Em Família escrita por Aline Herondale


Capítulo 27
Epifanias


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente: obrigado Maria pela linda recomendação que você fez para mim.♥
Depois, escrevi esse capítulo o mais rápido que pude. Não queria deixar minhas leitores tão queridas aguardando tempo demais.
E ele acabou ficando maior do que de costume!
Espero que gostem.



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Acordar após uma boa noite de descanso necessário é muito bom, mas a forma como acordei acredito ainda não ter explicação.

Estiquei meus braços e pernas, pisquei os olhos e então percebi que estava deitada no meu quarto. Mas eu não sabia como havia chegado ali. Demorei quatro segundos para me lembrar dos acontecimentos da noite anterior e olhei freneticamente para os lados, nervosa e preocupada. Abracei meus ombros e sentei na cama.

A verdade era que eu estava perdida, sem saber o que fazer, como agir, o que falar. Tudo só piorou quando me lembrei de que também não havia alguém para quem eu pudesse contar o que me afligia. Nem mesmo a Senhora Deville. Nem mesmo se ela estivesse viva.

Mas aquela sensação estava ali, presente, empurrando minhas preocupações para o canto e tomando espaço no meu corpo e mente. Provavelmente eu estava tendo uma prova intensificada do que era acordar de bom humor.

Conclui que ficar ali – sentada na minha cama – eu não resolveria nada então me levantei para molhar o rosto. A menina que eu vi refletida no espelho não era nada parecida com a antiga Evie – esta, de agora, tinha as bochechas rosadas, o cabelo bagunçado de forma...atraente e os ombros não estavam tensos. Ela parecia muito bem.

Pisquei assustada e joguei água no meu rosto, sentindo a água fria escorrer sobre minha pele. E de repente me veio um pensamento que, em outra circunstância eu procuraria um médico: decidi ir ver minha mãe.

Nos últimos dias ela saia pouco, comia pouco e transitava pela casa pouco, ficando reservada somente no seu quarto. Talvez ela tivesse, finalmente, absorvido algo dos meus livros fúnebres que eu li-lhe vez ou outra.

Fiz uma trança de cada lado da cabeça e prendi a ponta com fitas lilás que encontrei sobre minha escrivaninha. Calcei minhas pantufas e sai do quarto, sem me preocupar em vestir o hobby.

Após minha quarta batida na porta decidi entrar mesmo sem a devida autorização da minha mãe. Ela não estava mais dormindo – eu podia escutar seus passos através da porta – e se estivesse me ignorando, precisaria parar agora mesmo. Mas ela apenas estava deitada no divã vermelho que tinha no meio do seu closet agitando as mãos no ar, distraída com seus fones de ouvido.

Não sei o que mais me surpreendeu: o fato da minha mãe conhecer ipod’s e saber usar um – eu não havia lhe ensinado nada sobre essa tecnologia – ou ela ter se virado e aberto um largo sorriso de dentes para mim assim que me viu.

– Oh...que horas são? – Perguntou se sentando e tirando os fones. Passou seus mãos sobre a seda da sua camisola e cabelos, provavelmente querendo arrumá-los apesar de estarem perfeitos.

Não respondi e andei até um dos pufes que tinha ali e me sentei, encolhendo as pernas.

Ficamos num silêncio de alguns segundos.

Eu não sabia porque tinha ido até ali, só sabia que queria estar ali. Com a minha mãe.

– Penteia meu cabelo? – Perguntei após alguns segundos, ambas quietas, e Lena levantou suas finas sobrancelhas. Ela me encarou surpresa e ao mesmo tempo assustada. Depois começou a torcer os dedos e a olhar para os lados, agitada.

– Eu já ia me trocar. Preciso sair para...resolver uma coisa.

– Então eu penteio o seu. – Conclui e ela concordou sem protestar.

– Está usando a camisola que comprei pra você. – Lena disse assim que tirou os olhos do seu próprio reflexo para olhar sua filha que penteava suas mechas loiras arruivadas.

Evie sorriu e ficou calada por um tempo.

– Fiquei com vontade de usar alguma coisa de seda. – Mentiu. A verdade era que nunca gostara de seda, o pano era muito fino e esfriava fácil e ela odiava o frio. Mas sentiu necessidade de mostrar a mãe que ela também usava as coisas ganhadas por ela, para mostrar à mãe que seus esforços em agradá-la não eram em vão como ela acreditava. Evie sabia que Lena precisava ser agradada para ser controlada.

Lena sorriu.

– Pensando bem eu nunca penteei seu cabelo. – A loira arruivada disse quando vasculhou nas suas memórias alguma lembrança da infância da sua menina. – Não é?

– Você estava ocupada. – Evie respondeu simplesmente e Lena juntou as sobrancelhas.

– Com o quê?

– Não sei.

– Você e seu pai sempre viajavam para caçar, como eu poderia competir com todos aqueles pássaros mortos que traziam pra casa? – Lena disparou a dizer enquanto Evie via seu olhar duro direcionado à ela, através do reflexo.

E mesmo que toda aquele momento fosse acolhedor e agradável, Evie se lembrou do acontecimento de alguns dias atrás - sua mãe dividindo o banco do piano com seu tio e o fato de estar sem a aliança – e se lembrou que não podia se deixar enganar.

– Eu te vi ontem na sala de jantar. – Ela observou o rosto da mãe, que se manteve neutro, com nenhuma surpresa. Nenhuma mudança de expressão, nada.

– Não é o que pensa que viu. Não ouve nada. – Evie agora desembaraçava as pontas do cabelo curto da mãe. – Você estava tão quieta que eu nem te ouvi...

– O papai me ensinou isso. A caçar. A esperar. Em silêncio. – A morena respondeu suspirando quando sua mente a levou ao passado, muito antes de seu pai morrer, antes do dia do seu aniversário, quando estavam deitados num campo aberto com ela pronta para atirar num ganso. – Não precisávamos de comida e nem de água. Observávamos tudo... Os padrões dos galhos de árvores que se espalhavam. As milhares de formas que as nuvens formam... Eu podia contar todas as folhas de uma árvore em cinco horas... Sempre achei que o papai gostasse de caçar. Mas naquela noite percebi que ele me ensinou para me ajudar. Ele dizia “Às vezes você tem que fazer algo ruim pra impedir que algo pior aconteça.”

E de repente Lena pegou a mão da menina no ar, quando esta iria passar mais uma vez a escova em seu cabelo arruivado. A menina tomou um susto, acordando do seu transe. Lembrar do pai sempre a deixava num estado tão tranqüilo que ela não via o que acontecia a sua volta.

Ainda sentia muita falta dele.

Evie sustentou o olhar inquisitório da mãe pelo reflexo do espelho até ela pegar a escova e colocar em cima da penteadeira.

Lena cobriu o rosto com as mãos e esfregou os olhos.

– Acho que vou ao cabeleireiro depois de limpar o escritório do seu pai. – Anunciou.

Evie sabia o que Lena faria: vasculharia vestígios das antigas caçadas que o pai tivera com ela e jogaria fora tudo, o que encontrasse e achasse necessário. Mas ela não deixaria isso acontecer e após o almoço, quando Lena foi se deitar, Evie pegou uma bolsa larga e foi até o escritório do seu pai.

Pegou a caixa esculpida de madeira em que guardavam as diferentes penas que encontravam, o livro de figuras de pássaros que fizeram juntos, a lupa e outros objetos importantes para ela.

Sentou-se para procurar algo nas gavetas e encontrou uma em específico fechada. Forçou abri-la sem sucesso. Correu os olhos sobre a mesa e o escritório mas não achou nenhum chaveiro.

Foi quando levou a mão ao colo.

E puxou a chave que havia ganho no seu último aniversário e que vinha carregando pendurada no pescoço desde então.

Click. O barulho da trave sendo aberta ecoou no recinto.

Evie abriu cuidadosamente a gaveta e a primeira coisa com que se deparou foi um revolver. E ficou encantada.

Apesar de já ter segurado armas maiores nunca havia visto aquela. Oras, conhecia todas as armas do seu pai mas aquela em específico era a primeira vez que via. E só o que se perguntou foi o porquê de ele não guardá-la junto com as outras. Mas, agora, era algo desnecessário de se saber. Até porque se pai não estava mais lá para explicar lhe nada.

Deixou a arma de lado e tirou uma caixa de sapatos de entro da gaveta, colocando-a sobre a mesa. Abriu cuidadosamente e pegou as fotografias que havia ali.

Eram fotos antigas com os contornos amarelados e de resolução inferior às de hoje. Três jovens e um bebê de cabelos loiros estavam sentados numa escadaria em frente à uma enorme casa. Evie virou a foto e encontrou os dizeres:

Bryan (17), Charlie (8), Jonathan (2).

Meus monstrinhos em um raro momento tranqüilo. 1988

Evie passou para a próxima foto e o rosto de um garotinho loiro ocupava-a toda. Ele sorria muito. Quando Evie passou está para trás, a fim de ver a próxima, várias fotos menores caíram. Fotos somente do rosto desse mesmo menininho.

Ela franziu o cenho enquanto catava tudo. Não entendiam porque tinham feito aquilo.

Prosseguiu e as fotos seguintes eram dos mesmos irmãos, em frente à mesma escadaria mas agora sem o menininho loiro. Ela aproximou duas fotos em que um charmoso menino moreno de olhos claros tinha as mãos nos bolsos e teve certeza de que aquele era Charlie, seu tio. E numa das fotos em que os meninos vestiam terno e gravata ela leu:

Bryan (18), Charlie (9)

1989

Evie devolveu as fotos para dentro da caixa e tornou a vasculhar a gaveta. Encontrou outra caixa de sapatos mas esta estavam mais cheia e pesada. Se ajeitou sobre a cadeira do escritório antes de abri-la. E quando o fez encontrou várias e várias caixas amarradas com barbantes e fitas e até elásticos.

Os papéis já estavam bem gastos e amarelados, com os cantos rasgados e a tinta da caneta pouco legível. Evie as pegou cuidadosamente e leu à quem era o endereçado.

Tomou um susto e quase perdeu o ar.

Seu nome estava escrito em todas.


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Notas finais do capítulo

Eai, o que acharam?
XOXO



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