Broken Girl escrita por Iris


Capítulo 10
Capítulo dez: Perdas


Notas iniciais do capítulo

Hey, I'm Back!! Primeiramente quero me desculpar pela demora, justamente quando ia postar o capítulo fiquei sem Pc. E se tiverem muitos erros peço que relevem, não tive muito tempo para revisar.

Bom, para quem estava sentindo falta de capítulos gigantes, boa leitura! Espero que gostem.

Ps. O capítulo tem partes do episodio 10 da 5ª temporada.

Enjoy^^



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Os dois estavam parados a porta do quarto, o silêncio preenchido pelas suas respirações. E Isabel deitada imóvel na cama.

Dean a havia lavado, costurado e cuidado de seus ferimentos. Foi uma das coisas mais estranhas que ele tinha feito. O corpo de Isabel estava frio, a pele branca demais, o único sinal de vida; a sua respiração quase imperceptível. Depois ele a vestiu com uma de suas camisas e a instalou confortavelmente num quarto de hóspedes no andar de cima da casa do Bobby. Foi tudo similar a cuidar de um cadáver.

Agora sua mente trabalhava em busca de uma solução. O que faria agora? E se ela morresse? Ou pior, se ela nunca acordasse?

_Por que não me contou antes? – o tom de voz de Sam era baixo. Ele se sentia um pouco traído por não saber de tudo antes. Escutou horas anteriores Dean despejar tudo o que tinha acontecido, fazendo um resumo das descobertas sobre Isabel e o que tinham enfrentado nesse mês.

Já Sam tinha tentado levar uma vida normal, conseguiu por algumas semanas e logo percebeu que por mais que corra do seu passado ele uma hora ou outra acaba o alcançando, e o dele era só arrependimento e escuridão.

_Ela é só uma garota Sammy. – aquela afirmação soou estranha em sua boca.

_Ela quase matou um arcanjo. Ela não é só uma garota e você sabe disso. É maior que você, talvez maior que nós. Não pode cuidar disso sozinho. – Dean não disse nada, ele deixou o irmão e começou a descer as escadas.

Os dois desceram as escadas e foram para sala. Nada ali tinha mudado, tinha o mesmo cheiro de livros velhos e bebida barata.

O copo na mão de Dean foi abastecido com uísque pela segunda vez. Ele tomou um gole e sentou numa cadeira perto da lareira, Sam do outro lado da sala e Bobby no meio dos dois.

_Então Bobby? – perguntou Dean.

_Bom, minha licença de médico expirou semana passada, então eu não sei o que espera de mim. – Dean o encarou carrancudo, estava com péssimo humor. _Dean, eu ainda acho que devemos...

_Não, não vamos a um hospital, acha que não pensei nisso? O que eu ia dizer a eles? Que ela deu uma de Chuck Norris para cima de um anjo e depois apagou? Esse é lugar mais seguro até encontramos uma saída. Então, não Bobby. Não vamos a um hospital – ninguém disse nada. _Ela vai acordar. – completou baixinho.

Um telefone tocou na cozinha.

_Deve ser a Ellen. Ela ficou de ligar – disse Bobby levando a cadeira para o outro cômodo.

Sam e Dean trocaram olhares, mas nenhum disse nada, ainda não tinham tido tempo de conversar. Dean estava aliviado em saber que seu irmão estava bem, mas não fazia ideia do que dizer a ele. Tinha admitido para Isabel que sentia a sua falta e era a mais pura verdade, Sam era seu irmão caçula que ele tinha protegido a vida inteira, mas algo havia mudado. Sam fez escolhas e as consequências destas havia criado um muro entre os irmãos. Eles nunca tinham enfrentado algo parecido antes, até mesmo quando Sam decidiu ir para faculdade, nem essa distância foi tão dolorosa.

Agora era como parentes distantes, um tentando se desculpar, envergonhado e arrependido demais e outro se questionando se poderia fazer isso.

_Eu sei que você quer falar Sam, então vai, fala, qual o problema? – Dean sabia ler seu irmão como ninguém.

_Eu quero voltar. – respondeu Sam sem preâmbulos.

_Sam...

_Você estava certo Dean, Lúcifer quer me usar para ir ao baile, eu sou a casca dele. – Sam esperou pela reação do irmão, ela não veio. _Não parece surpreso.

_Eu ouvi alguns boatos por ai. – Sam não se preocupou em questionar como Dean sabia.

_Tentei ligar para você.

_Eu sei. – Dean tomou um gole da bebida, Sam esperou.

_Escuta, eu sei, você ainda está com raiva... – começou Sam.

_Não é isso.

_Você não pode me culpar tanto quanto eu me culpo, isso está acontecendo por minha causa. Chega de ficar no banco eu quero pelo menos tentar concertar o que fiz.

_Não é isso, Sam! – repetiu com irritação contida.

_Então o que é? – exigiu saber.

_Você estava fora. Cara, você tinha um emprego, estava indo bem e estava saudável. Sabia que se atendesse ao telefone nós iriamos ter exatamente a conversa que estamos tendo agora. Seria só uma questão de tempo até você está afundando em toda essa porcaria de novo. – Dean não falava com raiva, porém para os que não o conhecia se intimidaria com sua voz grave.

_E olha onde eu estou agora, aquelas semanas foi um delírio meu. Nunca realmente saí e não vou até que possamos mandar o diabo de volta para o inferno. Para isso eu preciso de você comigo. – Sam estava só sendo racional, a melhor chance que ele tinha era voltar a trabalhar com o irmão.

Dean elevou o copo, a luz alaranjada da lareira deixava o liquido marrom com um tom dourado, ele olhava para aquilo como se o que deveria dizer estivesse de alguma forma decodificado ali.

_Você volta e depois? Seremos Jack, Sawyer e Kate, juntos contra o mal. – disse Dean para o copo. Sam franziu o cenho com a referência, considerando o triangulo amoroso entre esses personagens da serie Lost.

Antes que Sam respondesse Bobby voltou, olhou para os dois com a expressão interrogativa.

_Interrompo alguma coisa? – perguntou. Os garotos trocaram rápidos olhares.

_Não, Bobby. – Sam respondeu. _O que conseguiu com a Ellen?

_Nada demais as mesmas porcarias de sempre... – Bobby não terminou de falar.

Dean e Sam levantaram num salto para ver o que fez com que os papeis voassem e o chão cedesse a algum peso. Um grunhido veio da sala.

_Cass? – Dean deixou o copo em qualquer lugar e foi ajudar o anjo que apareceu sangrando e curvado. _Cass? Ei, tudo bem, tudo bem eu te peguei. Sam. – Sam ajudou Dean a levanta-lo e leva-lo até o sofá.

_Eu consegui... uma pista...o Colt – as palavras que Castiel dizia vinha carregada de grunhidos de dor.

_Cass, vai com calma. Você conseguiu o quê? – perguntou Dean pensando ter ouvido errado ou se Castiel estava delirando.

_Dean, olha. – Sam mostrava a camisa branca de Castiel machada de sangue. A camisa estava rasgada em alguns pontos, em baixo deles fendas cortadas na carne de Castiel. Essas fendas emitiam certa luz, como fechar a mão envolta de uma lâmpada acesa e deixar que alguns fachos de luzes escapassem por entre os dedos.

_O demônio... Crowley, ele está com ela.

_Do que você está falando? – a pergunta de Dean ficou no ar, Castiel apagou.

_Acho que vou retornar para Ellen. – falou Bobby atrás deles.

_Você ouviu o que ele disse? Temos uma pista do Colt. – comentou Sam sentindo seus ânimos se animarem.

_Pista essa que não servirá de nada se ele resolver tirar um cochilo por muito tempo. – Castiel também era a esperança de Dean para fazer Isabel acordar. Dean deixou Sam com Castiel e voltou para onde estava derrotado. Agora eram dois fora do ar e ele não sabia o que fazer a respeito.


...


Na manhã seguinte tudo permanecia igual. Enquanto Dean dormia numa posição desconfortável na cadeira, Bobby e Sam se serviam de latas de cerveja.

_Qual seu palpite? – perguntou Sam.

_Sobre o quê? Politica, a baixa posição dos Red Sox ou o Armagedom? – Sam sorriu, tinha sentido falta daquilo. Ele se referia ou quebra cabeça chamado Isabel.

_Eu andei pesquisando e não cheguei em lugar algum, nada para mim consegue explicar oque ela é e como isso aconteceu.

_Filho, eu nunca li ou ouvir alguma coisa assim antes. Pensei que talvez ela fosse como você. Dean disse algo sobre sangue de demônio, e você não estava exatamente nas páginas amarelas.

_O sangue de demônio? – perguntou Sam, sua mente começando a trabalhar com essa possibilidade.

_Sua coisa psíquica começou quando você tinha 22, 23 anos, essa moça não deve ter mais que isso.

_Não sei Bobby, Dean não se esqueceria de mencionar se tivesse um incêndio no quarto do bebê. Ou algum poder mais específicos como os dos outros. – Bobby concordou vendo sua teoria descer pelo ralo.

_Sinto como se Lúcifer estivesse preparando algo grande para nós. Eu e ela temos algo em comum, nós carregamos o que o diabo quer. Dean tem que me deixar ajudar. – Sam mal tinha tocado na cerveja, agora ela estava quente quando ele tomou um gole.

_Vai com calma garoto, você viu o jeito que seu irmão está, essa menina não é só um caso para ele. – Sam estava tão focado em voltar ao trabalho e resolver as coisas que não tinha reparado se existia algo mais forte entre Dean e Isabel.

_Acha que ele pode está apaixonado por ela?

_Por que não pergunta a ele. – rebateu Bobby.

_Prefiro ficar na dúvida. – respondeu Sam já sabendo que aquela não seria uma boa ideia. _Devemos contar a ele sobre os caçadores que me atacaram.

_Acha que seria uma boa ideia contar que está rolando uma aposta pela sua cabeça entre os caçadores?

_O quê? – a voz grogue de Dean surgiu atrás deles. Sam se virou se preparando.

_Não foi nada demais. A notícia que eu libertei Satã anda correndo pelos corredores dos caçadores, alguns foram me procurar querendo briga. Foi só. – respondeu Sam torcendo para que Dean não fizesse daquilo grande coisa.

_Foi só. – repetiu Dean tentando imitar a voz de Sam. _Você sabia disso? – se dirigiu a Bobby.

_Sabia, e fui eu que pedi que ele viesse aqui. – respondeu Bobby. Dean, agora totalmente acordado, se preparou para tirar satisfações.

_Bobby, eu disse para ficar de olho nele e me dizer qualquer coisa. Isso é qualquer coisa. – esbravejou. Antes que Bobby tivesse a chance de falar Sam trepicou:

_Pediu para o Bobby ficar de olho em mim? – Sam lançou um olhar acusatório a Bobby que deu de ombros.

_É, eu pedi. – respondeu Dean sem sinal culpa.

_Não preciso de babá, Dean. – explodiu Sam.

_Ah não? Quando tirei férias no inferno você transou com um demônio, bebeu o sangue dela e de quebra causou o apocalipse. – Sam se levantou pronto para revidar em uma resposta a altura. Bobby segurou seu braço. Sam só olhou Dean, vendo seu cansaço aparente e toda a situação atual ele recuou. Não respondeu a provocação de Dean.

_Deveria voltar a dormir, Dean. – sugeriu Sam abandonando a raiva inicial. Dean também abaixou a guarda. Estava realmente cansaço.

Os olhares de Sam e Bobby se voltaram para um ponto além de Dean, este se virou e deu de cara Castiel.

_Olá Dean. – saudou o anjo. Dean deu mais espaço entre os dois.

_Castiel, com você está? – perguntou Sam. Castiel parecia bem melhor do que na noite anterior e também limpo como se nada o tivesse abalado.

_Eu me sinto bem. É bom vê-lo de novo, Sam.

_Como conseguiu escapar do céu, Zacarias e Anna? – perguntou Dean.

_Pelo o que vocês viram eu não cheguei inteiro, foi por muito pouco. – os irmãos trocaram olhares e optaram por não pedir detalhes.

_Agora que já nos demos tapinhas nas costas e nos cumprimentamos que tal irmos aos negócios? – interveio Dean. _Primeira clausula, quero que cure Isabel.

Castiel lançou olhares a Sam e Bobby em busca de pistas que possam fazer ele entender o problema com Dean.

_Eu posso vê-la, mas ainda estou muito fraco, talvez não possa ajudar.

_Só dê uma olhada, ok? – Castiel o seguiu para as escadas que davam ao segundo andar. Sam os acompanhou, enquanto subiam ele o questionou.

_Cass, você falou que tem uma pista do Colt. – começou Sam.

_Sim, eu consegui uma pista, o demônio chamado Crowley. Eu posso encontra-lo e segui-lo.

_Isso seria bom. – Sam esperou que Dean falasse alguma coisa, seu irmão não se pronunciou enquanto abria a porta do quarto para Castiel.

Os três entraram e Cass se prontificou a examina-la. Tocou sua testa e sentiu seu poder fazer uma varredura completa. Ela parecia presa numa espécie de coma ou sono induzido. Tinha também uma energia tão forte e pulsante que ele não ficaria surpreso se um humano a percebesse. Ele nem nos seus melhores dias poderia ajudar. Aquilo era pura energia demoníaca.

_Sinto muito. Não posso ajudar. ­– disse a Dean.

_Mas sabe pelo menos o que ela tem?

_Dean, ela irá acordar se quiser acordar. – Dean esperava que ele dissesse mais alguma coisa, não uma droga de frase que não entendesse seu significado.

_Ótimo, isso é... ótimo. – Dean fez questão de carregar com sarcasmo cada palavra.

_Eu posso ajudar em outra coisa, se for agora consigo Crowley para vocês. – disse Castiel.

_Tudo bem, vamos ficar no telefone. – respondeu Sam e logo depois Castiel desapareceu.


...


Castiel ligou para o celular de Dean lhe dando informações sobre o demônio. Ele o havia seguido, visto ele selar um pacto e logo depois encontrou uma barreira. A casa de Crowley era protegida com sigilos que mantinha os anjos fora. Dali para frente seria com os Winchesters.

_Tudo pronto. – anunciou Sam.

_Liguei para Ellen, elas vão estar esperando no meio do caminho. ­– disse Bobby.

Sam esperou por Dean, este continuou parado ao lado de Bobby.

_Dean?

_Eu não vou Sam, acho melhor ficar aqui e esperar que... – Sam sabia o que ele estava esperando.

_Dean. – começou ele cauteloso. _Vem comigo, o Bobby pode cuidar dela, se ficar aqui vai acabar enlouquecendo.

_Ele tem razão, e eu não quero você olhando para mim com essa cara de quem comeu algo estrago. – reclamou Bobby.

_Essa é minha cara de sempre. – se defendeu Dean fechando mais a cara para Bobby.

_Dean, nós precisamos de você. – disse Sam.

_Seu irmão está certo. – Dean suspirou exasperado.

_Droga, tubo bem, eu vou, só me dá um minuto. – Dean subiu a escadas, entrou no quarto onde estava Isabel. Sem menor cerimonia ele a pegou no colo e desceu as escadas. _Eu vou deixa-la no quarto do pânico, é mais seguro lá.

_Eu não vou sapatear, mas posso muito bem olhar uma garota inconsciente. – reclamou Bobby.

_Não é nada pessoal, Bobby. – disse Dean já descendo para o andar mais em baixo da casa.

Ela a deitou cuidadosamente, no que era o mais próximo de cama disposta no centro do cômodo. Ele afastou o cabelo dela e acariciou de leve as maçãs do rosto. Era estranho a referencia que lhe apareceu na mente; ela era sua Branca de Neve. O cabelo negro como a noite espalhados como um leque fazia contraste com sua pele muito pálida e o travesseiro branco. Ele a beijou na testa e depois nos lábios avermelhados.

_Volta para mim. – sussurrou em seu ouvido antes de se virar e ir para seu irmão.

... - ...


...O frio do metal do balanço na palma das mãos era bom. Não me importava com o vento gelado fatiando meu rosto, muito menos com a neve caindo na tentativa de deixar o jardim coberto com um manto branco.

Gostava do frio, não sabia que gostava, mas agora eu poderia dizer que sim. A temperatura baixa me fazia sentir algo a mais do que vinha sentindo. Queria congelar minhas emoções assim como meus ossos pareciam congelar. Criei com os pés desenhos abstratos na neve, não tendo muito o que fazer ali fora sozinha.

Uma sombra se projetou, levantei a cabeça, uma menininha me olhava de volta, ela tinha nas mãos uma máquina fotográfica analógica, deu um clique. Ela abaixou a câmera e tirou de lá a foto que o objeto cuspia.

_Oi. – disse ela para mim. A brisa de inicio da manhã soprava seus cachos louros em seu rosto de boneca. Ela sorria, e assim como eu ela vestia o uniforme branco e por cima deste um casaco de lã cor de rosa. Enquanto minha pele protegida apenas por um moletom velho se arrepiava ela não parecia sentir o frio.

_Oi. Não está cedo demais para você brincar aqui fora sozinha? – perguntei estranhando o fato.

_Não estou sozinha. – respondeu sua vozinha infantil. Ela tomou o lugar no balanço ao lado do meu. _Sabe o que os adultos dizem sobre as fotos? – perguntou para mim não contendo a ansiedade de uma nova brincadeira, seus olhos brilhando em expectativa me lembrava os de Jamie.

_Não, o que eles dizem?

_Que elas mostram o que não podemos ver. – respondeu sorrindo por me dar a resposta.

_Acredita nisso? – perguntei, ela tinha flocos de neve presos como pingentes nos cabelos dourados.

_Você não? – não me lembrava de nenhuma criança como ela ali, provavelmente era uma nova paciente. Acho que não se é novo demais para enlouquecer. _Aqui, me diz o que vê. – Ela me entregou a câmera.

_Onde conseguiu isso? – perguntei desconfiada, não era permitido objetos como aqueles para os pacientes.

_Eu achei. – suas pernas curtas balançavam para frente e para trás movendo o balanço lentamente. Levei a câmera ao rosto e olhei pela lente. Observar através de uma lente deixava aquele jardim mais bonito e menos mórbido. Era estar ali e não estar ao mesmo tempo, como olhar de uma luneta um planeta distante que achamos por aquele breve momento que podemos alcança-los.

Virei a lente para ela, a menininha sorria para mim, um sorriso infantil e olhos se igualando a cor da neve. Brancos como os flocos de neve. Afastei a câmera ainda me permitindo ficar assustada com as coisas estranhas que meu cérebro doente me fazia ver. Ela olhava para mim, olhos perfeitamente normais e tão azuis quanto o meu.

_Anda, tira uma foto. – incitou ela.

De novo olhando através da lente ela tinha os olhos normais, apertei o botão e a foto começou a ser imprimida. Ela sorriu satisfeita e se concentrou em brincar no balanço, girava para lá e para cá no assento.

_O que você quer vê? – perguntei. Ela levantou os olhos para meus, olhos tão carregados e cheios de significado que não deveria ter numa criança.

_Eu quero ver o meu pai. – eu também. Pensei sentindo-me compreendida por ela.

_Toma. – tentei devolver a câmera para ela. Ela recusou a pegar.

_Pode ficar. Somos amigas agora. – ela pulou do balanço, colocou a mãozinha sobre a minha na corrente do balanço. Um calafrio percorrei todo o meu corpo. Seu toque era frio, muito frio. É claro que era, estávamos no meio de um jardim congelante. _Pode me chamar de Lily.

_Eu sou Isabel.

_Eu sei bobinha. – ela riu e depois saiu saltitando e cantarolando para longe, a observei se afastar. Como sabia meu nome?

_Quem é sua nova amiga? – perguntou uma voz atrás de mim, não precisava me virar para saber de quem era, sorri sentindo-me mais animada.

_Adam, o que estar fazendo aqui? – perguntei estranhando sua visita pelo horário que era e pelo tempo gélido.

_O que você estar fazendo aqui? Eu já estou congelando. – ele tomou o lugar de Lily, que já havia sumido de vista. Fiquei feliz em saber que ele também viu a garotinha.

_Perguntei primeiro. – ele encarou a cortina de neve a sua frente. Suas bochechas e a ponta do nariz estavam vermelhas, ele usava um touca verde escuro e um moletom como o meu, que aliás era dele também.

_Eu vim assim que soube, o médico disse para não comentar com você sobre, você sabe, mas se quiser conversar...

_Do que está falando? – perguntei. Ele olhou para mim com o cenho franzido.

_Do que houve ontem aqui, todo mundo só fala disso, é... você não se lembra? – ele me fitava intrigado e cauteloso.

_Lembrar do que? Não houve nada ontem aqui. – repassei na minha memória os eventos do dia anterior. Era a mesma rotina, café da manhã, remédios, e consulta com a doutora Williams e resto do dia com as refeições e o que eles chamavam de lazer.

_É claro, tem razão, é que ouvir algo bizarro vindo da capital e confundi os nomes dos lugares. – ele sorriu, um sorriso falso e sem graça. Sabia que escondia alguma coisa de mim, mas era eu que vestia o uniforme branco, resolvi não questiona-lo.

_Prevejo que será meu colega de quarto. – brinquei, ele riu deixando o nervoso aparecer. Adam estava estranho, tentando agir casualmente. Ele tinha mostrado até então uma naturalidade com meu caso que eu precisava, não me olhava como uma coitadinha e sim como uma amiga que estava passando por um momento difícil. Me sentia grata por tê-lo na minha vida.

Balancei a cabeça e lembrei da câmera no meu colo. Sorri para ele e levei a máquina ao rosto. Ele sorriu maroto para lente, a tensão o deixando.

_Entendo que queira uma foto minha.

_Entende é? – arqueei uma sobrancelha já prevendo o que veria a seguir.

_É claro, você quer mostrar para todo mundo aqui como seu amigo é gato. – disse sem nenhum pingo de humildade.

_Puxa, você acertou, Eu vou andar por ai mostrando as pessoas a sua foto e dizendo a elas minha sorte de ter um amigo modesto como você.

_Esqueceu de inteligente, talentoso, charmoso, brilhante, acho que já disse gato...

_Adam, Cala a boca. – rimos e a foto que tirei saiu tremida. _Como vão as coisas na escola?

_Estamos sentindo sua falta.

_Duvido que tenham sequer notado minha ausência. – Já podia imaginar os apelidos sobre minha "condição" que tinha ganho.

_Ficaria surpresa se quando voltasse tivesse uma festa de boas vindas. – sabia que ele brincava, tentando não pesar o clima com esse assunto. Ele provavelmente estava ouvindo bastante piadinhas maldosas sobre mim pelas suas costas, pelo seu status ninguém falaria nada na sua cara. As vezes me perguntava por que ele ainda era meu amigo.

_Nesse dia o inferno congelaria. – falei sorrindo.

_Então espero que o Diabo faça um estoque de moletons. – retrucou rindo e depois ficando mais sério. _É, é melhor que não espere por isso.

_Não acredito, já estava pensando na roupa que usaria.

_Você tem a mim. – Adam sorriu torto.

_Eu tenho você. – respondi lhe devolvendo o sorriso. Ele se voltou para sua frente. As roseiras que ladeavam o perímetro estavam salpicadas de branco criando um cenário bonito no ambiente totalmente verde.

_Posso comprar um balão.

_Eu adoraria. – examinei as fotos reveladas. Me ver numa foto era estanho, minha pele parecia mais pálida que de costume, meu cabelo muito escuro que fazia ser possível destacar os flocos da neve que se emaranhou entre os cachos. E a observação mais estranha eram meus olhos; eles brilhavam em um azul tão límpido como nunca antes e em volta da borda azul um halo negro parecia querer dominar a cor, até então nunca tinha notado aquilo.

Provavelmente seria um efeito do tipo daqueles em que as pessoas ficam com olhos vermelhos em fotos com flash. E a qualidade da imagem numa foto tirada com uma câmera analógica antiga não era perfeita.

_Adam, olhe para meus olhos – pedi, ele obedeceu franzindo o cenho.

_O que foi?

_O que você vê? Digo, a cor.

_Eu vejo azul, como eles sempre foram. – ele me encarava confuso.

_Não parecem brilhantes para você, ou esquisito? – esperava não está parecendo louca, ainda mais louca.

_Estão normais, nada de esquisito, por que? – entreguei a foto a ele, ele examinou minuciosamente e depois me lançou o olhar interrogativo.

_Os olhos. – indiquei na foto, Adam voltou a olhar, levantou a foto ao lado do meu rosto, olhou da foto para mim, de mim para foto, apertou os olhos para imagem em seguida voltou abri-los.

_Isso é esquisito, mas meu primo Frank comprou uma dessas e todas fotos saíram embaçadas, é a câmera que é uma porcaria.

_Deve ser. – respondi ainda não muito convencida. As fotos mostram o que não podemos ver. Foi o que Lily disse para mim.

_Acho que já vou, talvez ainda pegue o segundo tempo de aula. – disse se levantando tirando minha atenção da foto.

_Adam? – seus olhos castanhos se sustentou nos meus esperando. _O meu pai, como ele está? – seus olhos se desviaram, ele colocou a mão nos bolsos inquieto.

_Ele está bem, anda bastante ocupado com... é, tudo. Por isso que ainda não veio. Mas ele disse que sente sua falta e quer que melhore logo para voltar para casa. – como ele mentia mal. Sorri mesmo assim, sua tentativa de me fazer sentir melhor me fazia melhor.

_Vai, não quero que perca aula por minha causa. – ele assentiu aliviado por eu não querer saber mais sobre meu pai.

_Sim, Senhora Corand. – ele fez um reverência exagerada e se afastou.

_Bel? – chamou Adam de longe.

_Volte para nós. – seu sorriso fácil se confundindo com a neve caindo.


Volte para mim...


Dean...


Acordei sentindo-me sufocada. Quebrando a superfície de gelo imaginária e respirando pela primeira vez em muito tempo.

O teto que encarava era uma armadilha do diabo gigante feita com o sistema de ventilação. Levantei o corpo e tentei captar o máximo de informação do cômodo onde estava. Não conhecia o lugar. Não entre em pânico.

A minha lembrança ainda estava viva na memória. Eu lembrava daquilo, lembrava que aquele tinha sido meu primeiro contato significativo com uma câmera, lembrava também que Lily nunca mais apareceu. E lembrava de olhar meus olhos no espelho e os vê normais. Não era uma memória pagada, era uma memória esquecida pelo tempo.

Anna havia me feito lembrar de algo que fora apagado e eu busquei o episodio seguinte, depois que Ele me ofereceu seu tipo de paz. Fazia sentido agora. Nem tudo. Quem era a garotinha com os olhos brancos?

E agora, no meu despertar eu percebi que tinha muitas coisas que eu deixava passar despercebido. Eu via olhos negros e pessoas que apareciam na minha vida e sumiam o tempo inteiro, não me importava por que achava que estava louca, quando na verdade estava lúcida.

Os sinais apareciam, vinham e iam, brincado de esconde-esconde comigo. Meu professor de inglês, vi seus olhos pretos uma vez, era só a luz, disse a mim mesma. As freiras que passeavam na rua, suas aparência monstruosas e sobrenatural visível num milésimo de segundo, seus terços tortos nas mãos. Estava só imaginando.

Meu Deus, eu tinha quase desmaiado uma noite com uma sensação avassaladora e angustiante que não teria como explicar. Aquela noite eu sabia que um mal ocupava a terra, Ele tinha sido liberado, eu sabia. Era apenas a fome.

O tempo inteiro. Minha adolescência inteira foi baseada em desculpas que eu dava a mim mesma para não querer acreditar que existia coisas ocultas nas sombras. Coisas sombrias, que naqueles cálices continham o que iria me tornar um membro daquela classe...

Tossi engasgando com o ar, levantei o tronco e apertei a palma da mão no coração que batia tão forte que me deixava tonta só de tentar acompanhar. Forcei o ar a entrar pelo nariz e ser expulso pela boca. Fiz isso até me sentir devidamente calma.

Voltei minha atenção para onde estava. Era como uma câmara com paredes de ferro, um pentagrama pintado de vermelho no chão com símbolos desenhados da mesma entre os espaços da estrela. Nos cantos; uma cadeira, uma mesa com uma luminária e o mais impressionante: Um arsenal com as mais variadas armas a disposição, machados, estacas, um galão com água benta, enfim, tudo que se precisa para detonar qualquer coisa.

Coloquei uma perna para fora da maca e depois a outra testando meu peso quando pisei no chão descalça. Só agora notava que vestia uma camisa xadrez preta. A camisa do Dean. Dean. Onde ele estava e onde eu estou?

Minha última lembrança era ter atacado Anna. A dor, os gritos, o poder. Depois vê-lo, Dean entre as ruínas da casa eu apaguei.

Peguei uma arma, um rifle. Verifiquei se estava carregada e fui até a porta. Com cuidado eu abri a tranca de uma porta pesada de ferro. Passei por mais armadilhas e me vi numa espécie de porão. As paredes de concretos, prateleira com materiais e livros velhos. Tinha uma escada logo ali. Ouvi vozes acima de mim, não conhecia nenhuma. Eram vozes masculinas e femininas. Tinha passos também, e vinha em minha direção.

Me escondi atrás de uma prateleira e esperei com a arma pronta. Meu coração voltou a desparrar enquanto ouvia o gemer da escada e uma sombra chegando perto. Só era possível ver uma silhueta de costas. Poderia ficar parada ali agir e descobre quem era e o que pretendia comigo.

Preferia a segunda opção. A cano da arma encostou na nuca dele, era homem, e muito alto então tive levanta a boca do rifle para poder ameaça-lo.

_Quem é você? – perguntei. As costas largas do homem se retesiaram e ele levantou as mão em sinal de rendição. Seu cabelo parecia tão familiar, mesmo de costas e mesmo no escuro.

_Calma, você deve está confusa, mas...

_Vire-se. – ordenei sentindo minha mão soar e tremer involuntariamente. Ele obedeceu. Seu rosto... Não, ele não podia... Abaixei o rifle me sentindo derrotada e de repente muito cansada.

_Isabel...

_Não! – o cortei. _Me deixe em paz, não sei o que quer de mim, mas não vai consegui nada ferrando com a minha cabeça. ­– ele franziu o cenho e pareceu genuinamente confuso e intrigado.

_Isabel. – aquela voz eu conhecia muito bem. Dean, ele também estava no meu sonho. Que tipo de jogo doentio Lúcifer estava fazendo comigo? Dean parecia ter visto um fantasma, depois emoções tomaram seus olhos para só então ele perceber o que estava fazendo. _Isabel, está tudo bem, você está segura aqui. Esse é o Sam, meu irmão. –Olhei de volta para o homem alto, só lembrava dele vestindo um terno impecavelmente branco e me tirando o ar.

_Não, ele... não pode ser, onde eu... onde eu estou? – o rifle continuou firme na mão, eu mirava o peito de Lúci... Sam.

_Por que não abaixa a arma e podemos conversar. – pediu Dean se aproximando cautelosamente. Olhei para Sam, ele não parecia como da única vez o que o vi. Sam me olhava intrigado e temeroso. Abaixei a arma e Sam deixou escapar um suspiro.

Me voltei para Dean, ele não esperou qualquer reação minha, me tomou nos braços me envolvendo num abraço forte. No primeiro momento não reagi, só deixei que ele me abraçasse, então comecei a sentir a queimação morna no peito.

Deixei que Sam tirasse com cuidado a arma da minha mão para que eu retribuísse o abraço. Quanto tempo tinha dormido? Ou estado em coma?

_Dean, você está... – tentei dizer quando senti uma pontada na costela. Dean se afastou, rápido demais. Ele sorriu para mim.

_Como você está? – perguntou. Olhei de relance para Sam, ele parecia deslocado ali, como se estivesse invadindo um momento intimo.

_Bem. – disse ao dois. _Sam, me desculpe, não queria tentar atirar em você, ou nada disso, eu só...– experimentei sorrir.

_Ah, não, tudo bem. Eu entendo, você deve está muito confusa agora, eu vou... ­– ele indicou o andar acima, deixou o rifle encostado a parede e pegou um livro velho atrás de si - provavelmente era isso que ele iria fazer ali - olhou para o irmão e sorriu discretamente para mim enquanto se afastava e subia as escadas.

Eu olhei para Dean e ele para mim. Não tinha palavras a ser ditas. Eu ainda estava muito confusa com o que aconteceu e nem um pouco ansiosa para contar a Dean o que descobrir sobre mim. Estava com medo também, não sabia como ele reagiria se soubesse que eu era uma experiência insana de Lúcifer.

_Seus olhos, eles parecem mais... vivos. – meu sangue gelou. Abaixei o olhar. Parecia ter passado por uma metamorfose. Os olhos da foto. As fotos revelam o que não podemos ver. Esse véu tinha caído. O que mais de mim fora exposto agora? _Acho que você vai precisar de roupas. ­– disse Dean e pela primeira vez o vi sem jeito, não se prendeu ao fato da cor dos meus olhos terem mudado.

Ele tentava conter algo. Talvez seja as perguntas que sabia que ele tinha ou o motivo mais tolo; ele estava aliviado de me ver acordada. Esperava que fosse a última opção.

Eu também estava feliz de saber que ele estava bem, vivo. Mas onde ele esteve quando tudo explodia?

_Claro. Isso seria bom. – ele assentiu.

_Acho melhor ficar aqui, nós temos visitas. – fiz que sim com a cabeça. Ele deu uma última olhada em mim e depois subiu as escadas desaparecendo no fim delas me deixando sozinha naquele lugar estranho.

Por mais que insistisse e forçasse a ficar calma por dentro eu enlouquecia, me debatendo na minha pele.

Nada seria capaz de acalmar e fazer parar de doer o aperto que sentia no peito a sensação familiar de saber que Ele estava por perto. E de que eu tinha parte dele em mim.

Ganchinhos invisíveis tinham sido espetados em minha mente para que pudessem me puxar para baixo a qualquer momento. E eu oferecia um bom estoque de más lembranças que poderia ser usadas contra mim para fazer eu me sentir doente novamente e até mesmo insana.

Ainda decidia se contaria ou não para Dean. Ele ia perguntar, com certeza, não queria mentir e também não queria contar a verdade. Desse jeito tinha chegado ao um impasse comigo mesma.

Minutos depois eu estava apropriadamente vestida e calçada. Dean me conduzia para o andar de cima. Estava nervosa em saber que em minutos eu iria conhecer o dono da casa, duas caçadoras e Sam, o irmão de Dean que a poucos eu quase atirei.

A casa era agradável, tinha certa calorosidade e ao mesmo tempo, se olhasse mais detalhadamente, veria os sinais de uma casa típica de um caçador. O cheiro de Uísque e livros velhos perfumava o ar morno pela lareira acesa.

Me sentia como na primeira série, aquela que você tinha que se apresentar para turma inteira enquanto as crianças olhavam para você com curiosidade.

Dean fez as apresentações a quem eu ainda não conhecia, todos foram bem receptível, o que fez eu me senti menos estranha. Para minha surpresa Castiel estava entre eles, nossos olhares se cruzaram por um breve momento. Soube na hora que ele era o único capaz de apontar minha possível mudança.

Alguma barreira havia sido rompida quando ataquei Anna, quando fui posta a provar á Lúcifer o que ele fez comigo. Me sentia estranha, como se enguias elétricas passeassem dentro de mim.

_Então, onde é a festa? ­– perguntei notando o clima de preparação, claramente para uma missão, e uma das grandes. Alguns olhares foram trocados entre as pessoas.

_Nós vamos matar o diabo. – por fim Sam respondeu. Me surpreendi com sua resposta até ele mostrar o Colt. Era isso, eles iriam mesmo matar o diabo. Tinha perdido muita coisa. Não sabia como, com quem e quando eles conseguiram o Colt, só me importava com o que a arma podia fazer. As explicações pediria depois.

_Tudo bem e quando saímos? ­

_Você não vai. Acabou de voltar da zumbilândia. Vai ficar aqui com o Bobby. – olhei de relance para Bobby. Não queria ofendê-lo de alguma forma, mas sem chances de eu ficar ali.

_Dean. ­

_Isabel. Não. Você não vai nem que eu tenha que algema-la na cadeira do Bobby. – Dean já havia decidido isso por mim.

_Me algemar? Ah é, da última vez deu muito certo. – respondi na mesma intensidade o desafiando com o olhar. O clima foi ficando pesado, os presentes tentavam não prestar a atenção na briga que se iniciava.

_Por que os esquentadinhos não conversam em outro lugar, longe das armas. – sugeriu Bobby.

Dean passou por mim e eu o seguir até a cozinha. Ele fechou a porta de corre atrás quando entrei.

_Dean, eu não quero brigar, então, por favor, vamos tentar resolver isso de forma civilizada. ­– tentei convence-lo.

_Não posso deixar você ir. – ele se recostou na bancada de um armário.

_Não estou pedindo sua permissão. – disse muito séria.

_Não faz nem 24 horas que você voltou de uma espécie de coma, não vou deixar isso acontecer de novo. – quanto ao motivo ele parecia realmente sincero e certo.

_Eu entendo sua preocupação, mas...

_Não tem mas. Você não vai. É quase uma missão suicida, não dá para matar o diabo e cuidar de você, do Sam ao mesmo tempo.

_Eu sei Dean, você não entende. – fiz uma pausa e respirei fundo. _Eu tenho que estar lá.

_Do que está falando?

_Eu não sei, só tenho que ir, tenho que olhar para ele. – cheguei mais perto dele, coloquei seu rosto em minhas mãos, segurando o seu olhar no meu. _Eu o vi, foi um sonho, antes de tudo explodir naquela casa. Ele falou comigo, disse coisas sobre mim, sobre seu irmão. Eu só... tenho que estar lá para ver ele morrer, para ter certeza de que esse pesadelo acabou. – Dean me olhou fixamente.

_De jeito nenhum. – voltou a teimar.

_Essa é a minha decisão. – respondi baixo e colocando certeza em cada nota.

_Não pode fazer isso com você, não pode fazer isso comigo. – me afastei dele frustrada e furiosa.

_Desculpa ferir seus sentimentos, mas não é você que está com o diabo na cabeça! – disse em tom alto e irado.

_Não vou deixar você se matar. Você não vai. – respondeu ele. Era um cabo de guerra verbal.

_Não estou pedindo sua permissão. – puxei a corda com mais força para meu lado, o dele cedeu. Ele cerrou os punhos com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos, um longo silêncio se estendeu. Depois ele falou:

_Quer saber, eu desisto, faz o que quiser. Estou cansado de me esforça para proteger você quando claramente quer se matar. Parabéns conseguiu, não vou mais interferir nas suas decisões. – ele abriu a porta com tanta força que ela bateu no batente e voltou ficando entre aberta. Seus passos eram firmes, estava transbordava de raiva.

Enchi um copo de água sentindo fome também, peguei uma maça na mesa e deu uma mordida. No canto tinha um espelho quebrado, olhei para meu reflexo. Nossa, Dean tinha razão, meus olhos mudaram. Eram os olhos da foto, um azul profundo, ainda normal e ao mesmo tempo quase sobrenatural, e lá estava, por pouco imperceptível, o halo negro. Era quase impossível parar de olhar. No que eu me transformava? Pisquei e decidi olhar a maça na minha mão, já perdia a fome.

Saí da cozinha, sentei numa cadeira longe o suficiente para não ter que encarar diretamente qualquer um dos presentes. Tinha quase certeza que nossa conversa foi ouvida.

O ferimento no meu ante braço latejava, nem me lembrava exatamente como o consegui. Teria que trocar aquele curativo. Não ia pedir para Dean fazer isso, daria um jeito. Tirei devagar a bandagem em volta dele e analisei o corte. Não era nada grave, mas teria que ter cuidado para não infeccionar. Tentei enrolar a faixa no lugar usando os dedos e a boca.

_Precisa de alguma ajuda? ­– a pergunta veio de Sam. Ele estava a minha frente com um olhar divertido para mim com a ponta da bandagem a boca tentando enrolar inutilmente no meu ante braço.

_Por favor. – disse cuspindo o tecido.

_Tudo bem, eu vou jogar isso fora e trazer novas gazes. – nisso ele pegou o trapo sujo da minha mão e saiu. Poucos instantes depois estava de volta com gazes limpas e uma garrafa de vodca na mão. _Isso foi o mais próximo de álcool que achei. – explicou a garrafa.

_Pelo menos tem uma dupla utilidade. – ele sorriu pegando gentilmente meu braço.

_Vai arder um pouco. – ele derramou um pouco da vodca no corte. Como disse, ardeu, fechei as mãos em punhos e esperei que passasse. Depois ele limpou com cuidado e começou a enrolar com a gaze.

_Acho que escolhi o Winchester errado. – falei o deixando sem graça.

_Pronto. – ele tinha terminado.

_Obrigada. – agradeci. _Eu ouvi muito sobre você. – ele arqueou as sobrancelhas.

_Acredito que não foram coisas boas.

_Depende do ponto de vista. – ele balançou a cabeça com um sorriso fraco e amargo.

_Quem você pensou que eu era quando apontou a arma para mim. – ele falava com cautela, talvez temesse minha reação ao abordar aquele assunto, mas ao mesmo tempo ele tinha certa curiosidade.

_Eu... Na verdade eu não sei direito, estava muito confusa. – queria ser sincera, mas não acho que seria uma boa dizer a ele que o vi num futuro onde Lúcifer estaria usando seu corpo.

_E desculpa, mas não pude deixar de ouvir você dizer que o diabo está na sua cabeça. – ele usou a mesma cautela de antes. _O que isso quer dizer?

_Digamos que satã está guardando um lugar vip para nós no seu clubinho. Ele me disse isso num sonho. ­– ele assentiu de modo que compreendesse o que eu dizia e não precisasse fazer mais perguntas.

_Então você sabe. – ele não olhava diretamente para mim e sim para a garrafa em sua mão.

_Eu sei o suficiente. – limpei a garganta. _Sam, eu não sei seu lado da história, mas não o culpo. Eu acredito em você. E você está pagando o preço por isso. É o soldado perfeito. Te usaram e agora você tem toda essa raiva e arrependimento que podem ser úteis no campo de batalha. Eu acredito que podemos vencer o diabo. Se não hoje, depois. Vamos morrer tentando. ­– ele não respondeu, só me fitou como se tentasse me decifrar. Avistei Dean conversando com a loura, Jo. Eles pareciam ser bem próximos. Castiel estava do outro lado, Ellen fazia uma espécie de jogo com bebidas. Não me pareceu uma boa ideia.

_Parece saber muito sobre mim. – disse Sam atraindo de volta minha atenção.

_Como eu disse, sei o suficiente.

_Então você acha que vamos ver o amanhecer.

_Você não?

_É uma missão suicida.

_Não estou vendo você aproveitar seu última dia na terra. E poxa, não posso morrer sem antes consegui o autógrafo do Mick Jagger, dormir com o Robert Dawney Jr., fotografar um ensaio nu do Brad Pitt e ver os Mets ser campeão. – Sam riu. Covinhas pontuaram suas bochechas.

_Se é assim é melhor se preparar para vê-los perder para os Yankees. ­– rebateu Sam. _E, sério? Robert Dawney Jr.? O cara é casado.

_Ha-ra, então você não acredita que vamos morrer hoje. – Sam balançou a cabeça contendo sem sucesso um sorriso.

_Touché.

_E quanto ao Dawney Jr., isso é só um detalhe Sam.

_Todos aqui. Hora da foto. Eu preciso de alguma coisa para lembrar das fuças de vocês. – interveio Bobby, ele levava em mãos uma câmera antiga.

_É serio Bobby? – perguntou Dean.

_Muito sério. Andem logo. Fação uma fila aí atrás.

_Vamos? ­– Sam levantou.

_Ah, não, eu acho que não. É uma foto de família.

_Estamos no mesmo barco, então somos todos família.

_Sam tem razão, deixa disso, anda, arranja um lugar aí na frente. – disse Bobby a mim. Mesmo contrariada levantei me coloquei entre Sam e Castiel. A anjo ao meu lado dizia o que todos estávamos com medo de dizer em voz alta. A probabilidade de vivermos até amanhã era quase nula. De certa forma suas palavras surtiu efeito.

Dean olhou para mim. Um breve instante antes de o clarão do flash iluminar nossos rostos e registrar naquela máquina nossa versão do esquadrão suicida.


... - ...


Uma chuva fina caía, o percurso foi carregado de tensão. Não me deixei abalar minha confiança. Entramos na cidade. De primeira daria para dizer que aquela era uma cidade fantasma. Não se via uma viva alma. Durante o percurso Dean e Sam me contaram como tinham conseguido Colt. Um demônio disposto a ajudar era novidade.

Dean verificou o celular.

_Sem sinal. – disse.

_Também. ­– disse Sam ao verificar o dele.

Pela primeira vez estava no banco traseiro do Impala. Sam ocupava um lugar que era dele por direito e eu tinha usado por um tempo. E mesmo tão próximos havia uma distancia entre os irmãos. Era notável que alguma coisa que estava fora do lugar e não se encaixava como antes.

O carro ao nosso lado era de Ellen e Jo.

_Estamos sem sinal, eu vou dar a volta no perímetro e depois nos encontramos aqui.

Demos a volta, não pude deixar de observar os cartazes de procura-se colocados nos postes e sendo levados pela corrente de ar por toda cidade. Aquilo definitivamente não parecia bom.

Assim como dito encontramos Jo e Ellen, nos juntamos a elas.

_Onde está o Cass? – perguntou Dean.

_Ele viu ceifeiros e depois sumiu. – respondeu Ellen.

_Ceifeiros? Quantos? – questionou Sam.

Enquanto eles discutiam o paradeiro de Castiel eu começava a achar que aquela não era uma boa ideia. Eu podia sentir a pulsação em mim. Ele estava ali, perto. Eu sabia. Como um detector de metal eu poderia guiar-me até ele.

_Vamos andando. – Dean guiou um grupo. Viramos uma esquina e depois outra. Todos nós tínhamos armas as mãos. Prevenidos para qualquer coisa.

_Tudo bem? – perguntou Dean se juntando a mim no fim do grupo. Estávamos afastados o suficiente para que os outros não ouvisse o que falássemos. Não senti necessidade de responder. Se viesse uma provavelmente seria mentira, já um olhar seria muito mais sincero e daria a ele a minha resposta. _Sobre o que eu disse, que não importava e que deixaria você fazer o que quiser, aquilo foi um monte de besteira. Eu me importo, e muito. E se esse for nosso último dia quero que saiba... – ele deixou a frase no ar. Paramos e mais uma vez nos comunicamos pelo olhar.

_Eu sei, Dean.

_Dean. – Sam chamou. Todos tinham armas apontada para um alvo: Meg. Dean me colocou atrás de si.

_Admito sua coragem de vir sozinha. – disse Dean apontando o Colt para ela.

_Quem disse que estou sozinha? – e não estava. Aos poucos eu conseguia discernir os contornos do que pareciam cães negros a sua volta. O estranho é que eles pareciam protegidos por alguma coisa que não era possível ver sua forma inteira, como se envoltos em uma bruma. Eu via focinhos com dentes perigosamente afiados, via também patas negras e temíveis olhos vermelhos.

_Cães do inferno.

_É Dean, trouxe os meus filhotes para passear. É o seguinte, meu pai quer vê vocês. Todos vocês. – ela me lançou um olhar rápido. Um olhar imperceptível aos outros que para mim teve muito significado. Dean olhou para nós. Aquilo significava: estejam preparados para correr.

_Diz para ele que dispensamos o chá e os bolinhos. – Dean apontou a arma num ponto próximo a perna de Meg. Um cão, o Colt disparou e a bala atingiu o pescoço do animal. Não ficamos para ver o que aconteceria em seguida, Meg deu o comando e a orla de cães avançaram para nossos calcanhares.

Corríamos e atirávamos ao mesmo tempo. Consegui acertar um deles, e outro estava muito perto, não de mim, de Dean.

_Dean! – gritei. Dean caiu, o desespero que não sentia antes veio me cumprimentar. Retrocedi minha corrida. A cena era rodada em segundos. No momento em que ia atirar contra o cão negro Dean gritou, não foi o meu nome, outro nome. Sam. Seus olhos estavam focados em mim e ele gritava por Sam.

A próxima coisa foi sentir um braço forte enlaçar minha cintura e me arrastar para longe. Meus olhos encontraram o de outra pessoa. Jo avançava e atirava no cão do inferno. Enquanto salvava Dean outra coisa vinha em sua direção. Sam tinha me soltado, mas não a tempo de conseguir atirar na coisa que avançou na Jo.

Era uma bagunça. Eu tentava salvar Dean, Dean salvava Jo, e Sam me salvava. Consegui ver as garras do cão fazer fendas no corpo da Jo, na sequência Dean conseguiu abater o animal. Era impressão minha ou eles não estavam conseguindo ver os cães claramente, era como se fossem totalmente invisíveis para eles.

_Sam. A direita. – Sam se virou e atirou, o tiro pegou a orelha do cão a pouquíssimos metros de nós. Podia sentir e ouvir suas patas pesadas avançando. O meu disparo acertou sua cabeça e ele caiu. Sangue negro escorreu do seu ferimento e sujou o afasto formando rápido uma poça.

Sam me encarou, a surpresa estampava seu rosto, após voltamos a correr. Sam na frente conseguiu achar uma porta. Uma mercearia estava com sua entrada destrancadas. Sam escancarou a porta e Dean carregando Jo nos braços passou por ela seguida por Ellen.

_Sam. – apontei um ponto a alguns metros, a esquerda onde um cão vinha. Sam apontou e atirou, dessa vez o tiro foi certeiro, atingindo a barriga do animal.

Eu entrei e depois Sam. Ele passou correntes pelos puxadores, olhando para os lados vi estocados no canto da loja sacos de sal. Os peguei e tratei de traçar uma linha grossa rente a porta. Lá fora os cães rosnavam, e a porta balançava. As batidas só pararam quando terminei a linha.

_Sam, me ajuda aqui. – foi a voz de Ellen vindo dos fundos da loja.

_Você está bem? – perguntou Dean, tinha sangue na sua camisa.

_Estou. E a Jo?– dava para ver o pavor no seu olhar. Jo para ele era alguém muito importante, isso estava claro. _Nós vamos dar um jeito.

_Claro. – respondeu sem muita convicção. Dean foi até um rádio antigo e tentou achar comunicação. Me movi para o fundo da loja.

A situação da Jo estava bem feia, ela segurava uma bandagem na barriga e o sangue rapidamente substituiu a cor branca para vermelho.

_Eu posso fazer alguma coisa para ajudar? – perguntei me sentindo mal com tudo aquilo. Jo havia salvado Dean quando ele tentava me salvar, não era justo com ela.

_Sim, pode continuar pressionando isso. – me ajoelhei e tomei o lugar da Ellen, coloquei minha mão sobre a de Jo e mantive a pressão. Ellen sorriu para filha e foi se juntar a Dean.

_Vou ver o que temos. – disse Sam se afastando. Ficamos só eu e Jo. Mesmo não a conhecendo tinha a ligeira certeza que tínhamos pontos em comum. Éramos duas garotas jovens tentando sobreviver naquele mundo sem bote salva-vidas, tendo de se provar para muitos marmanjos veteranos.

_Ele gosta de você. – me surpreendi, tanto com ela falar comigo quanto pela a afirmação. Depois de uns segundos de confusão consegui compreender de quem ela falava.

_Ele disse isso a você? – perguntei cética.

_Não, acho que nem se o apontassem uma arma ele admitiria que está gostando de uma garota. – sorrimos, ou pelo menos ela tentou. Tínhamos também Dean em comum. Fiquei tentada a perguntar como ele era antes de o conhece-lo.

_Como pode saber?

_Eu só sei, sei lá, acho que o jeito que ele olha para você ou fala de você. – ela respondeu com a voz estraçalhada pela dor, depois tossiu um pouco. Queria poder ajudar mais do que só fazer pressão com uma bandagem cada vez mais encharcada.

_Eu e ele, nós, é complicado. – ela assentiu como se visse nossos problemas como casal. Nesse momento sentia a necessidade de ter alguém com quem conversar sobre esse tipo de coisa. Por mais desconfiada que estivesse de que ela também tinha uma queda por Dean, o ciúmes ali não se aplicava. Por aquele breve momento éramos aliadas. Unidas por gostar do mesmo cara problemático que nos via como garotinhas.

_É o seguinte, vocês vão resolver toda essa porcaria e você vai fazer ele feliz. Se não eu volto como um fantasma e faço vocês irem a terapia de casal. – rimos, o feito para ela foi doloroso, senti pela sua mão apertando a bandagem e os grunhidos de dor escapando de sua boca. Ela colocou a outra mão sobre a minha. _Ele merece isso. Não o magoe. Ele pode ser durão, mas não tem o coração blindado.

Era um pedido sincero que eu deveria levar a sério. Prometeria a ela se pudesse, mas não sabia se era eu a garota capaz de fazê-lo feliz.

Antes que eu dissesse qualquer coisa Ellen havia voltado. Deixei que tomasse meu lugar. Ela agradeceu e eu agradeci de volta trocando um sorriso fraco com Jo.

_Posso falar com você um minuto? – perguntou Sam discretamente. Assenti e nos afastamos de Ellen e Jo.

Estávamos entre umas prateleiras com produtos e ferramenta para casa a esquerda da loja. Longe o suficiente para nos sermos ouvidos se falássemos baixo.

_Você consegue vê-los, não consegue? – Sam parecia inquieto.

_Vejo o quê? – perguntei não entendo a pergunta.

_Os cães. Você consegue vê-los? – tinha algo na sua agitação que me fez acreditar que ver um cão do inferno não era algo comum.

_Bem, eu... não vejo totalmente, é mais uma sombra deles. Como se eles fossem translúcidos ou algo assim. Por que, você não consegue ver isso?

_Isabel, ninguém, a não ser que esteja preste a ser arrastado para a morte, consegue ver um cão do inferno. – agora eu estava surpresa. Ninguém me disse isso.

_Oh. – não tinha argumento para aquilo. Cada vez mais minhas descobertas sobre mim mesma eram surpreendentes. _Não conte isso ao Dean. – pedi.

_Por que não?

_Por que... só não conta. Por favor, Sam.

_Sam. – chamou Dean. Continuei esperando a resposta de Sam.

_Ok, mas você tem que contar a ele.

_Obrigada. – agradeci. Sam foi até Dean, o segui.

Dean nos deixou a par do que estava acontecendo. Lúcifer estava fazendo um ritual para trazer Morte das profundezas. Tínhamos até meia noite para impedi-lo.

_Tudo bem, então só temos que tirar a Jo daqui, passar pelos cães e chegar ao diabo até meia noite. – proferiu Sam.

_Gente, para. Olhem para mim, não vou a lugar algum, não sinto minhas pernas. Minhas tripas estão seguras por poucas bandagem. Vamos ser realistas, eu não vou sair dessa. – começou a dizer. Ellen a repreendeu.

_Jo, não vamos deixar você aqui. – disse Dean.

_Eu sou um peso morto, Dean. Temos algumas coisas aqui que podem servi.– ela começou uma lista.

_O que quer fazer? – questionou Sam. Eu já tinha compreendido.

_Uma bomba. – disse baixinho. Jo concordou.

_Jo, não posso deixa-la fazer isso. – as duas choravam. Era duro ver mãe e filha tendo que se despedir uma da outra. Talvez se eu tivesse essa chance não sei se aguentaria me despedir da minha mãe.

_Mãe, essa é sua última chance de me tratar como adulta. Tem uma saída de incêndio, você podem sair por ela, eu deixo os cães entrarem e detono a bomba.

_Tudo bem. Tudo bem. – falou Ellen segurando as lágrimas. _Temos o que precisamos aqui. Meninos.

Aos poucos nos dispersamos e juntamos o material necessário. Colocamos sal em baldes de alumínio, pregos e ajeitamos as fiações necessárias.

Tudo pronto. Sam e eu nos afastamos e demos privacidade para Dean e Jo.

_Ainda acha que podemos vencer? – perguntou Sam amargo quando chegamos a porta que dava para a saída de incêndio. Tinha perdido minha confiança assim como Jo perdia sua vida, aos poucos e dolorosamente.

Mesmo se sobrevivêssemos veríamos pessoas que amamos morrerem de formas estupidamente dolorosas que iriamos desejar estarmos junto a eles.

Não respondi, Sam não esperava uma resposta. Dean vinha, sozinho.

_Cadê a Ellen? – Sam tirou a pergunta da minha cabeça. Não foi preciso Dean dizer nada, ele só balançou a cabeça e entendemos.

_Tudo bem, vamos. – Dean abriu uma janela grande, do lado de fora, uma plataforma para a escada de incêndio velha e enferrujada. Dean foi o primeiro, já na plataforma ele estendeu a mão para mim me ajudando a passar por ela, depois foi a vez de Sam.

Subimos com cuidado e com pressa os degraus, chegamos ao fim dela. Uma distância de um metro e meio mais ou menos do chão a escada terminava. Dean pulou. Pulei e fui amparada por ele, Sam veio depois.

Corremos e só paramos quando o barulho da explosão soou bem perto. A janela em que havíamos passados explodiu em cacos e o fogo se projetava dela como se escapando também.

Num gesto totalmente involuntário segurei a mão de Dean, ele retribuiu encaixando a minha na sua e apertando forte. Ficamos os três olhando o fogo consumir a loja por dentro. Esperando até que o que pesar, medo e a sensação de que aquilo não era para ser assim descesse goela abaixo e nos deixasse seguir.

_Dean, vamos. – Sam tocou o ombro do irmão, acompanhamos ele. Até que... Isabel... O sussurro poderia ser uma brisa passando por mim deixando minha pele quente mais fria. Não era Dean e nem Sam, a voz era feminina.

Parei e Dean parou comigo, pois sua mão ainda estava atada a minha.

_Ouviu isso? – perguntei olhando em volta, tentando encontrar naquela cidade entregue as moscas de onde vinha a voz. Dean pareceu confuso, Sam, que não tinha percebido nossa parada, veio correndo ver o que acontecia.

_Ouvi o quê? – Isabel... Era como o canto de uma sereia me chamando. Me soltei de Dean. Isabel... Dei alguns passos retrocedendo nosso caminho. _Isabel, o que foi?

Isabel... Dessa vez foi um gancho me puxando. Minha pele formigava. Um conflito interno de alguma coisa quente e fria se encontrando e tentando se sobrepor a outra. Lúcifer estava tão perto agora. Sua energia em todo lugar daquela cidade. Sentia-o em mim. Era só virar e...

Isabel. Comecei uma caçada louca a procura da voz que me chamava. Não percebi meus passos se transformarem em uma corrida. Ouvia Dean e Sam me chamaram e correrem atrás de mim, não podia parar tinha que continuar correndo.

Virei uma esquina, e depois outra. Então eu vi. Vi e ouvi o farfalhar do tecido branco fantasmagórico sendo arrastado numa varanda e desaparecendo atrás de uma porta. Não deu para ver da onde vinha o tecido e nem de quem o vestia.

Como uma corda me puxando corri. Assim que entrei na casa ouvi uma porta no final do cômodo bater. Dessa vez consegui discernir um corpo magro vestindo uma camisola; longa que parecia flutuar ao redor de seu corpo esguio e o cabelo muito negro caindo-lhe as costas. Infelizmente ela foi engolida pela noite, que caía rápido feito um cometa. Não consegui ver seu rosto.

Fui atrás não pensando em nada além de achar a dona da voz que me chamava. Corri por um gramado olhando para todos os lados. O vento forte ricocheteava meu corpo fazendo meu cabelo voar para frente atrapalhando minha visão e entrando na minha boca aberta enquanto arfava. Dean gritava meu nome, ele estava na casa e não tinha me visto sair dela pelos fundos.

Branco. Corri em direção ao branco que pintava o cenário escurecido do anoitecer. Corri e dei meia voltas enquanto meu ouvido se enchia daquela voz, chamando, convocando-me a encontra-la.

Não tinha percebido que já estava fora da propriedade. Saí por um portão dos fundos. A saída dava num beco escuro nos fundo de uma loja ou qualquer outra coisa. O chamado foi ficando mais forte e audível.

Isabel, Isabel... Cantava ela. Saí do beco para a rua totalmente deserta. Mais uma vez vi o vislumbre do seu manto branco. Corri para uma esquina, quando virei esta a vi.

Ela estava parada de costas para mim, sua camisola branca flutuava levemente a sua volta. Ela permaneceu imóvel, dei um passo a frente, ela se moveu, parei temendo que ela fugisse de novo. Devagar a mulher foi se virando, seu rosto ainda coberto por uma camada de cabelo que o vento jogava. Quando parou totalmente a minha frente o vento permitiu que visse seu rosto com clareza.

Uma faca me cortou por dentro me desestabilizando e deixando meu cérebro mais lento para processar qualquer coisa que justificasse aquilo.

Ela, ela era minha mãe.

Mãe.

Meus músculos se enfraqueceram enquanto lutava para manter a visão clara enquanto meus olhos queimavam e embaçavam antecipando as lágrimas. Todo o ar que respirava foi sugado para longe. Alguma coisa ainda me mantinha de pé e quando esta enfraquecesse tinha certeza que iria desabar.

Era ela na sua inconfundível perfeição. A pele de porcelana expondo poucas sardas, os traços finos e muito bem desenhados do seu rosto, o cabelo muito negro contrastando com o branco da camisola.

“A cara da mãe” era o que as pessoas diziam quando saímos juntas. Era como encarar uma versão mais velha de mim. Fazia tanto tempo que ela se foi que tinha me deixado esquecer a nossa semelhança. Forcei a esquecer para poder me olhar no espelho sem sentir a dor da sua perda.

E agora a fitava bem ali na minha frente. Deixei me levar pelo impossível, dei alguns passos hesitantes à frente. Ela sorriu tranquilamente, isso me deteve. Devagar ela se virou e caminhou para longe, a observei incapaz de me mover. Minha mãe encontrou uma porta, um prédio baixo ali perto. Ela girou a maçaneta, seu último olhar antes de entrar fez os movimentos das minhas pernas voltarem a funcionar.

Quando desapareceu na penumbra corri, ouvi Dean e Sam por perto, tratei de entrar por onde ela havia entrado.

O que encontrei não foi o fantasma da minha mãe e sim um espaço vazio. Encarei a cena, os atores presentes. A luz crepitava em volta de um círculo perfeito, a estrela dentro dele era Castiel, como coadjuvante Meg em um canto, e a atração principal Ele. O meu pior pesadelo. Meu criador. Lúcifer.

Parei, encarei, tentei encontrar o oxigênio.

Até aquele momento me concentrei apenas na teoria de como seria vê-lo em carne e osso. Fui estúpida por pensar que passaria por aquilo fácil, que conseguiria administrar bem minhas emoções, vontades e objetivos.

O que eu esperava encontrar? Com certeza não era aquele comitê de boas vindas. Ele me recebia de braços abertos, esperando um abraço.

_Olá minha querida, esperávamos por você. – continuei tentando processar.

O jeito como ele me absorvia era demais, exagerado. Tão perto, a poucos metros... Percebi o que ele havia feito, usou da memória de minha mãe para me atrair, ele usou da minha dor para poder me alcançar. Como ele pode? Concentrei–me em um só sentimento; Raiva, sentia muita raiva. Queria ataca-lo, feri-lo.

Nosso primeiro contato foi tão chocante e revelador que perdi a vontade de contra atacar. Tinha deixado de lado esse meu lado explosivo e cada vez mais controlador de minhas ações. Agora o recuperei.

Corri tendo em mim a certeza de queria poderia atingi-lo, e como eu queria feri-lo. Fazê-lo pagar por tudo o que vinha acontecendo comigo, o fazendo pagar pelo que o ele fez com minha cabeça.

Ele me esperava, de braços abertos esperando um abraço e um sorriso convidativo no rosto.

Quando meus punhos acertaram seu peito um trovão soou no céu ao longe. Ele continuava sorrindo. Estava ofegando e gritando. Mãos fortes tentavam me afastar dele, só não tinha força o suficiente.

_Tudo bem Meg. – ouvi ele dizer, eu pelo menos achei que sim. Meus ouvidos estavam preenchido pela minha fúria, que latejava, latejava me cegando e ensurdecendo.

_O que você fez comigo, seu monstro! O que fez comigo? Sai da minha cabeça seu desgraçado! – estava descontrolada, gritava, berrava, soluçava. Batia em seu peito com máximo de força que consegui aplicar. De repente ele segurou meus pulsos.

Perdi completamente a vontade de ataca-lo. Ele me matinha em seu manto, a minha energia fluía dele para mim e de mim para ele. Como duas metades. Dois destinos se encontrando. Não podia negar a mim mesma o quão boa era a sensação, sentir que o universo parava só para nós dois, sentir o poder sem dimensões. Tudo era pequeno a nossa volta, éramos grandes. Poderíamos conquistar o mundo. Ou apenas mata-lo.

Ele real, possível ao toque. O Diabo me tocava, me conquistava e tudo era tão real, tão vivo...

_Posso ajuda-la. Posso ajuda-la a controlar. – ele me mantinha calma, quase em estado de serenidade.

Você vai ficar bem, disse ele para mim uma vez. Tudo ficaria bem. Ele podia me ajudar. Eu tinha certeza.

_Quero que seja forte. – era impressão minha ou meu rosto estava molhado, estava chorando? Isso não fazia sentido, não agora. Ele virou o rosto para o lado, sombras dançavam nas imperfeições de sua face. _Quero que mostre para mim o que sabe fazer. Se fizer isso eu prometo que acabo com o que está sentindo, prometo que ficaremos bem.

_O que quer de mim? – sussurrei.

_Mate-o. – segui seu olhar. Os olhos azuis de Castiel reluziam, ele não pareia ameaçado, talvez já soubesse que esse dia chegaria. Ele talvez previsse que eu o mataria. Lúcifer me soltou, as chamas ao redor do anjo se amenizam, não apagam.

_Não posso. – Lúcifer só olhou para mim.

_Você precisa.

_Eu não posso fazer... – não completei a frase. Meg riu.

_Olha para ela, pai, só é uma garotinha assustada...

_Fique quieta. – ordenou ele. Meg se calou. _Isabel, faça isso e eu deixo sua mãe ir.

_O quê? – estava piscando rápido demais.

_Sua mãe, se mata-lo deixo a alma dela ir. – fiquei atônica por alguns segundos, conseguindo nesse intervalo o que precisava para decidir um lado daquele impasse.

Estava agora no círculo. Castiel me fitava. Esperava tanto que ele me dissesse alguma coisa, que me impedisse de colocar as mãos nas laterais de seu rosto. Que me detivesse de deixar os tentáculos da minha força se estender e alcança-lo. Por favor, o implorei não pronunciando as palavras. Não posso.

Não conseguia controlar. Ele me guiava, me induzia e eu estava desestabilizada demais para objeções.

Minha mãe no inferno. Era errado, muito errado.

Então faço o que pediu. Castiel contorceu o rosto, não gritou como fez Anna, ele era forte.

Dessa vez a presença de Lúcifer parecia se estender aos poderes que ele me deu. Castiel estava ficando sem cor, seus olhos se agitaram e sua essência morna se resplandeceu querendo se liberar.

_Não, Isabel, controle... – ele conseguiu falar enquanto caia de joelhos. Como se implorasse a mim clemência.

Senti um abismo se abrir dentro de mim e me arrastar cada vez mais para o declive, e eu estava caindo sem ver o fundo abaixo. Não queria mata-lo. Precisava mata-lo. Por que precisava mata-lo? Não sei.

Era muito forte, a compulsão era muito forte para não se deixar envolver. Castiel cedeu, ele segurou minhas mãos incapaz de afastar meu toque, seus olhos brilhavam, os meus também, um brilho diferente. Maligno. Quase consegui visualizar ele deixando sua força vital, e isso de certa forma se tornou satisfatório para mim.

_Não... – Sua voz saiu num fiapo. Olhei para os lado e não o vi. Lúcifer me abandonou, eu era a estrela agora. Tentei alcançar sua performance.

Reconheci os sintomas. Minha mente possuída, logo vinha a energia demoníaca fluindo, depois as linhas negras feito desenhos de mapas se estendo de mim para quem estou tocando - torturando - e era um blackout. Não era mais eu, nesse momento não tinha mais controle de nada...

Ele finalmente gritou, Castiel estava gritando. Não se preocupe, vai acabar logo. Queria dizer a ele.

Tudo o que escutava era o som do grito de Castiel reverberando na minha mente, sua vida sendo extraída a força preencheu meu cérebro.

Algo que eu não previ aconteceu. Castiel armado. A longa adaga prateada me ameaçava com seu brilho. Ele a segurou, não tinha muita força, mas a segurou. Faça, queria sussurrar para ele, minha parte humana suplicava para que ele fizesse, se não eu o mataria...

Um brilho intenso explodiu no cômodo, um grito feminino soou. Não conseguia ver mais nada, era claro demais, puro demais. E bem no fundo, se prestasse bem a atenção poderia ouvir uma voz, não humana, era um ressoar de um anjo.

Esperei pela dor, ela não veio. Castiel deixou escapar umas palavras, não entendi o que dizia, era enoquiano se não me enganava, no meio daquele vocabulário reconheci, ou o que parecia ser, um nome; Miguel.

A luz implodiu e desapareceu.

Algo se partiu, houve um barulho e depois passos e gritos, uma luta acontecendo perto.

Outra pessoa me tocou. Humana demais. Sentimental demais. Alguém me arrastou para longe do meu alvo. Ele me virou.

Dean estava me chacoalhando com tanta força que minha cabeça ia para frente e para trás. Dean gritava comigo, dizendo alguma coisa que se embolou no processo e não consegui entender o que era. E ele continuava, sem parar:

_Preciso que se foque em mim, tudo bem? Consegue fazer isso, Isabel olha para mim. Ele não é o inimigo.

_Mas a minha mãe... – tentei protestar.

_Não tem mas! – seu grito me assustou. _Olha para ele, olhe!

Eu olhei. Não entendia o que acontecia, o tempo estava acelerado demais, só precisava de um minuto. Castiel estava no chão, Sam tentando o levantar. Seu olhar encontrou o meu, ele estava assustado, ofegante, surpreso. Era isso? Conseguia definir emoções quando nem as minhas entendia? Sentia-me confusa, frustrada.

O que eu fiz?

Meu corpo foi tomado por uma onda de terremoto, tudo desandava enquanto entendia. Me apoiei em Dean para não desabar, ele me apertou contra si colocando uma mão na minha cabeça contra seu peito enquanto a outra segurava o Colt.

Sentia vontade de chorar, de encher o rio Sena com minhas lágrimas. Mas não conseguiria, por alguma razão não conseguia fazer isso.

Dean me separou dele para olhar em meus olhos.

_Temos que ir. – disse.

Concordei, por que era o que podia fazer naquele momento. Forcei meu corpo a parar de tremer para conseguir andar. Dean começou a me guiar para porta. Sam vinha logo atrás com Castiel.

_E a Meg? – perguntou Dean.

_Conseguiu escapar. – respondeu Sam.

Sentir o ar de fora preencher meus pulmões era tão bom. Estava mais calma. Não tinha coragem de encarar Dean, Sam ou muito menos Castiel. Olhava para longe, não o suficiente para me livrar da sensação de saber que Ele ainda estava ali.

_O que a gente faz agora? – perguntou Sam, ele tinha um corte rente a sobrancelha, Castiel amparado por ele não parecia bem.

Dean olhou para mim. Ainda estava perdida em mim para encontrar para ele uma solução ou explicação.

_Temos que ir, olhe o Castiel e... – ele não precisou dizer.

_Não. Vocês tem que fazer isso, pela Jo e a Ellen. – disse encontrando minha voz. _Por mim. Por favor Dean, você tem matar aquele desgraçado. – parei de falar quando a voz começou a embargar. Ele olhou para Sam.

_Não podemos deixar o Cass aqui. – ele se voltou para mim. _E não posso deixar você ir.

_Vão, é nossa única chance, são quase meia noite. – Castiel surpreendeu a todos se pronunciando. Ele se livrou de Sam e conseguiu ficar ereto, mesmo parecendo que ia desmaiar.

_Ele tem razão. – falou Sam. _ É nossa única chance. Dean lutava para pensar em algo que pudesse servir de solução para todos nós.

_Vai, eu fico. – olhei para Castiel. _Me desculpa, eu... Não vou fazer nada com você. – Nem se eu quisesse poderia, estava exaurida. Castiel não respondeu e nem esboçou reação ao meu pedido de desculpa falho.

_Tudo bem, vamos nessa. – ele se voltou para mim, um último olhar, parecia que se inclinaria para me beijar, mas desistiu no meio do caminho e se afastou sem dizer nada. Observei os dois subirem a rua e desaparecerem logo depois dela.

Castiel caminhou devagar e parou encostando-se na parede. Ainda era difícil olha-lo. Me virei de costas e sentei no meio fio da calçada. O que me restava agora era contar os minutos e não deixar que as batidas do meu coração me atrapalhasse.

Minutos se arrastaram, tão incômodos, tão pesados e terrivelmente silencioso. Decidi que o quebraria fazendo uma pergunta que persistia em tomar lugar na minha mente desorganizada.

_Lá dentro, aquela luz e... eu ouvi, não entendi, mas acima do som agudo eu ouvir alguma coisa, você respondeu em enoquiano e depois disse um nome. Miguel, você disse Miguel. O que isso quer dizer?

Se passaram tanto tempo que achei que Castiel não ia responder. Por fim ele respondeu.

_Podemos dizer que você tem um bom anjo da guarda. – o quê?

Estava preste a questioná-lo quando um som rompeu o silêncio. O Colt disparou a bala. Um estalo e tudo estava acabado. Desmoronando com as partículas do som produzido e o alvo da bala sendo atingido. Pelo menos assim imaginava. Soou tão perto. Um objeto feito pelo homem, que cabia nas mãos poderia ter matado aquele que destruiria o planeta. Sufoquei um grito na garganta.

Esperamos, Castiel e eu seguramos a respiração.

Acabou.

Acabou? Não sentia como se tudo estivesse terminado. Não tinha acabado. Eu sabia que não. Castiel desapareceu, o anjo também sabia que não tinha terminado.


... - ...


Estávamos seguros novamente, sentados em poltronas confortáveis na casa do Bobby. Ninguém ousava falar alguma coisa. Estávamos todo vestindo o mesmo manto do luto. Compartilhávamos o sentimento de esperança se apagando feito a chama de uma vela muito tempo acesa. Ninguém era exceção.

_Tenho... – Castiel foi interrompido no meio de sua fala.

_Não Castiel, você não sai daqui até me contar tudo o que sabe sobre ela. – levantei os olhos da caneca quente de café para Dean.

_Dean...

_Hoje foi um longo dia Cass, e estou farto desses seus segredos. Sei que sabe mais do que está contando. Não quero saber se você tem que ir ou se o sensor de Deus está piscando. Você vai sentar seu traseiro aplumado aqui e nos contar tudo o que sabe. Você ia me dizer alguma coisa antes de tudo ir pelos ares. Essa é hora. – é, Dean não ia deixa-lo escapar.

Depois de um pedido nada gentil de Dean, Castiel ficou. Íamos ter uma longa conversa. Castiel obedeceu e tomou um lugar a nossa frente, ele se recostou na escrivaninha e assumiu uma expressão distante.

_Há muitos milênios, pouco após a queda de Lúcifer, houve um homem. Um camponês. Ele tinha tudo, menos o que mais queria. Ele implorava toda noite aos céus para que sua mulher gerasse uma criança.

"Foram anos rezando e pedindo e nada vinha dos céus. Uma noite esse camponês gritava e culpava a Deus por sua mulher não poder lhe dar um filho. Foi nessa noite em que uma mulher apareceu, ela era muito bela e persuasiva também. Ela o convenceu de que teria uma solução. O homem lhe questionou sobre sua origem, ela disse a ele que pertencia a um Deus diferente, mais justo."

"O camponês embriagado com ideia de que conseguiria o que queria ouviu pacientemente o que a mulher tinha a lhe dizer. Ela lhe ofereceu um cálice, nele continha parte da essência de um anjo, a de Lúcifer, o pobre não teve essa informação. Então ela lhe deu um pedaço de papel, o ensinou a pronunciar as palavras ali escritas, e ele aprendeu tudo com maestria."

"A bela moça lhe disse que deveria dar a mulher o que continha no cálice, em seguida pronunciar as palavras no papel e voltar no dia seguinte a meia noite ao mesmo campo. O homem foi para casa e como foi instruído deu de beber o que tinha no cálice a mulher e voltou a meia noite do dia seguinte."

"Da segunda vez a mulher lhe deu outro cálice e outro papel, o homem estranhou o recipiente vazio e a questionou. A moça tirou de suas vestes uma pequena adaga, ela a levou ao pulso e o sangue jorrou para o cálice. O homem mesmo desconfiado permaneceu calado se segurando a sua fé. Quando terminou ela lhe deu as mesmas instruções e um aviso. Lhe disse que o feito haveria consequências, o homem não deveria interferir nas decisões de seu primogênito, esse filho seria seu biologicamente, mas sua devoção pertenceria a outro pai. O homem leigo ao significado das palavras aceitou a dádiva de bom grado. Ela então desapareceu."

"Assim como prometido seu primeiro filho nasceu, depois dele irmãos e irmã. O camponês mesmo na sua vida muito simples não se aguentava de felicidade em ver sua família completa. E assim como dito seu primogênito fora corrompido."

"O primeiro filho conseguiu persuadir o mais novo a assassinar a mãe, a irmã a cometer adultério e o do meio ao suicídio. O pai vendo sua família destruída tirou também a própria vida com a fé totalmente distorcida."

"O resultado foi a primeira leva de almas condenadas ao inferno por pecados inadmissíveis. Quando Deus descobriu o que Lúcifer havia feito o trancou em uma jaula, onde nenhum demônio sabia o paradeiro e depois condenou aquela linhagem a uma maldição. "Que a fúria de Deus abatesse sobre aqueles que tentassem realizar o mesmo feitiço."

"Assim foi feito. A criação de Lúcifer não resistiu a fúria de Deus. Os anjos saírem vitoriosos a converter os demais que o hibrido induziu ao pecado mortal. Desde então isso se tornou parte das lendas sobre os feitos de Deus."

Quanto tempo levava para um ser humano resistir a tentação de respirar mesmo podendo? Quando Castiel terminou e todos nós o encaramos, esperando alguma coisa a mais, uma reação que nos tirasse do congelamento.

Como me sentia? Não sabia, estava entorpecida demais. Isso era bom, assim não pensaria demais, não ficaria mais confusa, a beira de um ataque.

_Cass, isso quer dizer que... – tentou Sam.

_Quer dizer que Lúcifer tentava corromper a humanidade, provar para Deus que ele poderia criar uma criatura superior a sua primeira e aos os anjos. O que ele fez foi mostrar que era possível o mal viver no bem e o bem no mal, era uma questão de encontrar a exata proporção entre os dois.

O melhor dos dois mundo.

_Como Yin e Yang. – concluiu Sam. Ele tinha nos olhos uma curiosidade quase acadêmica. Arrisquei olhar para Dean e assim como eu ele parecia entorpecido.

_Isso quer dizer que Lúcifer fez o jogo do copo com Isabel? – perguntou Bobby.

_Certamente. – todos os olhos estavam voltados para mim. Apertava a caneca nas mãos com tanta força que temia que ela quebrasse.

Respirei fundo e despejei da melhor forma possível tudo o que vi nos meus sonhos. Eles ouviam tudo o que eu dizia atentamente, deixando as expressões mudarem em certos momentos. Me sentia exposta como nunca antes. Contar meu passado que envolvia sessões terapêuticas, remédios e meses numa ala psiquiátrica. Era tão humilhante para mim que valia ao equivalente a tirar a roupa naquela sala e deixar que todos vissem o que escondia em baixo de camadas de tecidos.

Dean é claro já sabia bastante, mas nem tudo. Os sonhos estranhos tinha até então arranjado um jeito de manter para mim, assim como o último antes de acordar. Sabia que Dean não reagiria bem a isso. E quanto mais eu contava mais outra camada de segredo surgia, a mais recente era entre mim e Castiel, ele não me contara sobre Miguel e eu não desistiria de saber.

_Por que não me contou sobre esses sonhos? – O tom de Dean não era exatamente acusatório, mas surtiu o mesmo efeito.

_Não tivemos muito tempo para conversar sobre isso. – em partes era verdade. Ele não aceitou minha resposta, mas não disse nada. Isso era pior.

_Por que a fúria de Deus não a afetou? – para a pergunta que Sam levantou não houve resposta.

_Ninguém sabe. – disse Castiel amargo. Lúcifer sabia. Não contei o que ele me disse antes de apagar minha memória, mas agora fazia sentido. Talvez, só talvez, estávamos vivendo em um mundo sem um Deus poderoso o bastante para não conseguir matar uma simples garota de quinze anos.

_Quem era a mulher? – perguntei, a voz quase sumindo.

_Lilith. – a resposta de Castiel surtiu um efeito geral. Principalmente em Sam. Olhei para ele interrogativa.

Ele me explicou rapidamente quem era Lilith. A primeira de Lúcifer. O último selo. E o demônio cujo o que sobrou corre nas minhas veias.

O silêncio se estendeu de novo. Não tinha mais nada que valesse a pena ser dito. Castiel desapareceu e Dean simplesmente levantou e subiu as escadas para o andar de cima sem olhar para ninguém ou dizer qualquer coisa.


... - ...


Não conseguia dormir, depois que todos foram para suas camas voltei a poltrona de frente para a lareira e me aninhei no pequeno espaço acolchoado, encolhida abraçando os joelhos . Segurava outro copo, dessa vez vazio, antes tinha chá. Encarava as chamas, como se das labaredas fosse surgi o que precisava no momento; Paz.

O tempo não me dava trégua, era uma atrás da outra, a cada momento, dias, horas tinham seu espaço reservado para me fazer sofrer. As vezes me perguntava se deveria jogar tudo para alto e desparecer para qualquer que fosse o lugar. Mas sei que nenhum lugar do mundo deixaria de fora meu passado e o que me tornei agora.

Era muita coisa para assimilar e entender. Muitas descobertas que viriam e que me fariam questionar com mais frequência se aguentaria, se sobreviveria. Meu corpo agora era marcado por cicatrizes, mas meu coração e minha mente seriam incapazes de remendar, costurar ou curar as feridas que o vulcão que era minha vida me proporcionava.

Poderia chorar, gritar, me cortar e de nada adiantaria, nada seria capaz de desacelerar o tempo, de moldá-lo ou altera-lo.

Levantei a cabeça sobre o encosto da cadeira quando ouvi um barulho. Meu coração disparou e logo se assentou quando consegui identificar a sombra no escuro.

_Também não consegue dormir? – perguntou Sam. Ele estava na cozinha se servindo de água. Lembrei agora que ele também mantinha um segredo meu. Sam não contou que eu podia ver cães do inferno, estava grata por isso.

Ele veio até mim e retirou o copo da minha mão. Na sua mão uma garrafa de Uísque, ele sentou numa mesa de frente para minha cadeira e colocou um pouco do líquido na caneca. Desdobrei as pernas sentindo os músculos reclamarem. Peguei o copo de sua mão e tomei um gole. A queimação era bem-vinda.

_E você, o que faz acordado? – perguntei, Sam vestia uma calça de moletom preta e uma blusa de manga cinza. Minhas vestes também eram de dormir; uma camisa xadrez do Dean me servia como um mini vestido e cobria parte da calcinha rosa estilo shortinho. Agradeci a pouca luz por esconder o rubor subindo minha bochechas.

_Acho que o mesmo que você. – assenti. Era na madrugada que os pensamentos aterradores nos atormentava, e alguns deles compartilhava com Sam. Ele não tomou da bebida, segurava a garrafa e olhava a lareira. _Você disse que acreditava em mim, e não me culpa. Também acredito em você e não a culpo. – meus olhos se voltaram para os deles. Queria lhe agradecer, mas não queria quebrar aquilo com minha voz falha.

_Você sabe como é se sentir, amaldiçoado ou tão... errado, e perceber que nada que faça pode apagar isso. – não soou como uma pergunta.

_Sempre. – uma palavra bastava para sentir compaixão por ele. Sam era tão carregado em culpa, arrependimento quanto eu. Ele sabia como era. Naquele espacinho do tempo me senti melhor por saber que não estava sozinha. E Sam foi o primeiro a dizer que acreditava em mim. _Nós dois estamos em busca de algo.

_E o que seria?

_Redenção. – Sam sorriu fraco. _Boa noite. – com isso ele deixou a garrafa e se afastou deixando seus paços descalços ecoarem baixo.


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Notas finais do capítulo

Então, gostaram? Me deixem saber!!!

Até a próxima pessoal.


XOXO



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