Intouchables escrita por Angie Cruz


Capítulo 3
O Peso de Viver


Notas iniciais do capítulo

Muito bem, demorei, mas voltei!
Já estou avisando que esse capítulo possui cenas mais "quentes", mas não é nada pesado. Peço que, se você não gosta, faça um esforcinho para ler, porque depois tem algo mais ou menos importante.
Temos personagens novos, e para não precisar ficar falando como eu os imagino, fiz uma listinha com fotos aqui nesse tumblr:
http://soyouthinkthatyoureawriter.tumblr.com/itch-chars
Toda vez que tiver personagem novo, eu os aviso, e eles estarão no final da lista. Talvez eu poste algumas coisinhas extras, montagens e playlists, mas avisarei se o fizer!



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Cada canto remoto da mente de Amycus doía.

Dor.

Foi a primeira coisa que ele sentiu quando retornou à consciência.

A segunda foi luz.

Imagino que vá dizer que a luz não é algo sensorial, portanto, não pode ser sentida, e sim vista.

Mas naquele momento o Carrow sentiu a luz batendo em suas pálpebras que, de tão fortemente fechadas, se encontravam quase coladas.

E então ele ouviu.

Uma pia gotejando, quatro respirações lentas – sendo uma delas sua própria respiração – e vozes sussurradas e rápidas.

– Não,vocês não podem entrar, apenas um visitante por aluno.

– Mas aquele ali não tem ninguém, olhe.

– A resposta ainda é não.

– Prometemos não fazer barulho!

– É, ficaremos quietinhas.

– Por favor, Madame Pomfrey, elas são nossas amigas!

Um suspiro pesado.

– Tudo bem meninas, mas fiquem quietas! Temos outros dois pacientes aqui.

– Garotinhas estúpidas - murmurou outra voz, bem próxima à cabeça do rapaz.

Ele abriu os olhos lentamente e ficou um tempo olhando para o teto, afim de se acostumar com a luz que o cegava. Quando finalmente pôde enxergar com detalhes a pedra acinzentada, olhou para o lado e se deparou com um par de olhos azuis iguais aos seus o encarando. Piscou alguma vez e viu o rosto de sua irmã gêmea se formar. - Olhe só para elas, preocupadas com as amiguinhas. Patéticas.

Amycus esforçou-se para se sentar e olhou para o lado. Na maca ao lado da sua havia uma garota ruiva e muito pálida, cuja qual ele não se lembrava o nome, mas sabia pertencer à Grifinória. Ao lado desta estava uma morena, também se levantando com dificuldade, que ele lembrava-se chamar Esther, Esme…

– Hestia querida, não se levante - disse uma garota negra de cabelos repicados que fazia parte do grupo.

– Absolutamente patéticas. - disse Alecto mais uma vez, e Amycus voltou a olhar para ela.

A irmã estava sentada na beirada de sua cama e tinha profundas olheiras negras embaixo de seus olhos, em contraste com sua pele extremamente clara e seus olhoz azuis. Ele queria dizer que, de alguma forma ela também estava ali para ele, mas conhecia a irmã bem demais para saber que ela não aceitaria bem que ele mostrasse ter notado sua discreta demonstração de afeto, por isso calou-se.

Olhou para adiante do corpo da menina e enxergou a cama do seu outro lado. Sentado ali, também acordado e com uma expressão vazia ao olhar diretamente para frente, estava Evan Rosier. Além da irmã e de Lucinda, o rapaz era o mais próximo que Amycus tinha de um amigo, e naquele momento ele quase se sensibilizou pelo outro, mas sabia o quanto detestaria que sentissem pena dele, e como haviam pouquíssimas diferenças entre o modo de pensar dos dois, decidiu que não o faria.

Evan, por sua vez, não se importava com o fato de estar completamente sozinho no mundo. Estava acostumado com a solidão, e ver as visitas para os outros ali não o sensibilizava. O que realmente perturbava sua mente era o ocorrido em si. Aquele tipo de magia só podia ser negra, e essa conclusão o apavorava de uma forma que ele nunca admitiria. Desde seu quarto ano havia decidido se juntar ao seleto grupo dos aspirantes a seguidores do Lorde das Trevas, e a partir de então passou a se dedicar intensamente à esta causa, literalmente colando naqueles de familia privilegiada, visto que os Rosier nunca foram temidos e respeitados como os Malfoy, os Carrow e os Black. Fizera amizades poderosas e passou a ser incluído nos pequenos trotes e atentados contra os nascidos trouxas e traidores do sangue no castelo, e a ideia de ter sido excluído deste em específico o fazia imaginar o que diabos havia feito de errado. A raiva e o pesar cegavam a sua razão, impedindo-o de notar o fato de que apenas um dos quatro atingidos era realmente nascido trouxa.

Emmeline tremia em sua cama, o psicológico abalado pelo que lhe acontecera. Por um momento, ao recobrar a consciência, ela se sentira numa rara e completa paz, do tipo que não sentia a muito tempo. Sentiu-se bem consigo mesma, sentiu o cheiro de lavanda de sua casa, e sentiu… Tranquilidade, em tamanha quantidade que ela quase sorriu. Mas esta durou pouco, pois logo a lembrança de sua consciência lhe sendo tirada a força veio à tona em sua mente, e o pânico a invadiu. Ignorava tudo o que era dito pelas quatro garotas que cercavam sua cama e a de Hestia.

Não entendia o por que de Alice tentar incluí-la em tudo o que fazia com as amigas barulhentas, visto que sua companhia era infinitamente chata e sem graça. Tentava usar esse tipo de pensamento pessimista para acalmar seus batimentos cardíacos, mas não estava funcionando. O desespero apertava seu peito como uma mão gigante, extinguindo todo o ar de seus pulmões. Sua respiração ficava cada vez mais pesada, até chegar ao ponto das outras garotas notarem que havia algo errado.

– Emme querida, está tudo bem? - perguntou-lhe Alice, mas foi totalmente ignorada - Emmeline, fale comigo, por favor - disse, e mais uma vez não obteve resposta, notando então a gravidade da situação. Chamou pelo nome da amiga várias vezes, e levantou as mãos, ensaiando segurar seus ombros, mas não o fez. Tinha total conhecimento do quão mal a ruiva lidava com isso. As outras garotas também começaram a chamar por seu nome, e logo a enfermeira adentrou o cômodo como um furacão. Todos os presentes no cômodo já olhavam na direção da apavorada Vance. As amigas demonstravam desespero. Os Carrow não demonstravam nenhuma emoção, e Evan tinha um estranho olhar de curiosidade em seu rosto, ao mesmo tempo fascinado e surpreso com a cena que presenciava.

– Saiam, saiam de cima, dêem-lhe espaço - disse a enfermeira, mas sem notar que cometia o maior erro de todos ao colocar ambas as mãos sobre os ombros da menina, na tentativa de acalmá-la.

O silêncio tomou conta do cômodo.

Todos se calaram para assistir a cena.

Amycus e Alecto Carrow, e Evan Rosier assistiam sem entender o que ocorria.

Amelia Bones, Alice Griffiths, Marlene McKinnon, Hestia e Gwenog Jones observavam com um misto de terror e preocupação.

A enfermeira afastava-se sem entender o que ocorria, pois ao colocar as mãos nos ombros da garota, Emmeline Vance mergulhara novamente na mais completa e silenciosa inconsciência.

– Você realmente me assustou - cochichou Alice, pela milésima vez no dia, deitada em sua cama. Sua voz saía abafada, e seria fácil para Emmeline fingir que simplesmente não ouvira o que a amiga dissera, mas seu bom coração jamais permitiria que ela fizesse tamanha grosseria, por isso apenas respondeu com a voz fraca:

– Eu sei.

– Quero dizer - continuou a Griffiths, incentivada pela resposta da outra - como se já não bastasse o ocorrido no trem, que ninguém sabe exatamente o que aconteceu até agora, e depois ainda… Isso. É serio Emme, estou cogitando te prender numa gaiolinha feito um passarinho ruivo e te deixar lá quietinha pra que ninguém nunca nunca na vida toque em você.

Com essa Emmeline teve que rir, mas o sorriso durou pouco, pois muitas vezes era exatamente assim que ela se sentia. Um passarinho indefeso em sua gaiolinha.

– Promete pra mim que vai tentar… Se cuidar esse ano? - perguntou Alice, e Emmeline suspirou, sentando-se na cama e encostando na cabeceira, tendo o gesto imitado pela amiga.

– Sabe que não posso prometer isso - disse, dizendo mais palavras juntas que a maioria das vezes em que abria a boca. - E-eu simplesmente… Não posso…

– Não pode evitar, eu sei meu amor, não estou te pressionando nem nada. Apenas não quero lhe ver sofrendo, sabe disso.

A Vance concordou com a cabeça, o olhar como sempre perdido em algum lugar qualquer.

– Durma - disse apenas, deitando novamente a cabeça em seu travesseiro e apertando bem os olhos.

– Você também - respondeu Alice com um misto de tristeza e preocupação transparecendo em sua voz baixa, deitando a cabeça no travesseiro, mas não conseguindo cair no sono até notar a respiração de Emmeline mais pesada.

Ao abrir os olhos na manhã do primeiro dia de aula, Hestia tentou não pensar no que ocorrera no dia anterior. Era preciso seguir em frente, sem pensar no passado. Aquilo era algo que ela havia tomado por meta pessoal desde que terminara com Caradoc.

Jamais deixar o ontem interferir no hoje se não fosse de forma boa.

Não passara muito tempo com o primeiro e único namorado, mas foram meses extremamente significativos para a garota, e apesar do que os céticos diriam sobre relacionamentos jovens, ela havia amadurecido muito com aquele. Não que ela e o Dearborn tivessem terminado de forma tensa. Na verdade fora até fácil em comparação com o que ela via diariamente entre suas amigas e colegas de casa. Mas ainda assim, aquilo a ajudara a compreender algumas coisas sobre relacionamentos, e ela estava pronta para colocar aquelas concepções em prática. Partindo, é claro, da decisão de que não se envolveria com mais ninguém até terminar a escola.

Seu foco aquele ano era exclusivamente os estudos, e estava decidida a se tornar uma auror, mas para isso precisava de notas e muito, mas muito conhecimento mesmo. Não dependia apenas de repetir com os N.I.E.M.s o seu desempenho perfeito nos N.O.M.s, para que pudesse se inscrever na primeira fase, mas também de sair da escola com conhecimento necessário para prestar a prova que decidiria se ela era, ou não, digna de passar pelo treinamento para aurores. Prova essa que seria repetida ao fim do treinamento, se ela sobrevivesse à este, e só então receberia a honra de passar o resto de seus dias carregando a palavra Auror antes do nome Hestia. Ela precisava disso, e dependia apenas dela conseguir. E para isso deveria ser forte e resistir ao forte impulso de arranjar um novo namorado, mesmo que Dedalus estivesse dificultando isto de várias formas possíveis.

Foi com este pensamento que ela desceu as escadas para o Salão Principal, já preparada para sua primeira aula do dia, mas teve seu caminho interrompido pelo Diggle, que colocou-se ao seu lado e foi com a melhor amiga até o seu destino, conversando com ela sobre coisas variadas do dia-a-dia como sempre fizeram. Aquilo era perfeitamente normal, mas estava tudo diferente desde as férias. Eles passaram juntos como todos os anos, na casa de praia dos pais de Hestia, mas dessa vez houve alguns momentos estranhos entre eles. Não chegaram a… Se beijar nem nada disso, mas podiam tê-lo feito. Na verdade, oportunidade não faltara, e se não fosse por Hestia ter feito de tudo para impedir, teria acontecido. E talvez as coisas estariam ainda mais estranhas do que já estavam. Dedalus tentava agir como se tudo estivesse como sempre fora, mas ambos sabiam que não, e Hestia invejava a capacidade do Diggle de agir como se nada estivesse errado, quando na verdade era bem claro que tudo estava errado.

Ao chegar na mesa da Corvinal, a Jones ficou feliz por perceber que o lugar entre sua prima Gwenog e Nikki estava vazio, e cabia apenas ela.

– Escuta, Ded - disse rapidamente, sem perceber que interrompera o amigo no meio de uma frase - eu preciso tratar de um assunto muito importante com a minha prima. Depois a gente conversa, okay? - e saiu sem esperar por uma resposta.

– Que cara de quem viu um fantasma é essa, Hest? - perguntou Nikkita, levantando os olhos de uma colher onde verificava seu próprio reflexo.

– Você está pálida. - disse Gwenog, colocando a mão sobre a testa da prima.

– Não é nada. - disse ela, pegando uma torrada e mordendo, mastigando de forma lenta e pensativa.

– Se isso não é nada, o meu ruivo é natural. - disse Nikkita, dando um peteleco na orelha da amiga. - Pare de graça e diga logo o que foi.

– Já disse, não foi nada. - respondeu, já ficando irritada. E como se pudesse ouvi-la da ponta da mesa, Dedalus olhou para ela, e seus olhares se encontraram por apenas um segundo, mas o suficiente para tanto Nikki como Gwen repararem.

– Acho que já entendi. - disse sua prima. - Não vou pedir para explicar, Hest. Deixa para lá.

– Bem, mas eu não sou a Gwen. - disse a Grigori - O que aconteceu? Fale agora ou cale-se pelo o resto do dia.

E por pirraça Hestia passou o dedo pelos lábios, como quem fecha um zíper, levantando-se logo em seguida.*

Foi a primeira a chegar nas masmorras, e encostou-se na parede para esperar pelo professor Slughorn, ainda se sentindo incomodada. Estava com o olhar fixo à frente, mas seus pensamentos ainda estavam no Salão Principal, por isso não notou a aproximação do garoto até que ele estivesse parado na sua frente e estralando um dedo para chamar sua atenção.

– Hey, eu estou falando com você. É surda por acaso?

Ela franziu o cenho ao perceber de quem se tratava. Era um sonserino, dos mais detestáveis por sinal, e olhava para ela com aquele ar de superioridade que sempre a irritava com relação às pessoas daquela casa. Ela se lembrava dele, é claro, o Carrow. Pregara uma peça em Dedalus no segundo ano que fizera o garoto ficar três meses sem querer ir ao banheiro do primeiro andar. Fora naquele dia que Hestia passou a detestar todo e qualquer sonserino que cruzasse o seu caminho, por mais amigáveis que alguns deles pudessem parecer, o que era relativamente raro. E obviamente Amycus Carrow estava no topo de sua lista.

– Eu perguntei se você era uma das garotas que estavam no ataque no trem.

Ela confirmou com a cabeça, ainda se lembrando do que Nikki dissera.

– Bem, você sabe algo sobre o que aconteceu?

Mais um movimento com a cabeça, negando.

– O gato comeu a sua língua, por acaso?

Ela teve de se segurar para não fazer um gesto obsceno para o rapaz portador de belos olhos azuis, mas foi salva pelo professor, que abria a porta naquele exato momento. Deu as costas para o Carrow e entrou, sentando-se na primeira carteira e afundando o rosto nas mãos.

Ficou daquele jeito por quase dez minutos até alguém sentar ao seu lado. Hestia respirou fundo temendo ver quem estava ali, levantando os olhos devagar. E lá estava Dedalus Diggle, olhando radiante para ela como o sol do amanhecer. Ela lhe deu um sorriso sem dentes.

– Hey Hest! Está tudo bem?

Ela confirmou com a cabeça.

– Hm… E estava tudo bem agora pouco? Você saiu um pouco transtornada da mesa.

Ela deu de ombros e sorriu, para mostrar que estava tudo bem.

– Legal, é… E que livro você está lendo atualmente?

Ela o olhou surpresa. Por que raios ele estava perguntando aquilo?

– Te peguei. - riu ele, a fazendo revirar os olhos e sorrir. - Fez outra aposta com Nikki?

Ela confirmou com a cabeça, ao mesmo tempo em que a amiga entrava na sala lhe mandando beijo, e a fuzilou com os olhos. Dedalus riu de sua expressão.

– Entendo. Vocês sempre fazem isso.

Ela voltou o olhar para o amigo, que abria seu caderno com uma expressão estranha, não havendo nem sinal do sorriso entretido que exibia a apenas dois segundos antes. Como aquilo fora acontecer? Quando ela não se sentia mais confortável na presença do melhor amigo, e vice-e-versa? Aquilo era tão frustrante que lhe dava vontade de gritar.

A menina fixou sua atenção no professor, apagando todo o restante. Todo o resto podia esperar, pois estava em momento de aula, e naquele momento ela podia se permitir se distrair anotando tudo aquilo que julgava importante nas palavras de Slughorn. Quando ele pediu que fizessem a poção em dupla, se limitou a levantar antes que Dedalus se pronunciasse, indo até o armário coletar os ingredientes necessários.

Passaram vários minutos fazendo a poção em silêncio, com aquela compreensão mútua e sem palavras que apenas anos de convivência eram capazes de gerar. Foi quando Dedalus respirou fundo que as coisas voltaram a desandar.

– Então, é, hm… Hest. - a menina contou até três antes de olhar nos olhos cor de chocolate do menino, prevendo o que viria à seguir - Você sabe que… Bem, sem ser esse final de semana, no outro, já teremos visita à Hogsmead, e, hm… A gente podia, você sabe, tomar uma cerveja amanteigada, talvez, o que acha?

Hestia se segurou para não dizer que eles faziam aquilo juntos todas as vezes. Estava claro que Dedalus se esforçara e se preparara durante horas para fazer aquele convite, e também esperava que não fosse apenas um passeio entre melhores amigos. Aquilo era pra ser um encontro, e a mera menção em pensamentos desta palavra a fazia perder o fôlego e o sangue subir para o seu rosto. Mas isso não a impediu que desse um sorriso amigável para o menino e concordasse com o pedido. Afinal, que mau faria? No máximo eles apenas ririam e falariam mal das pessoas durante todo o passeio como sempre fizeram, certo?

Sua resposta muda fez o olhar do Diggle brilhar, e aquela felicidade a contagiou, fazendo com que a sensação daquele momento permanecesse no coração jovem da menina pelo resto da semana.

Naquele final de semana haveria o primeiro treino de quadribol do ano, e os ânimos dos jogadores estavam nas alturas. Estavam com uma nova capitã, a inigualável Emma Vanity, e iniciariam os testes à procura de novos membros, nas posições de apanhador e batedor, visto que o primeiro havia terminado a escola e o segundo fora expulso do time por violência desnecessária. O ex-batedor em questão, Amycus, sentava-se na arquibancada, observando os testes e começando a se desesperar. Tudo o que ele mais queria era se levantar dali, pegar sua vassoura e meter o taco na cabeça de McGonagall, mas não podia. Enquanto isso, se distraía observando o fato de que nenhum dos batedores chegava ao menos aos seus pés. Levou a garrafa de metal* à boca, sentindo o forte gosto da bebida descer por sua garganta. Estava tão distraído que não percebeu a figura ao seu lado até ela lhe tomar o objeto e levá-lo à própria boca. Lucinda sentou-se ao seu lado, lhe devolvendo a garrafa.

– Eles são péssimos.

– Péssimos? Está sendo gentil, Lucy. Eles são detestáveis, indignos de sequer pisar neste maldito campo ou voar nessas malditas vassouras ou segurar esses malditos tacos. São vergonhas não apenas para o quadribol, como também para a sociedade bruxa. Eu deveria derrubar cada um da vassoura, isso sim.

– Hey, calma lá gafanhoto, sei que você está nervoso, mas você não pode fazer nada.

– Valeu pela força. - ele deu mais um longo gole do recipiente, tentando não olhar para o garoto que conseguira derrubar o próprio taco e também o do parceiro ao tentar rebater um balaço que passara a centímetros de sua cabeça. Aquilo o fazia ter vontade de vomitar.

– Bem, talvez eu tenha a solução para os seus problemas. - disse a Talkalot.

Ao olhá-la para perguntar o que era, Amycus percebeu que a amiga segurava sua velha vassoura na mão, mas antes que pudesse perguntá-la o que aquilo significava, ela lhe piscou um olho azul elétrico e saiu voando do lado dele, pousando ao lado de uma irritada Vanity.

Carrow a observou enquanto a amiga tomava o taco das mãos do garoto que o derrubara com certa brutalidade e voltava para o ar pra fazer seu teste. Ele nunca achou que a posição de batedor fosse para garotas. Era preciso uma força descomunal para rebater um balaço com força o suficiente para derrubar e até mesmo machucar alguém, o que garotas geralmente não tinham. Elas eram ágeis, por isso ficavam com o posto de apanhadoras e artilheiras, mesmo sendo esse segundo sendo ocasionalmente ocupado por garotos também, enquanto os garotos ficavam com as posições mais brutais de goleiros e batedores. Aquela era a estratégia invencível da Sonserina, que seria quebrada duas vezes naquele ano. Regulus Black surpreendera a todos em seu teste para apanhador, e Lucinda Talkalot rebatia com perfeição todos os balaços que lhe eram mandados. O ponto alto de seu teste foi quando a menina virou sua vassoura na direção do melhor amigo, e gritou à plenos pulmões:

– Pensa rápido, Amy!

E o garoto só teve tempo de desviar-se antes de um balaço com uma força impressionante atingisse o local onde estava milésimos de segundos antes, arrancando lascas do banco de madeira.

Ninguém se surpreendeu quando, ao final do dia, os novos jogadores anunciados foram Regulus Black e Lucinda Talkalot, e Amycus foi até o campo para fazer o seu papel de ex-capitão e parabenizar os novos integrantes. Naquela noite ouve festa nas masmorras. Até mesmo o mais corriqueiro dos eventos, como a escolha de novos integrantes, era considerado o suficiente para uma festa. Não havia balões, bandeiras e fogos conjurados como as conhecidas festas grifinas organizadas pelos Marotos. Era apenas um bando de adolescentes, uma batida pesada e sufocante saindo de um velho rádio bruxo que sempre se encontrava no canto da sala, comida roubada e bebidas. Muitas bebidas. Uma das maiores hipocrisias da sociedade purista na época se tratava das bebidas. Apesar de a maioria dos jovens ali afirmarem com toda a certeza que todos os trouxas deviam morrer, – mesmo que tivessem apenas uma vaga noção do que aquela afirmação realmente queria dizer – todos aproveitavam sem pudor dos prazeres criados pelos trouxas. E, é claro, nomeamos esses prazeres como whisky, tequila, vodka e vários outros nomes que você deve conhecer muito bem.

Um grande exemplo disso era Amycus, que tinha ao seu lado sua constante guarda-costas para impedi-lo de passar dos limites. Lucinda era a única pessoa entre o rapaz e o coma alcoólico, e insistia em manter-se ao lado do amigo a festa inteira toda vez que algo daquele jeito acontecia nas masmorras – o que certa forma não era nada raro – apesar dos constantes protestos do rapaz.

– Essa festa também é para você. Devia estar se divertindo, e não dando uma de minha babá, não sou criança.

– Mas eu estou me divertindo muito aqui com você! - rebateu a mais nova, fazendo o amigo revirar os olhos. Apesar de saber que a preocupação da Talkalot tinha certo fundamento, ele não deixava de sentir como se fosse incapaz de tomar algumas e não fazer sexo com alguma setimanista no corredor como já havia feito antes. Era frustrante, mas ao passar os olhos pela multidão de sonserinos exaltados, avistou algo que o fez dar um meio-sorriso malicioso.

– Por que será que o Evan está olhando nessa direção? - perguntou casualmente, arrancando um brilho malicioso dos olhos azuis da garota ao olhar na mesma direção que ele.

– Não sei, talvez ele só esteja precisando de algo. - respondeu ela num tom baixo, já saindo de seu lado. Antes que ela chegasse onde estava, o Rosier já havia saído pela porta do salão comunal, deixando Amycus milagrosamente sozinho. Não via o menor problema no fato de seus dois melhores amigos estarem transando desde o ano anterior, contanto que não precisasse saber os detalhes por parte de nenhum dos dois e não tivesse que servir de mediador caso eles engatassem um relacionamento mais sério. Era um acordo silencioso a que os três haviam chego, e o respeitavam com vigor, para o grande alívio do Carrow.

Finalmente livre, se encaminhou para a mesa de bebidas e serviu-se de uma boa dose de firewhisky. Levou a bebida aos lábios, sentindo-a queimá-lo por dentro enquanto abria espaço até seu estômago.

– Finalmente aquela garotinha saiu do seu lado. Achei que fosse ter de matá-la para conseguir embebedá-lo.

Amycus virou-se e encarou os olhos verdes de Emma Vanity, sua substituta como capitã do time de quadribol e alguém por quem nutria alguns sentimentos amigáveis. Apesar de ter certeza serem estes apenas uma consequência das várias vezes em que dormiram juntos desde sua primeira vez no terceiro ano dos dois. Naquele momento ela o olhava daquela forma que ele conhecia bem até demais, e as chamas em seu interior, que haviam sido iniciadas pelo firewhisky, se intensificaram de forma considerável.

– Felizmente isso não se fez necessário, Evan cuidou dela para você. - respondeu, dando mais um gole em sua bebida enquanto a observava por cima do copo, fazendo com que as chamas aumentassem, apesar de não saber se por resultado da bebida ou do olhar incandescente que a morena lhe lançava.

– Não que eu não o tenha pedido para fazê-lo.

– E eu posso saber o que fez para convencê-lo? Rosier não é uma das pessoas mais fáceis de aceitar fazer favores para os outros.

A menina soltou um longo e dramático suspiro.

– Esquece-se de que, atualmente, eu sou a capitã dele, por isso tenho certo poder sobre meus subordinados. E também sei ser bastante convincente quando quero. - dizendo isso, o olhou através dos cílios, o que ele entendeu como um claro convite do que estava por vir. Não eram amigos, mas se conheciam melhor do que ninguém.

– Acho que tenho plena consciência de suas várias habilidades. - respondeu, terminando o restante de sua bebida em um único gole.

Seus olhares se cruzaram, e ali permaneceram. O verde e o azul ardiam, assim como o interior do Carrow, sendo todos consumidos pelas chamas. Ele tinha certeza de que, se tocassem sua pele, veriam que ela também ardia como fogo, e assim Emma o fez. Tocou-o primeiro no pescoço – com seus longos dedos que mais se pareciam garras, agarrando sua presa fácil da noite e a embalando com o seu veneno – e em seguida unindo suas bocas numa feroz demonstrativa do fogo interior de ambos os jovens. A pele da capitã também ardia, como o rapaz pôde perceber ao percorrer as mãos de forma hábil e pouco controlada por suas costas, nádegas e pernas, encostando-a na parede com certa brutalidade. Se alguém assistia a cena, pouco se importou, visto que aquilo não se tratava de algo incomum nas masmorras. A pausa na silenciosa batalha caótica que suas peles travavam durou apenas o suficiente para que subissem as escadas na direção do dormitório masculino, e Amycus mal teve tempo de fechar a porta antes que a Vanity lhe desse mais um golpe certeiro, confirmando o posto de “naja” do qual ela tanto se orgulhava.

Talvez, ao ser questionado sobre isso mais tarde, o Carrow diria que não possuía qualquer sentimento que fosse por Emma Vanity, e que ela não passava de alguém com quem dormia de vez em quando. Caso lhe perguntassem se ele via algum futuro para essa relação calorosa que os dois mantinham, afirmaria com toda a certeza do mundo que não, e ele realmente pensava assim. Mas o que os dois jovens não sabiam era que, enquanto deitavam-se na cama do rapaz sem nenhum pedaço de roupa impedindo suas peles de queimarem uma contra a outra, o destino tratava de dar seu jeito para que Amycus começasse a duvidar de todas as coisas das quais alguma vez teve certeza, materializando-se na forma de um envelope deixado mais cedo por uma conhecida coruja alaranjada, fazendo com que o papel repousasse de maneira despreocupada na mesa de cabeceira, não sendo atingido pelas chamas que ardiam na cama ao seu lado. Talvez, ao esgueirar-se silenciosamente para o dormitório feminino, a Vanity encontrasse papel de aspecto diferente – deixado por coruja diferente e igualmente escrito por uma pessoa diferente, mas com conteúdo pertubadoramente semelhante – repousando em sua própria mesa de cabeceira.

Se ela o leria ou esperaria até o dia seguinte, é uma questão a ser resolvida mais tarde. Só o que te cabe saber é que o conteúdo desses envelopes mudaria para sempre as vidas de Amycus Carrow e Emma Vanity, e principalmente, sua visão um sobre o outro.


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Notas finais do capítulo

Uma vez me perguntaram quais eram minhas formas favoritas de começar e terminar um capítulo. Eu respondi que gosto de questões reflexivas ou com os personagens fazendo sexo. Nesse capítulo, eu fiz os dois, então é o meu favorito até agora usahusahsauhas é claro que precisei segurar minha imaginação hentai, então me desculpem se vocês esperavam mais :v
Ah sim, aquela brincadeira da Nikki, "fale agora ou cale-se pelo resto do dia". É algo que eu fazia com minhas amigas no ensino médio, e achei mais que apropriado usar isso neste grupo de adolescentes, que mesmo sendo bruxas britânicas da década de 70, continuam sendo adolescentes.
Bem, vejo vocês no próximo capítulo!
Beijos :3



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