para mim.

Franzi o cenho.

Observei meu tio descer as escadas elegantemente enquanto assobiava uma melodia que eu tinha certeza de já ter escutado em algum lugar.

O que ele queria, afinal?...


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Notas finais do capítulo

NÃO ESQUEÇAM DE DEIXAR UM COMENTÁRIO.
XOXO